Monday, October 11, 2010

A Violinista


Quartier Latin

A Cris é a mais linda flor do meu jardim. Ela é uma força da natureza: relampeja, sopra, chove, arde.

Alta, insinuante e tinha (tem) uma bunda linda. É recatada e discreta, mas sabe se insinuar. Detesta a solidão, mas vive cercada do seu clã dos Verdurin: ela é a minha musa proustiana, é o prólogo, o meio e o fim dos meus pobres devaneios. Linda, louca e inatingível. E superior a tudo e a todos. e desesperadamente linda.

Se irrita fácil, rejeita sem nenhum puder mas não gosta de se sentir rejeitada. Ela pode te esquecer por meses, mas ai de quem esquecer dela! Às vezes me dava um olhar. Eu via o tempo parar e vivia eternamente aquele momento fugaz.

Com seus quatorze anos ela parecia uma moça de vinte e quatro. Com vinte e quatro ela tem todas as galas de uma garota de vinte e oito; com trinta e um, ela vai ser a mulher mais linda do mundo, mas no entanto voltará a ter toda a pureza dos treze, na infinita pureza de um primeiro amor.

Ela é uma espécie de Ava Gardner da roça, mas já singrou seu Allstar branco pelo Quartier-Latin...

Não contei como isso aconteceu.

Ela era uma menina como todas as outras, misteriosa e perdida em si mesmo, e que não precisava ocupar a adolescência preocupada como eleitorado. Ela aprendeu música, gostava de dançar e aprendeu espanhol através de letras de tango. Foi uma surpresa para todos (eu, inclusive e tudo o que aconteceu depois, até hoje), quando ela resolveu aprender violino.

Ficava insuportáveis horas a fio decifrando os capricci do Paganini. Manejava o arco com a destreza de uma amazona – só Deus sabe como ela aprendera tanto em tão pouco tempo. Foi quando ela disse que queria ir à Paris para estudar num conservatório.

Todos tentaram convencê-la a desistir da idéia. Quanto mais insistiam, mais aquilo fermentava em sua pequena cabeça louquinha. Quando Cris bota uma idéia na cabeça, nem os deuses conseguem demovê-la. Ela é do tipo que faz as malas duas semanas antes de viajar. Eu achava graça naquilo, como se ela forçasse a Primavera a florescer mais cedo, por seu puro e simples capricho de desejar algo.

Custou tempo, mas ela conseguiu o dinheiro. Disse que ia se virar quando chegar lá (me esqueci de dizer que ela sabia francês, acho que aprendeu na Aliança ou no Julinho. Ou nos dois).

Então ela foi para Paris. Ficou quatro anos lá. Nesse meio tempo, quase não chegou a se comunicar conosco. De repente, sem qualquer aviso, ela voltou.

Ela chegou toda de preto, como uma George Sand e com um xale, também preto, por debaixo do pélago dos seus longos cabelos negros. Estava mudada, era uma mulher de verdade. Era a Ava Gardner mais linda que a Ava Gardner, porém com uma discreta indecifrável elegância. Também havia abandonado seus Allstar brancos. Trouxe também um menino.

- Este é meu filho, Enrico.

E, voltando-se para o menino, ela disse:

- Conheça a vovó e o vovô, Enrico.

Ele pôs os olhos gulosos nas órbitas dos velhos (coisa de criança), que choravam de alegria e perplexidade.

E deixando os três a só, foi rever o seu vetusto e pequeno quarto, nos fundos do corredor. Sem dizer palavra abriu as janelas e, espanou a poeira dos seus aposentos e entrou na vida. Aquela menina cheia de poesia não existe mais.




Violino. Aqui, ó!

No comments: