Friday, November 11, 2016

Invadindo o Éter


Um Transglobe


Há tempos atrás, tive que me mudar e fiquei sem internet. Ao mesmo tempo, um vizinho faleceu e como a família dele pôs muita coisa que não teve tempo de vender fora, eu herdei um Transglobe Philco, um rádio feito para pegar ondas curtas. Como naquele tempo eu tinha um estéreo que, apesar de estar quebrando, ainda funcionava como auxiliar do áudio do meu note (só o rádio funcionava, as funções de CD e casette já estragaram faz tempo), eu o usava.

Com a mudança, eu perdi meu computador, que queimou, e não tem conserto. Ao mesmo temopo, fiquei definitivamente sem Internet em casa e sem rádio. O Transglobe, que eu havia deixado de lado por meses, acabou se tornando a minha única alternativa em casa.

Claro que, a partir dali, sendo só eu, um colchão e um rádio, o aparelho ganhou uma outra dimensão para mim. Principalmente em dias intermináveis, quando eu tinha que ficar o dia em casa, pelo fato de não ter alternativas, chuva ou por ser domingo. O que me salvou, por meses a fio foram os poucos livros que eu ainda carregava comigo e o Transglobe.

Sem querer, voltei ao tempo em que eu era guri e descobri o rádio. Naqueles tempos, sem tevê no quarto, sem Internet, que ainda não existia, a saída era o rádio. Aliás, sempre foi: sempre e cada vezes mais, ele para mim é o único eletrodoméstico possível. Meu primeiro rádio era um de pilhas, pequeno e azul. Pegava após o AM.

Meu pai um dia comprou um rádio-gravador CCE com headphones, que ele usava no quarto, numa época em que ele era fanático por Faixa do cidadão. Foi uma mania dele que, meses depois, passou. e eu herdei aquele rádio-gravador que, além da banda de Am, tinha três de Onda Curta.

Como ele não era exatamente o equipamento ideal para captar ondas tropicais desse tipo — a antena telescópica era curta — eu pouco usava a OC. Porém agora, com um Transglobe, e com sete faixas, eu podia ia muito além da escuta em onda média. O Transglobe tem um dial estendido, isto é, tem uma faixa maior, que permite que seja possível pegar uma emissora no "detalhe", uma rádio de potência baixa do pado de uma com potência alta. Por exemplo, mesmo com a LBV rachando no 1300 khz, eu consigo captar a Tupi do Rio nos 1280. Num radinho de pilhas, isso seria impossível.

Com o Transglobe, agora, eu conseguia pegar emissoras de fora, e de bem longe das da região metropolitana de Porto Alegre, entre elas a ABC 900 e até a São Francisco, de Caxias. Claro que é mais fácil de noite, e no inverno, quando o período noturno é maior. A partir dos estertores da primavera, o dia amanhece muito cedo. A Tupi começa a desaparecer ali pelas cinco da manhã. Ao mesmo tempo, no Inverno, eu cinda consigo pegar rádios de Santa catarina, como a Marabá ou a Porto feliz, ou a Frequência, de Garopaba, Porém, sempre ou no fim da noite ou no começo da manhã, já que a maioria delas sai do ar á meia-noite.

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Meu problema com a onda curta era o total desconhecimento da rotina de escuta nessas faixas. O segundo é que o meu Transglobe tem o ponteiro do dial travado. Então, quando eu uso o seletor para mudar de faixas (35m, 31m, etc), eu faço na base do voo cego: não sei onde nem o que eu vou sintonizar. Porém, consigo notar que essas duas faixas são as que t~em mais incidência de rádios.

A outra questão é que, ao contrário do Am, onde tudo parece estático, a OC é dinâmica. A rádio que eu pago num sábado de tarde eu posso não achá-la amanhã; algumas emissoras que fazem world Service muitas vezes o fazem em determinados horários. Ou seja, não é comum num FM, quando você sintoniza e fica escutando o dia inteiro. Terminou a transmissão para determinado lugar ou espaço geográfico, o sinal some.

Mais: a recepção sobre com as intempéries aqui ou no local da emissão, com a atividade do sol, com a estação do ano. Outras, por exemplo, eu posso achá-la agora mas, de repente, levar meses eu talvez sabe-se lá quando eu irei sintonizá-la novamente. Lembro que aquela que eu peguei tocando uns Berber music, e que tocava aquele tipo de música marroquina, como a daquele disco do Brian Jones, o Joujuka, era realmente marroquina, era a Radio Medi1 de Tanger.

Só descobri o resto da história por causa da Internet. de fato, eles transmitem ao vivo regionais de música bêrbere. Muitas vezes, essas apresentações duram quase vinte minutos, e dão uma ideia do que é esse tipo de música. Achei a Med por acaso, no meio da interpretação, e aquilo não acabava nunca. de repente, alguém falava algo que eu não pude entender. e a música recomeçou. entediado, resolvi passar a estação e não achei mais a Med1.

Das nacionais, me acostumei com a rádio Aparecida que, aliás, não é a única religiosa. Já peguei uma gospel dos estados Unidos, mas não consegui descobrir de onde era ou esqueci. Peguei de noite, e o som era bom. Peguei outras religiosas, mas evangélicas. Por sinal, tanto no Oc quando no AM, é o que mais existe. Parece que, pelo fato de que muitas pentecostais ou arredores não permitam seus respectivos fiés verem TV, o meio principal de difusão delas é, justamente, o rádio.

Não tenho estatísticas quanto ao número de estações no Brasil que sejam hoje eminentemente religiosas. Mas, pelo alto, é possível dizer que são elas que ainda mantém de pé o rádio analógico enquanto fenômeno de massas e de ouvintes. Também cato quase sempre a Rádio Brasil Central até o começo da madrugada, e a Rádio Trans Mundial de manha

Das internacionais, peguei a Martí, para Cuba (de Miami especificamente, mas para a Ilha), a já citada Med1, Rádio Internacional da China mas em espanhol. depois pelas, 4 ela sumiu do dial.


Estações internacionais eu consigo pegar até que em qualquer parte do dia. Contudo, as brasileiras eu sei que, em geral, ficam no ar até lá pelas duas da manhã. Quando eu morava em Curitiba, pegava a Guaíba e a Gaúcha em OC. Porém, hoje, noto que as duas emissoras, depois do advento da Internet, meio que negligenciam essas transmissões. eles inclusive não mais anunciam a interrupção das transmissões em onda curta de madrugada. e quando algum ouvinte rádio-escuta pergunta, os apresentadores em geral não sabem o que responder.

A verdade é que a Internet mudou muito a prática tanto das rádio a respeito da OC, quando á imensa legião de ouvintes dessas faixas. Como acontece com os usuários de um Transglobe, como eu, eles são cada vez menores. É de se imaginar qual seja o perfil de um rádio-escuta de OC hoje, quando nem as próprias agências, jornais e outros meios de comunicação sequer utilizam os serviços mundias de muitas emissoras remanescentes que ainda fazem uso dessa tecnologia para difusão cultural e de radiojornalismo.

Como se sabe, foi uma época que cresceu muito com a Guerra fria e que, mais tarde, com o a queda do Muro e o advento da Internet, foi diminuindo de forma exponencial. Até mesmo rádios como a Guaíba que, desde o começo, sempre fez uso de boletins de estações como BBC, rádio Nederland, Voz da América, com o tempo, só mantinham essa prática por atavismo — até porque, por tradição, a antiga Caldas Júnior sempre deu um valor incomensurável à editoria de mundo, seja no impresso quanto na Guaíba.

Hoje, ao contrário, nem existem razões para manter esse tipo de tecnologia que só não posso chamar de obsoleta porque, depois de me achar tornando-me um rádio-escuta das antigas, muitas rádios ainda não só transmitem na faixa da OC quando algumas, que se fizeram nessa onda, como a Aparecida, produz conteúdo especial para ouvintes dessa faixa. O número de emissoras que faz uso continuo de OC ou Onda Tropical aqui no Brasil se pelo menos não é equiparável às de Am, pelo menos é expressivo o suficiente para que alguém possa dizer que a OC analógica ainda funciona — pelo menos enquanto a digitalização não fazer com que meu Transblobe vire peça de museu.







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