Wednesday, October 26, 2016

O Império Contra Ataca



Meme da época do Stop Online Piracy Act



Há pouco tempo, a a Warner Music Group firmou contrato com a SoundCloud, legalizando instantaneamente uma enorme quantidade de músicas postadas no serviço. Segundo a Forbes, o negócio foi na casa dos US$ 120 milhões só para comprar 5% da empresa, que vale hoje mais de US$ 1,2 bilhão. Ainda de acordo com a revista, essa é a ponta do iceberg do que ela chamou de revolução silenciosa da digitalização da indústria fonográfica.

Quem tem boa memória deve lembrar do acordo que a Universal fez com os sites de streaming, com vistas a franquear todo o catálogo dos Beatles. Junto com isso, veio uma espécie de salvaguarda de curadoria do conteúdo desses e de outros artistas, todos devidamente protegidos mediante contratos que prevém um considerável retorno para as respectivas gravadoras.

Desde o advento do mp3, os tubarões da indústria fonográfica ficaram a ver navios com o aparecimento de sites de download, como o Napster e seus desdobramentos, até o aparecimento de páginas de upload e compartilhamento, como o Rapidshare. Isso não faz muito tempo, porém, já é um capítulo da história da música dos anos 2000.

Ainda puxando pela memória dos leitores: muitos devem lembrar de quando apareceu o Rapidshare (ainda com o site baseado na Dinamarca). aquela tecnologia, que acenava já com os ares da Web 2.0, permitia que arquivos maiores fossem divididos entre usuários em comum — em sua maioria, baseados em redes sociais de caráter folksonômico*, como o Orkut, quanto em blogs — mais especialmente os respectivamente hospedados no Google/blogger. Foi a Era do download, o eldorado da cultura Mp3.

A isso, deu-se o crescimento do acesso a informação sobre artistas/discos/selos, através da Wikipédia — tentativamente uma forma de catalogar um tipo de informação que estava dispersa na Internet. Na mesma época, sairia o livro 1001 Albuns You Must Hear Before You Die. Ao êxito editorial da publicação, veio a classificação de uma lista de material a ser ouvido (agora, com a web, com possibilidades infinitas) também a (re) descoberta tanto de clássicos antigos quanto da 'auratização' de bom material que as próprias gravadoras, no afã de conciliar suas vendas com uma relativa atualização de seus catálogos.

A verdade é que, mesmo com o CD, a maioria dos selos não estava nem interessada e nem preparada para publicizar todo o seu respectivo catálogo. Muitos ainda se apegavam ao vinil por conta disso: muita coisa não seria digitalizada, pelo menos, a curto prazo. Com a avalanche do mp3, esse prazo foi jogado para as calendas gregas.

De certa forma, a frenética demanda de downloads liquidava com os lucros das gravadoras enquanto rapinava o catálogo mainstream. Contudo, o que boa parte dos internautas buscava era, com efeito, a cauda longa** desse processo, quer dizer, o que seria o mercado de nicho — todo o resto da música que nem a própria indústria conseguia resgatar dos seus arquivos.

A fórmula redes sociais (Orkut) mais Blogger foi uma época bem específica: de certa forma, começou com a popularização do Orkut, com a transformação do blog em páginas tematizadas de download, lá por 2005/6, e durou a polêmica do Stop Online Piracy Act***, casuísmo do Congresso americano, em defesa das empresas lesadas pelo processo, cujo corolário foi o fechamento das páginas de upload/download (Rapidshare e Megaupload), do Orkut, além do fechamento de milhares de blogs.

A verdade é que, se essa caça às bruxas deu algum resultado foi mostrar que, se as gravadoras não conseguiam combater esse fenômeno (o download), queriam pelo menos mostrar do que seriam capazes. A verdade é que até mesmo eles sabiam que é impossível conter de todo esse fluxo. E, afinal de contes, como se sabe, ainda é possível baixar música livremente pela Internet. Porém, ao invés de tentar caçar downloaders, as gravadoras resolveram dar o passo á frente. se não é possível vencer o inimigo, junte-se à eles.

Depois da tempestade, as gravadoras remanescentes — Warner, Universal e Sony, compram participações em sites como o Spotify e em satartups de vídeos. Em troca de um valioso acervo musical (que é mais barato e logisticamente digitalizar para streaming do que vender em Cds, aliás, desnecessário conceber algo diferente disso), elas obtêm participações irrisórias para, num segundo momento, se possível, comprar partes maiores com descontos substanciais para vender.

Ainda de acordo com a Forbes, essas 'três grandes' ganharam posições nesses startups na casa dos US$ 3 bilhões. A tendência é esse capital atingir a ionosfera quando o Spotify vingar prá valer: basta lembrar que os grandes artistas estão ainda em processo de migração para as páginas de streaming. é uma questão de tempo para que, em alguns anos, tudo, ou praticamente tudo possa ser encontrado nessas ferramentas virtuais. Ou seja, demorou, mas o Império contra atacou.

Quando isso acontecer, os grandes tubarões irão finalmente comemorar. A nova lógica do lucro digital, somado à tecnologia (agora aliada à facilidade do acesso aos arquivos de áudio, através de dispositivos móveis, algo impensado no começo da web 2.0, lá por 2006, quando menos gente tinha acesso ao digital e todos ainda dependiam de desktops para ouvir e baixar música, os selos deram o passo adiante e pegaram o internauta em cheio. Hoje, quase uma década depois, algo dinossáurico como o SOPA não faz sentido algum. O download em mp3 pode correr á solta, mas a promessa de lucro somada ao fato de que elas hoje detém o mesmo conteúdo porém disponibilizado de uma forma mais atraente para um usuário/comprador que considera o mp3 quase que como coisa do passado. e as páginas de uploads cada vez mais se reciclam, agora para os mais diversos usos.

E os artistas? A pergunta é: quem ganha nesse ínterim? Certo é que os artistas/compositores ganham pouco ou nada com esse movimento mercadológico com relação ao que acontecia antes da derrocada. Por trás da recusa de gente como Neil Young em proibir sua música no streaming, mais além do que ele alegara (má qualidade de áudio, o que, em parte, ele está soterradíssimo de razão), o problema reside no fato de que os artistas extraem um valor mínimo de royalties desses novos canais, e obtém pouco ou nenhum controle. Como disse John Oates, da dupla Halll & Oates: “Essa é a história do ramo musical”.



* Folksonomia é um termo conhecido em Informação na web, porém pouco difundido. Refere-se à taxonomização de metadados executado colaborativamente pelos usuários da Internet, através de ferramentas de buscas de sites.

** Recomendo o livro A Cauda Longa, de Chris Anderson, que fala sobre os fluxos e refluxos da economia virtual.

*** Lei norte-americana de 2012, que autorizaria o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e os detentores de direitos autorais a obter ordens judiciais contra sites que estejam facilitando ou infringindo os direitos de autor ou cometendo outros delitos e estejam fora da jurisdição estadunidense.

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