Thursday, December 06, 2018

Tragédia e História: Ésquilo e o elogio da pólis grega



 
Orestes mata Egisto, na Electra de Eurípedes


Regina Zilberman tem um estudo na coletânea de ensaios O Tempo e o Vento - 50 Anos que trata do livro do Erico Verissimo mas a análise que ela faz da Oresteia me fez reler a trilogia do Ésquilo e repensar uma outra forma de analisar a história. 
Como diz ela o dramaturgo opera com elementos que podem iluminar relações entre história e poesia. Num primeiro momento, ele faz a crônica da da aurora da época heroica da Hélade e seu fim, na democracia de Atenas. 
 Imaginei que, para um estudo, fosse possível tentar encontrar elementos históricos na peça, que mostrassem o mundo micênico da tragédia, de Agamemnon e Orestes, e cotejá-la com a época do século V, da isonomia, do nomos, da democracia que aparece na última parte. 
Então, no seu enredo, ele espelha, de forma interessante, esses dois mundos, o ocaso do mundo do direito privado e a aurora do direito coletivo e público, celebrado como o elogio da pólis.

Mesmo encontrando elementos que marcassem bem aquela época dos heróis, a verdade é que os homens do século V não tinham noção do que foi realmente aquele tempo histórico. Houve um colapso, no fim do século XII, que marcou o desaparecimento de todo um mundo que havia naqueles costados do mediterrâneo. 
Por exemplo, a invasão dos Hicsos no Egito foi, na verdade, um pequeno episódio de diásporas impressionantes seguidas de desaparecimento de culturas e de civilizações do oriente próximo naquele período, o ocaso da idade do Bronze. 

Vidal Naquet diz que, se por muito tempo acreditou-se que A Ilíada e a Odisseia representavam um retrato fiel do que seria o mundo micênico, a arqueologia e a escrita Linear B tornam hoje essa hipótese insustentável.

Para ele, os poemas podem conter elementos atávicos que os ligariam historicamente ao que seria a  tal época dos heróis, mas que, no tempo em que o poeta compôs as duas narrativas, toda aquela civilização estava totalmente esquecida.

Desta forma, Vidal Naquet entende que esses poemas homéricos constituem testemunhos de seu próprio tempo, ou seja, o século VIII. E sequer poderiam ser considerados retratos fiés daquela época. Da mesma maneira, em Ésquilo, aquela recriação do mundo micênico era, à sua maneira, a forma como aquela época via e entendia o passado, ou seja, são representações.  
Claro que a arqueologia dá pistas sobre como, em parte, poderia ter sido aquele mundo. E que a vida social girava em torno do palácio, cujo soberano exercia um papel religioso, político, militar, administrativo e econômico.  

Ao abordar a Oresteia, Regina Zilberman diz que, ao contrário de Homero, de cuja Ilíada e Odisseia são parte do ciclo de Tróia, é Ésquilo quem narra a história da guerra de Tróia de forma abrangente, articulando suas causas e consequências e a presentando-a, do começo ao final.


 A Oresteia


A Oresteia é parte de uma tetralogia. Na época das tragédias gregas, o dramaturgo apresentava uma tetralogia, sendo três tragédias e uma comédia. Ou seja, a comédia que foi composta junto desapareceu. 

Agamêmnon, a primeira parte da trilogia, é quase toda dedicada à rememoração do conflito e seus antecedentes. Nos diálogos e nos cantos corais, diz a autora, a ação retrocede, voltando ao conflito entre os irmãos Atreu e Tiestes, depois a mirte de Ifigênia em Áulis, que Clitemnestra acusará o marido de matar a filha, assassinando-o por traição na sua volta, perpre3tando o ciclo de mortes na família. 

Nas Coéforas, vemos o retorno de Orestes, dirige-se ao túmulo de Agamemnon. Um grupo de mulheres vai até o local e verte libações a mando de Clitemnestra. Entre elas, ele reconhece Electra e vice-versa. Juntos, decidem vingar-se do herói morto, com o beneplácito de Febo Apolo. No fim da peça, Orestes mata a mãe, Orestes e a irmã separam-se e o deus pede ao jovem que parta suplicar no templo de Apolo e depois ser julgado em Atenas.

Nas Eumênides, instigado pelo fantasma da mãe, Orestes é perseguido pelas Erínias. Como suplicante, pela ajuda de Apolo que, sendo um deus posterior às Fúrias, não consegue interceder perante sua vingança. O deus envia então o filho de Agamêmnon à Atenas. A deusa declara que Orestes será submetido a um julgamento.

Apolo defende Orestes diante do júri que, no fim chega a um impasse. Em caso de empate, o voto final de Palas Atena seria a favor do réu. As Fúrias posteriormente são transformadas em eumênides (que dá nome à última parte), entidades abençoadas da cidade. Declara que, no futuro, em caso de empate, o voto final seja prla absolvição do réu.


Tragédia e História Familiar

De acordo com Regina, a “crônica de guerra” plasmada na trilogia esquiliana é, antes de mais nada, uma crônica familiar. E Ésquilo soube engendrar a história dos Atridas à história da própria Grécia: se o conflito entre Atreu e Tiestes e seus descendentes tem causas internas, este não pode ser dissociado de um plano mais geral, de natureza política e militar.

Afinal, diz Zilberman, Agamêmnon vai à Tróia defender a honra de Menelau, sendo obrigado a sacrificar sua filha para a tropa aquéia possa receber os ventos dos favores divinos — o que, por fim, custa a sua vida. Se esse ato, diz a autora, é de cunho político e religioso, Clitemnestra entende como o crime que ela busca vingar, dez anos depois (2000, p.28).

Cúmplice da esposa de Agamêmnon, Egisto pretende vingar a morte do pai, Tiestes, apunhalando o general aqueu enquanto se banhava. O crime e o adultério, por sua vez, colocam o amante de Clitemnestra no comendo de Micenas, onde se transforma em tirano até ser vingado por Orestes.

Regina Zilberman entende que, a um só tempo, a tragédia de Ésquilo amalgama a saga familiar à história política de uma pólis, quando a Oresteia é apresentada ao público ateniense pela primeira vez (p. 29).

A história política, diz a autora, conta a passagem da tirania à democracia, pois Orestes, considerado culpado pelas Erínias, é inocentado pelo areópago reunido sob à égide de Palas Atena, a deusa protetora da cidade, que assim comemorava coletivamente “a adoção de um sistema que a diferenciava perante as outras pólis da Grécia (idem).

De acordo com ela, a outra narrativa é a da instalação da Justiça Civil, com efeito, exercida e executada por um tribunal que ouve o réu, em vez de eliminá-lo, julgando Orestes a partir de argumentos favoráveis e contrários à sua ação.

Em lugar do privado e do individual, que move as atitudes intestinas da amaldiçoada dinastia dos Atridas, conclui Zilberman, esse é admirável mundo novo do público e do coletivo.

Esse novo mundo repreende a reprodução do trágico, superado pois ao final da trilogia, quando os juízes atenienses submetem até mesmo as próprias Erínias que, por fim, tornam-se entidades abençoadas e protetoras da cidade.

Regina Zilberman explica que saga familiar é feita de sangue e morte, legando aos descendentes a tarefa de punir os culpados, vivendo á margem da justiça. São Orestes e Electra que rompem o ciclo, porque se particularizam ao constituirem um par diferenciado pelo sexo, por manterem-se castos e por vingar o pai, ou seja, sua ação remete ao passado,e não ao presente (2000, p.30)
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Ambos são substituídos por outra forma de governo, a democracia. Aqui, a saga familiar se encerra com a “eliminação” da família ou da primazia do direito privado em favor do estado, o direito público.

Na Orestéia, diz a autora, Ésquilo dá uma lição de poética histórica. Ele mostra como lidar com temporalidade e cronologia. Também mostra como, numa trajetória do passado ao presente, é possível interpretar a atualidade para os sujeitos que fazem parte dela.

Contudo, mais do que isso, diz a autora, ele mostra como tratar, de forma simultânea, de figuras míticas e entidades históricas, como nas Eumênides. Para Zilberman, ninguém antes de Ésquilo ousara, com tanta naturalidade passar do mítico para o histórico e voltar, sem desfigurar nenhum dos dois. Nesta trilogia, diz ela, o tragediógrafo opta por dar um passo a frente, “reunindo tempos diversos e entidades de natureza distinta” (2000, p.32).


A respeito da Oresteia, poderíamos dizer que a trilogia trabalha com elementos que podem iluminar também relações possíveis entre história e poesia.Em primeiro lugar, como diz Zilberman, o tragediógrafo faz a crônica da Grécia, com seu começo na guerra de Tróia e o corolário na formação da democracia ateniense.

