Thursday, August 03, 2017

Rusty Rock



O radialista Big Boy tinha um tino para sacar música na programação de rádio que ia desde aquilo que era o mainstream na Europa e nos Estados Unidos, e que ele ajudava a lançar aqui no Brasil, nos anos 70, quanto era capaz de cavar compactos obscuríssimos de artistas idem e que não só fizeram sucesso a partir dos seus programas, baseados na Mundial, quanto muitos desses discos estouraram por causa dele e, mesmo hoje, decorridos mais de quarenta anos da sua morte, ainda estão associados à memória dos tempos da Superquente. Muita coisa, por sinal, virou lenda urbana, e sequer se têm notícia da origem desse material.

Boa parte dele acabou se perpetuando porque o Big Boy lançou três álbuns ligados tematicamente aos seus históricos bailes da Pesada, e um, um pouco mais conhecido, é um pirata nacional ou pretensamente relançamento de um selo obscuro, chamado Napoleon, e que trazia marte de uma apresentação dos Beatles no Hollywood Bowl em 1964.

O lado B do disco, no entanto, era o melhor do álbum. Como sempre, com faixas obscuras, atribuídas ao Tony Sheridan, mas muitas faixas eram do começo da carreira do Capitain Beefheart, então ainda militando pelo eletric blues — outro achado de Big Boy, já que Beefheart sequer era conhecido no Brasil dos anos 70, que pouco se interessava por rock (menos do que agora, por exemplo). O tal disco virou collector item para os fãs dos Fab Four, muito embora o álbum seja, a rigor tão desinteressante hoje.

Cito o caso dos Buoys, que tocaram muito no começo dos anos 70 na Mundial com uma gravação, chamada "Timothy", uma letra infame sobre canibalismo, mas com uma pegada pop e um vocal estilo Crosby, Stills e Nash. A faixa saiu no primeiro elepê Baile da Pesada, junto com muita coisa de funk — muita coisa boa, diga-se de passagem, mas que é difícil de achar na Internet — apesar da Internet ser um lugar onde é difícil não achar qualquer coisa. Tem Abrahan And The Casanovas, Meters (com o Chicken Strut e Kool & The Gang). esse disco é um achado. É tão bom que foi ripado em formato digital e se você não achar em mp3, faça o rip do Youtube.

Discos como o dos Beatles e a série dos bailes da pesada, estes lançados pelas Top Tape, saíam quase como bootlegs. Não tinham indicação de fonogramas, o que leva a crer que eram editados sem o copyright, como nos discos de novelas. Mesmo assim, tocavam na programação da Mundial, não só nos programas do Big Boy mas na programação geral, incluindo o Show dos Bairros. Uma que tocava era "People Of The World" (Lord John), que ficou conhecia principalmente por causa do Big Boy. Outra é "Copacabana" (The Salvation), com um riff tipo "On Broadway") que tudo indica que é um conjunto brasileiro.

O disco Big Boy Show, por sua vez, saiu por uma gravadora grande, a RCA (curiosamente, esses projetos do Newton não eram lançados pela Som Livre), e muitos desses áudios aparecem no excelente documentário-tributo que seu filho produziu, nos anos 2000, sobre Big Boy.

O caso mais clássico, sem dúvida, é o do "Charley", do Whisky David. A faixa, incluída no acima citado Big Booy Show, (originalmente do álbum Rusty Rock (Ariola, 1975) e a banda até hoje é motivo de debate sobre a sua origem. Só muito recentemente é que lançou-se alguma luz a respeito deles (já que o próprio Big Boy parecia manter tudo na obscuridade mesmo). Tudo indica que, como ocorrera com Long John ou os Buoys, "Charley" foi uma sacada do Big Boy que acabou virando não apenas um sucesso local naquele ano quanto uma referência á memória do próprio disc-jockey da Mundial até hoje.

O "Whisky David" foi, na verdade, um cara chamado David Waterston. Nascido em Paisley, na Escócia, que era roadie dos Yardbirds. durante uma turnê pela Espanha, em 1966, ele conheceu os membros de uma espécie de Beatles espanhóis, o Los Brincos (antes Los Shakers, mas nada a ver com os uruguaios Shakers). Waterston resolveu ficar, e integrou o projeto do líder dos Brincos, Fernando Arbex — que, dez anos depois, noauge da febre Disco, fundaria o Barrabás, que faria muito sucesso também aqui no Brasil.

Nos anos 70, David fundou a Whisky David, cujo nome se dava não só porque ele era escocês (a referência seria por demais óbvia) mas porque, ao contrário do que manda o bom tom, os demais membros da banda eram abstêmios. E, de fato, a insistência rebarbativa á bebida escocesa sempre foi um charme a mais na banda, pelo menos para mim que, dado aos vocais bêbados de David (que mais parece um misto de Bon Scott com Dercy Gonçalves), parece ser possível sentir o blend de scotch saindo das caixas acústicas quando ouvimos o primeiro e único registro da banda, Rusty Rock.

David era autodidata (tocava harmônica, embora não toque o instrumento no Rusty Rock) e começou solo, com "Tina", em 1973. Nos anos seguintes, tocaria com os Shakers e o Whisky David seria uma fusão de vários projetos que, a um só tempo, juntava muito dos poucos malucos que se dedicavam ao rock no país. E a banda, por sua vez, segundo ele, era uma forma de criar uma cena blues rock na Espanha.

De acordo com o necrológio do el País, de abril de 2011, David era co-proprietário e professor de tênis num um camping em Altea, Alicante (no litoral mediterrâneo, no sudeste espanhol) e, nas horas vagas, tocava numa banda chamada Tonky Blues Band. Ainda segundo o obituário, ele havia perdido seu irmão há pouco tempo, e havia caído em depressão, o que fezx com que voltasse a beber. Morreu dormindo, dia 26 de abril daquele ano.





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