Tuesday, August 08, 2017

Brailovski e o especialista



Tive há bastante tempo um disco do pianista ucraniano Alexander Brailovsky. Sempre que eu passo no Mercado do Bonfim eu me lembro dessa capa. Brailovsky era especialista em Frederic Chopin. Ele se radicou nos Estados Unidos e gravou dezenas de álbuns com peças do compositor polonês.

Aliás, eu tinha uma coleção curiosa, porque esses discos eram daqueles que poucos procuravam, e eu comprei um lote de um colecionador, e a pessoa provavelmente não apenas sabia o que comprava como também parecia conhecer todos os selos quentes, com os melhores intérpretes. Hoje, acho que a única que entrou na era da internet foi a Deutsche Grammofon. dos outros, que fim levaram aqueles masters da CBS, da Phiilps, Melodia russa ou da RCA Victrola?

Esses álbuns são do tempo em que intérpretes de música clássica gozavam de relativo sucesso comercial em lançamentos de discos - algo improvável hoje em dia, já que não existem mais seções de música erudita em lojas de discos.

É impensável pensar hoje que existiu, ainda mais aqui, no Brasil, um mercado tão grande e prolífico de venda de discos de música clássica. Impensável mesmo, porque há algum tempo eu estive numa loja — a Saraiva do Praia de Belas, e lembrei que, quando ela foi inaugurada, lá por 1999, ela tinha uma seção especializada em música clássica e jazz.

Imagine que, hoje, quando você chega lá, percebe que os poucos discos que estão expostos à venda naturalmente no interior da loja mal servem como amostragem dos diferentes artistas e estilos. Dificilmente você encontra algo que você queira ali. Lojas lixam-se em manter fisicamente um estoque que hoje está na Internet. Sinal dos tempos. Até porque, por causa disso, o próprio público-alvo dessas obras encontra-se nas lojas de shoppings.

Aliás, se alguém for pensar, aparelhos de som hoje têm entrada para USB e os notebooks que v~em de fábrica hoje sequer tem entrada para CD. Eu mesmo aproveitei a leva de discos que passei adiante para livrar-me dos meus CDs. Nem o quesito valor afetivo se salva: eu realmente não tenho o que fazer com os disquinhos, eles realmente ocupam espeço e são um peso morto em mudanças. E o pior, além da facilidade com que os estojos quebram/riscam, os CDs correm o risco de mofaram, mesmo bem guardados: ao contrário do vinil, quando podemos de repente pôr um peso no braço da agulha, o único destino de um disquinho mofado é o lixo.

Lembrei do Brailovski porque ele era de um selo azul da CBS, que era especializado em lançamentos de clássicos. Não sou um entusiasta do vinil (embora o pareça) mas, daqui a alguns anos, vão espocar teses que darão conta do que foi a bolha cultural do século do vinil. Longe de ser mero fetiche, era uma época quando gravadoras contratavam até artistas eruditos ou de jazz e que tinham quase que total autonomia na hora de gravar, e que mantinham um mercado gigantesco, que ia do artista ao vendedor especializado da loja.

Hoje ele é uma espécie extinta e parece até piada imaginar, mas toda grande loja de discos (como a Pop Som, da foto acima) que se prezasse tinha um atendente especializado inclusive num gênero específico, como eram os balconistas de seções de clássico/jazz. citando o fim da Tower Records, nos Estados Unidos, o jornalista Andrew Keen, no Culto do Amador, refere-se à perda da "aura" do especialista também nas lojas de discos. em geral, ele servia como um mediador — aquele que tanto sabia qual música nós assobiávamos para tentar decifrar aquela música que ouvimos no rádio e ele achar o disco específico — quanto saber qual seria o disco especial para aquela pessoa idem, nem que essa pessoa fosse você mesmo.

Claro que, ao contrário do que parece, ele não quer soar saudosista, mas apenas pegar esse exemplo para mostrar como a Internet (ou, como ele se refere, a web 2.0) matou com uma cajadada o especialista da loja de discos junto com eles mesmos, os discos. Hoje, em 2017, vemos que o catálogo das grandes gravadoras sobrevive agora no streaming e é o robozinho do site quem direciona ou não os nossos gostos. São outros tempos. Mas, mesmo assim, como não é bem uma mídia colaborativa mas, sim, um grande esquema mediado entre os barões da indústria fonográfica e os donos dos sites, muita coisa ainda está de fora e nunca vai entrar no streaming.

A verdade é que existe uma rede polissemica (e colaborativa) de gente que, indo pela contramão da folksonimia típica do Youtube, que faz um tralho distraidamente arqueológico em ripar material de álbuns que certamente nunca vão aparecer num Spotify da vida. E essa é uma das coisas que me fazem ainda ficar preso ao Youtube: aqui eu posso encontrar de repente um disco que eu tive, entre tantos, de música clássica até, já que existe um catálogo gigantesco que existe fisicamente em algum lugar mas que ainda está prestes a ser digitalizado.


Digo isso porque, para felicidade minha, encontrei aquele disco de polonaises do Brailóvski na Internet — ripado do vinil, e foi uma surpresa (o Brailovsky tocou aqui em Porto Alegre, no Theatro São Pedro, há muito tempo atrás. Só não me perguntem o ano). Fallando da capa do disco, eis:



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