Para isso, ele faz uso de drama e narração que, segundo ela, estaria plasmado no estilo adotado pelos cantos corais, que resumem e relembram o passado, ao mesmo tempo em que os articulam com a ação presenciada pelo público no palco.

A dialética passado-presente se funde no âmbito do drama que, ao mesmo tempo, manipula com o que está acontecendo. Neste amálgama, Ésquilo explica aos atenienses sua própria história, desde o tempo dos heróis até a consolidação da pólis (2000, p.31).

Conforme Santos (2005), o surgimento da tragédia grega está imbricada a um estado particular de articulação entre o mito e o pensamento jurídico, que está em processo de gestação (p.47).

Ele observa que são duas tendências a defrontarem-se no palco, numa dicotomia entre o passado mitológico e o presente da pólis: a transição de um conjunto de símbolos religiosos, valores do oikos, o lar e a nova realidade dos valores da democracia.

Nesse momento, estamos diante de um momento em em que os valores coletivos da pólis recém fundada imperiosamente se sobrepõem aos valores individuais da aristocracia (idem ibidem).

Aqui, diz ele, o homem grego se volta ao passado mítico que, embora passado, ainda está presente no que podemos entender no trânsito do imaginário, quando entram em pauta as discussões a respeito dessa nova ordem social.

Nas Eumênides, por exemplo, podemos entender o dilema de Orestes, para além da justiça divina e/ou dos homens, a representação de uma personagem de extração aristocrática onde seus valores são colocados em questão.

O irmão de Electra é, pois, como sintetiza Santos, um símbolo do universo lendário, do mundo dos palácios, e se caracteriza pelos valores decadentes dessa classe (p.48).

Com relação entre história e tragédia, Vidal Naquet diz que, ao cotejar o diálogo entre pensamento jurídico e a narrativa, trata-se de um fundamento prévio que deve reconduzi-lo ao texto e ao seu mundo, a fim de explorar "certas dimensões que, sem esse desvio pelo terreno do direito, ficariam dissimuladas na espessura do texto” (1999, p.9).

Santos (op cit) coloca que além disso, mesmo que mimetizando a imagem de um julgamento, não está em discussão um direito ancorado em princípios, mas as discordâncias de um pensamento jurídico inconcluído, não fixado e questionável" (p.48).

A tragédia aqui aparece, a um só tempo, como expressão crítica de um desequilíbrio manifestação e a estética do incerto momento de constituição de um equilíbrio novo (p.48). A Oresteia é, de certa forma, no pensamento filosófico de Ésquilo, como arepresentação mais perfeita desse equilíbrio novo.

Em Agamêmnon, por exemplo, Ésquilo recria o mundo micênico: no começo, temos um sentinela solitário. O coro representaria o conselho de anciões. Ao discutir com Clitemnestra sobre a sorte dos heróis em Tróia, o coro adverte: "é perigosa a voz de uma cidade magoada, a maldição de muita gente".

Quando o atrida retorna, Clitemnestra ordena às criadas que coloquem um tapete para que ele possa passar. Ainda estamos no mundo dos palácios. Ao representar tais cenas, o tragediógrafo recria um mundo que resistiu simbolicamente através dos mitos, já que nem Homero, nem Ésquilo tivessem condições de reelaborá-lo historicamente.

Na discussão tanto entre o coro e Clitemnestra quanto entre ela e o rei de Argos, vemos o que Santos entende como sintoma de desequilíbrio: " o herói trágico grego apresenta-se para os espectadores daquele momento como um ser problemático, induzindo-os a um processo de reflexão (Santos, p.50).

Agamêmnon é assassinado e segue-se uma altercação entre os anciãos. Ela afirma contradizer-se em suas palavras anteriores e apresenta o seu propósito: vingar Ifigênia. Não aceita a opinião do coro, alegando que o rei era tão réu de juízo quanto ela. "pela justiça feita em nome de uma filha, pelo Destino, pelas Fúrias vingadoras a quem dedico o sacrifício deste homem", diz ela.

Segue-se outra altercação do coro agora com Egisto. Os anciãos dizem: Que mão será capaz de remover daqui a origem de tamanhos males? A raça está atada á perdição!".

Contra o ato criminoso, confrontam-lhe ameaças. Nas Eumênides, peça que serve como um andante entre os dois allegros da sinfonia esquiliana, Argos vive sob paz armada. Electra é marginalizada por sua mãe e por Egisto. Clama aos deuses por vngança, que lhe aparece na figura do irmão, após o reconhecimento.

