Wednesday, April 22, 2015

Orfeu no Refeitório



Encontrei uma doppelganger de uma antiga amiga no restaurante universitário na hora do almoço. Eu sentei e ela vinha do bufê. Olhei, a mesma altura, óculos, se sentou numa mesa mais à frente (não me viu e nem tinha como, eu estava no fundo, atrás de uma janela com sol nas costas). Olhei, era ela, mas não podia ser ela.

Sentou de costas para mim umas três ou quatro mesas adiante. Eu já tinha certeza que era ela. Mas fiquei pensando que não, porque ela não podia ter acesso ao refeitório porque não era vinculada. Mas eu não poderia ter certeza, porque não falo ou vejo ou sei nada dela há uns dois anos.

Pensei que não podia ser ela porque ela não podia estar ali, mas pensei que ela pode ter ido para ali de alguma forma nesse meio tempo, e afinal de contas, tudo pode acontecer nesse espaço de tempo.

Não quis me aproximar porque não nos damos mais e só iria piorar, mas ao mesmo tempo me censurei, achando tudo isso um truque da minha imaginação. Mas conservava os olhos nela, achando tudo muito parecido, todavia meu sexto sentido me dizia que era ela, sim.

Eu não conseguia resolver esse conflito, era ela e não era ela. Não podia ser ela. Pronto. Não era ela. Uma hora, uma outra moça foi falar com ela, achei que fosse sentar com ela (não lembro se sentou) contudo depois se foi, e ela ficou só de novo comendo.

Reparei que ela tinha um copo, e estava tomando água e sabia que a verdadeira não bebia durante as refeições. Isso fez com que eu começasse a pensar que eu estava ficando é louco, mesmo, um tarado com pensamentos obsessivos, e o meu lado que dizia que não era começou a ganhar terreno.

Não era ela, não era ela, e eu fazia o meu repasto com garfadas triunfais de arroz e feijão. Mas o cabelo, os brincos, a altura, eram dela demais, achava muito bizarro, porém aquele copo d'água não fazia o menor sentido. A não ser que ela (a verdadeira ou a doppelganger) de repente, por algum motivo que eu desconheça, resolveu, naquele dia, beber durante a refeição.

Terminei de almoçar e ela estava (olhei de relance, por alto) algo como tentando terminar o melão da sobremesa. Fiquei lá no fundo, com a bandeja vazia, olhando.

Ela demorava mais para devorar o melão do que o tempo que levou para almoçar. E eu com um ponto de exclamação no meio da cabeça e passando mal de ter comido daquele jeito, já sem fome desde a primeira ou segunda garfada.

Aqueles minutos levaram uma hora. De repente, ela se levantou, e foi levar a bandeja.

Eu fui atrás, bem devagar, mas já de volta ao planeta Terra a achando aquilo tudo muito absurdo, contido e tentando entender por que eu tinha tanta certeza que era ela (a partir dali, não vi com clareza mais o rosto), e estava suspenso, pensando que, se realmente fosse ela, aquele reencontro não poderia ser, não deveria acontecer. Como se a inexpugnável mão do deus Marte impedisse Diomedes de seguir além do fado.

Vendo-a de costas, parecia que o corpo não era o mesmo, mas a altura sim. E assim eu a segui (seguir?) até o lugar de deixar as bandejas. Ela deixou, virou-se e não olhou para trás. Eu estava pensando: "não é ela, se a interpelasse e não fosse, iria parecer um galanteio barato ("te conheço de algum lugar?"). Ou ser ela mesmo e, não, nós não poderíamos rever-nos.

Ela se dirigiu ao bebedouro e eu, com aquela lógica do "era não era, não é" já estava achando por certo não interpelar ela, quem quer que fosse.

Deixei a minha bandeja, estaquei, vi ela sumir de costas através da gigantesca fila do bufê e segui até as escadas vazias. sem olhar para trás. Até que, num ponto distante do povaréu, logrei esperar por um minuto - tempo que qualquer um levaria para sair do refeitório depois de largar a bandeja. Olhei para trás. Ela não passou.

Desci as escadas. Olhei mais uma vez para trás, e não era ela, mas ela não vinha. Esperei mais um pouco na calçada, ela não desceu. Àquela altura, eu já estava pensando em esquecer meu orgulho tolo e falar com ela, fosse quem fosse. Mas ela não voltou mais. Os deuses quiseram assim. Então eu fui embora.

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