Tuesday, October 12, 2010

Essas crianças....


Debret

Falando em Dia das Crianças, eu me lembrei hoje de uma história que a minha avó materna me contou (aliás, devota de Nossa Senhora Aparecida) há muito tempo, e que aconteceu no tempo em que ela vivia na Estância da Quinta, lá no Alegrete — isso há priscas eras...escutem.


Ela foi visitar uma amiga comum de sua irmã, em outra estância, a Tia Iaiá. Essa amiga foi com um menino de uns oito, nove anos, que era amiguinho do filho dessa senhora. Eles iam passar a tarde de sábado lá, num bucólico sarau vespertino lá...


Quando eles chegarm lá, a Tia Iaiá estava fazendo goiabada na enorme cozinha. Absorto na tarefa de sua mãe, o seu menino (uns nove anos, também) perguntou que paçoca era aquela que ela estava enlatando.

— Isso é veneno para ratos — disse a mãe — se você abrir, vai se intoxicar, moleque. Isso mata, hein? Nem chegue perto, senão tu vais ver o que é bom para a tosse.

Claro que ao dizer que o tal "produto" era perigoso, Tia Iaiá estava espertamente (à maneira dela) se precavendo de que o filho da puta do moleque mantesse distância e não comesse tudo. E guardou as latas na dispensa da cozinha — aquelas de armário embutido, onde cabem duas pessoas dentro, e com folga.

Imagina.

Então chegaram as visitas. enquanto as senhoras fofocavam na sala de estar trincando suas chávenas de chá, os dois garotos, entediados, resolveram abrir uma enciclopédia, que estava na estanta da sala. No livro, eles então acharam várias daquelas gravuras do Debret, o famoso pintor da Missão Francesa, que fez aqueles desenhos do Brasil do começo do Século XIX.

Mas a gravura que mais os impressionou foi a de um grupo de escravos que iam sendo tocados estrada afora, com os calcanhares presos por uma corrente. Ficaram bestas de tão maravilhados de ver aquele monte de gente andando com o pé direito amarrado um no outro, como se fossem animais, com um sujeito de chapéu, bigodões e botas descendo o chicote no lombo deles.

Foi quando o garoto da Tia Iaiá teve a brilhante idéia: e se eles pegassem um rolo de barbante e fizesse com os pintinhos do galinheiro a mesma coisa?

E lá foram os dois moleques. Pegaram dez deles, puxaram o barbante e foram amarrando a corda nos tornozelos dos pobres bichos. Quando o décimo ficou atado ao liame, eles pegaram a pequena tropa e puseram os coitadinhos para caminhar no meio do quintal.

Enquanto os pequenos animais iam tentando caminhar em marcha numa mesma direção, trôpegos e confusos, os dois moleques rolavam de rir da cena. Riam feito dois fedelhos desprezíveis sádicos ante àquela cena dantesca.

Mas algo estava por vir.

No meio das gargalhadas, enquanto os pintinhos tentavam chegar ao galinheiro, um gavião que, no alto de uma árvore do quintal assistia friamente a tudo, deu um rasante estilo Red Baron e agarrou o primeiro da fila. Alçou voo e, condoreiramente, deu meia volta, se postou no galho mais alto da árvore.

Então começou a devorá-los, um por um — ajudado, é claro, pelo barbante.

Perplexos, os dois garotos entraram em parafuso. Estavam metidos numa bela encrenca. O gavião dizimou a prole da galinha da Tia Iaiá. Agora quem ia sentir o amargo sabor do chicote eram aqueles dois fedelhos desprezíveis.

Passou-se uma hora. As impávidas senhoras coneçaram a estranhar: aqueles dois moleques do barulho estavam quietos demais. O que havia acontecido com eles?

Levantaram suas respectivas ancas gordas do canapé e saíram casa a fora atrás da dupla. Nada deles. Começaram então a buscá-los nos locais mais improváveis. Foi quando Tia Iaiá resolveu abrir a dispensa.

Abriu as portas e lá estavam nossos heróis, ao lado das duas latas de goiabada já quase no fim, de barriga para cima, com ar mareado...

— Mas que porra é essa? — quis saber a ilustre senhora.


— Foi quando seu filho, num último suspiro de vida, replicou:


— O gavião comeu todos os pintinhos e nós decidimos cometer suicídio. Desculpa, mamãe.

1 comment:

As três partes de mim said...

AAAAAAAAAAhhhhhhhhh!!!

Imagina a dona alí, lá antigamente falando:

QUE PORRA É ESSA?