Ésquilo não exploraria tanto o ambiente rural do oikós como Eurípedes, que ambienta a filha de Agamêmnon numa choupana, casado com um campônio (elemento que será criticado por Nietzsche na Origem da Tragédia). à argem do palácio, ela é rebaixada por um casamento mal consumado, que a coloca sob a posição de plebéia.

Porém Eurípedes também evoca outro elemento simbólico do mundo mítico (ou histórico dos palácios) quando da cena em Egisto vai sacrificar uma rês, elemento que o mostra como o rei ancestral de Vidal Naquet, quando o monarca micênico tmbém exercia um papel religioso. Enfim, cenas representadas por outros tragediógrafos porém não por Ésquilo que acreditamos, nas Coéforas, concentrar toda ação na relação com o coro.

Nele, esse elemento não é tão explorado nem por Sófocles), e ela serve, junto com o coro, que tem papel preponderante ao infundir nos irmãos o sentimento de vingança e a morte da rainha. Mas, na cena dos do terceiro ato, vemos cenas do palácio: os escravos, o porteiro, um aposento aos estrangeiros.

Nas Eumênides, chegamos ao mundo da pólis. Implacáveis, as Fúrias, "descendentes da negra Noite", acusam apolo de defender um suplicante infame: "És deus, e nos roubas um matricida! Quem pode ver justiça em tudo isto?". Ao corifeu, Atena diz: "Estão aqui neste momento duas partes e ouvi apenas a metade dessa história".

A deusa apela ao Areópago, depois de escolher os melhores entre todos os cidadãos de Atenas. Dada a apresentação das Erínias acusatórias e do corifeu e as palavras de defesa de Fabo Apolo e Orestes, as Fúrias decidem esperar pelo veredicto.

Dada a absolvição ao jovem Atrida, o coro enfurece-se reiterando a validade da "ordem antiga" ou a "ancestralidade do poder das Erínias como lei antiga".

Atena apela ao coro que julgue pelo bem da terra: "Que vossas bocas furiosas nunca mais lancem sobre este solo fértil maldições capazes de matar tudo que existe aqui".

Em seguida, prevê um bolo futuro à pólis. E reitera: "se não concordardes, sereis certamente iníquas, deixando cair sobre a cidade ódio, rancor e males contra os habitantes", conclamando as Erínias a unirem-se ao futuro da pólis como deusas benéficas, jurando: "Jamais possa a discórdia insaciável vociferar possessa na cidade".

As Eumênides narra, a um só tempo, crítica racional a insistência na figura de uma ordem antiga, a do olho por olho, vinculada ao signo das parcas, de um réu cujas ações passadas necessitam de um defecho numa nova ordem, a da pólis.

Nesse mundo, diz Santos, do direito, da ordem plenamente aceita, o herói mítico, na verdade, já representa o mundo anterior, aristocrático, em que crimes deviam ser vingado pela parte de quem sofrera, obrigatoriamente mediante a ação de consangüíneos ou de descendentes (op. cit, p.54).


Por fim



Analisando a trilogia de Ésquilo, dá para ver que, na democracia, o 'herói mítico' representado na Oresteia (cabe notar que Ésquilo soube passar do tempo mítico, atemporal, para o tempo 'histórico' do presente da escritura da peça de forma diegética, sem perder o ritmo dinâmico da narração) passa a ser representado pelos seus atos.

Como anota Santos (sem no entanto referir-se explicitamente à Oresteia)o seu sacrifício representa a "anulação do velho direito do mundo titânico e o prevalecimento de uma nova ordem". Dessa forma, diz ele, o papel representado em cena pelo herói trágico é o de bode expiatório a ser imolado diante de uma comunidade, a fim de que esta ordem possa dominar de forma segura (Santos, op. cit, p.55).

Nesse sentido, Regina Zilberman (2000) pontifica que o estabelecimento do Estado como entidade responsável pelo funcionamento da sociedade corresponde ao enfraquecimento do poder e influência da família, que abre mão da faculdade de arbitrar sobre os problemas tanto internos como externos ao alcance da sua órbita de atuação.

Essa passagem vai corresponder, diz autora, na obra de Ésquilo, à transferência do mundo mítico para o mundo histórico: o atrida Orestes, o herdeiro que descendia dos deuses dá lugar aos juízes anônimos, e Palas Atena gerencia a mudança (p.38).

Já Wunenburger (2005), ao falar do imaginário como instância capaz de dotar os homens de memória, fornecendo-lhe relatos que reconstroem o passado e justificam o presente, entende que a fundação das cidades (no caso de Ésquilo, de uma nova cidade, isto é, a pólis democrática) é inseparável dos mitos de origem. Eles, diz o autor, de alguma forma fixam seu destino e legitimam sua história e suas instituições.

Dentro dessas constantes, o autor enumera elementos mitogenéticos, como a filiação do espaço urbano com o mundo dos deuses. A fundação é, quase sempre atribuída a um herói (como Teseu e Rômulo), que cumprem uma promessa sobrenatual (fundação de Roma por Enéias).

Em segundo lugar, a fundação torna-se um rito sagrado, mediante a instauração de um mundo que testemunha que a aventura humana só pode adquirir sentido integrado a uma simbologia sagrada (p.64).

Para o autor, a cidade inaugura uma mudança ontológica na vida de seus habitantes, modifica suas relações com os deuses, expõem o indivíduo a vivências estranhas ao comum do habitat e da sociabilidade (idem, ibidem).

Por fim, o nascimento da cidade é, no entender de Wunenburger, comtemporâno de uma violência assumida (aqui, no caso, a maldição dos descendentes de Atreu) e superada (pela Justiça pública), como se a nova ordem só pudesse resultar de uma ampla desordem vencida (p.64).

Entendemos a Oresteia como uma obra que pensa, de forma global, nesse processo - da poesia à história, do mundo da era micênica e dos palácios e da aristocracia de ascendência mitológica cifrada na formação da cidade, com elementos enraizados na tradição e no imaginário grego.

Ésquilo, por sua vez, ao estabelecer os dois universos, o dos mitos e o da violência e o da ordem, da cidade, contra uma mundo de ódio e um lugar estéril, como diz Palas Atena em seu apelo, nas Eumênides.

Ou, como diz Vernant (1972) percebe-se, nesse momento da pólis como uma relação social assimilada a um vínculo contratual (Erínias versus Orestes, aristocracia versus "corrente de espírito democrático") e não mais um estatuto de domínio e submisão (p.102). Contratual como no termo da Oresteia, quando por fim estabelece-se a paz entra as duas 'correntes'.

Porém, sobretudo, como um momento de reflexão sobre essa instabilidade do herói, como diz Santos e essa instabilidade provocada pela hybris, a desmedida, a necessidade do Estado em estabelecer um contrato com seus respectivos cidadãos em favor da ordem e da paz contra a violência.

Enfim, um contrato social onde a democracia torna-se um espaçod e negociação entre os grupos políticos, e acreditamos que a trilogia é um exemplo perfeito dessa aspiração da pólis do século V.

Como afirma, à guisa de conclusão, ao analisar a Oresteia, Regina Zilberman diz que, ao se instaurar o mundo da história e do acontecimento, suplantando o do mito, o que significa anunciar a realidade do progresso e da modernidade, não há mais lugar para o privado (p.41).

Ao mesmo tempo em que ela convida as Fúrias a superarem as desavenças estabelecidas como donas da tradição e da lei, entidades míticas que querem impor a sua ordem, como deusas antigas, Atena as convida, e por extensão, Ésquilo conclama também a platéia, e aqui trata-se da platéia das tragédias como um evento da cidade, a fazerem parte do admirável mundo novo da democracia.





Bibliografia Consultada



ÉSQUILO. A Oréstia. Tradução de Mário da Gama Khoury. Zahar, 1990.

MELLO, Leonel Itaussu Almeida, COSTA, Luiz César Amad. História Antiga e Medieval. Abril, 1985.


RIBEIRO, M.C.L. Electra e Orestes: reconhecimento e espaço na tragédia grega. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 20: 251-276, 2010.

SANTOS, Adilson dos. A tragédia grega: um estudo teórico. Revista Investigações. v. 18, n. 1. Recife, 2005 (pp. 43-67).


VIDAL NAQUET, Pierre e AUSTIN, Michel. Economia e Sociedade na Grécia Antiga. Lisboa : Edições 70, 1986.

WUNEMBURGER, Jean Jacqes. O Imaginário. Loyola, 2005.

ZIILBERMAN, Regina. Saga Familiar e história política. In: GONÇALVES, Robson Pereira. O Tempo e o Vento: 50 anos.  EDUFSM/EDUSC, 2000.









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