Saturday, August 08, 2020

Sobre listas


O Nildo,  dono deste blog, me desafiou para publicar no Facebook minhas influências musicais em capas de disco. Achei que seria mais interessante transformar o típico desafio de lá numa publicação daqui. Tentei lembrar do primeiro disco que eu vi na vida. Não lembro. Quando eu era menino, meus pais não tinham eletrola nem rádio. Minha primeira infância foi sem música.

Foram comprar um toca-discos bem depois de casados. Recordo de umas fitas compradas em loja que eles trouxerem do tempo de Estados Unidos. As fitas eu encontrei depois, eram de álbuns do Engelbert Humperdink, um In Concert da Joan Baez e dois do Glen Campbell (um era o The Last Time I Saw Her Face), que era uma paixão dos dois pelo cara. Sempre que eu ouço “Gentile on My Mind” ou “Whichita Lineman” eu lembro dessa época.

Depois eles compraram um 3 em 1 Philips e começaram uma coleção de discos. Isso era final dos anos 70. Uma vez, umas colegas de trabalho de minha mãe foram lá em casa. Uma delas tinha chegado com a coleção completa do Roberto Carlos. Fiquei impressionado como ela cuidava dos álbuns, a ponto de conservá-los dentro de capas de plástico.  Mas eu não ouvia discos nem nada, não guardo nenhum contato com o toca-disco no começo.

Meu pai tinha um gosto específico, com coisas da Bethânia, Clara Nunes, Erasmo Carlos, Glen Campbell. Minha mãe tinha umas coletâneas, uns discos de novela, Elis, Milton Nascimento e Julio Iglesias que eles ganhavam de presente de um parente que era fanático pelo cara. A coleção era meio lacunar, não ia para direção nenhuma, nem gosto específico. O hábito de escuta deles era o das pessoas “normais” em geral: eventualmente, com amigos, aos fins de semana.   

Uma vez, não sei por que, meu pai comprou um rádio-gravador CCE daqueles anos 80 com aqueles headphones enormes. Ele ouvia de noite na cama. Na mesma época ele pegou uma mania de radioamador. Comprou um equipamento de faixa do cidadão. Às vezes, ficava no escritório dos fundos da nossa casa (nós morávamos em Curitiba), conversando com dexistas. Foi uma época dele. Aquele escritório dele era bacana, tinha estantes de livros e uma mesa grande e uma máquina IBM daquelas preta. Minha avó, que morava conosco, achava graça quando meu pai estava fora e eu tomava o posto dele no escritório. Botava papel na máquina e ficava escrevendo sei lá o quê.  Mas eu não mexia no equipamento, achava aquilo uma besteira. Mas a máquina de escrever, eu me sentia uma pessoa melhor batendo à máquina (vá saber).

Acho que fugi do assunto. Voltando, na mesma época meu pai me deu um radinho de pilhas. E eu ouvia as AM da cidade na época. Lembro das músicas daquele tempo: “Reluz”, com o Marcos Sabino, “Na Hora da Raiva”, com a Wanderléa (“você faz de mim o que bem quer”), “Leão Ferido”, com o Biafra, e “Time”, com o Alan Parsons. Isso é o começo, é minha primeira experiência como ouvinte. Esse era o tipo de som que tocava no rádio AM. Meu radinho não tinha FM. Depois meu pai encheu o saco do CCE e eu passei a escutar música no rádio-gravador. Sempre que eu escuto essas músicas eu retorno aos tempos do meu radinho azul.

Mas mesmo assim eu não ouvia FM, preferia fazer escuta de rádios de fora, pela madrugada. Pegava as emissoras daqui, a Gaúcha (na época do Júlio Rosemberg) e a Guaíba (saía do ar a uma da manhã e voltava às cinco). Como a Gaúcha tinha uma potência enorme, dava para curtir a madrugada toda. E, como o programa do Júlio era musical, eu recordo do que ele tocava, muito Roberto Carlos. Lembro que, nessa época, estourou o “Me Dê Motivo”, do Tim Maia. Foi um baita sucesso, tocava todo dia no programa.

Os sucessos do rádio eram daquele tipo, não tinha rock. Meu pai tinha um amigo no bairro onde nós morávamos. Ele era de Lagoa Vermelha e tinha uma coleção enorme de discos. Comparada com a nossa, aquilo era fora do comum, era uma parede de discos. Mas o acervo era praticamente de música nativista. Era a época do começo do auge dos festivais da canção. A gente ia na casa dele e era só o que se ouvia. Música de Califórnia, Cenair Maicá, essas coisas. Eu ouvia por tabela. Mas eu não tinha um gosto musical específico a respeito de nada. Eu apenas escutava o que tocava. Mas não achava nada de nativismo. O amigo de meu pai tinha os discos do Kleiton e Kledir, e gravou-os em fita para nós. 

Naquela época, além de escutar música em AM, eu ouvia muita coisa no toca-fita do carro. Dessas viagens, eu recordo muito das fitas da Clara Nunes do meu pai e esses Kleiton e Kledir. Acho que foram meus primeiros ídolos, tanto que eu até vi eles no Teatro Guaíba, na turnê daquele disco que tem “Corpo e Alma”. “Deu prá Ti” foi o tema que a gente ouvia no carro na época que migramos de Curitiba para Porto Alegre, lá por 83, 84 

Meu primeiro disco pode ter sido a trilha do Plunct, Plact Zuum!, aquele especial infantil da Globo. Eu pedi de presente por causa do “Carimbador Maluco”, mas eu não sabia bem quem era o Raul Seixas. Lembro que eu detestava aquela canção da Bethânia no disco, achava que quebrava totalmente o clima. Mas nessa época não tinha rock ainda. Isso começou, se não me engano, quando eu voltava de carro do colégio e tocou “Pro Dia Nascer Feliz”. A gente foi pego literalmente de calças curtas. Antes, porém, teve a Blitz.

É certo que a Blitz foi o divisor de águas. A gente curtia eles como se fossem nossos irmãos mais velhos. Mas era difícil de grana para comprar um disco. Um amigo de rua tinha o álbum deles, com aquela faixa riscada. Por causa da Blitz, eu pedi a trilha da novela Sol de Verão. Eu ouvia o disco só por causa dela e, é claro, de “Tempos Modernos”, do Lulu Santos (gostava também de “Muito Estranho”, com o Dalto). Eu já tinha esses discos e eles já me diziam alguma coisa. Depois, no fim da época de Curitiba, a incontornável febre do Ritchie. Tive o compacto, com “Baby, Meu Bem” e, depois, o Voo de Coração. Eu esperei aquele disco no natal como se fosse ao próprio Natal.  

Mas, enfim, olhando para trás, pode-se ver que foi quando apareceu uma música para a gente ouvir, falando para a gente. Aquela MPB maneirista (isso sou eu falando agora sobre o passado) do final dos anos 70 não dizia nada para nós. A Blitz, o Lulu e o Ritchie, sim.  E foi essa época que surgiram aqueles artistas que entraram de sinuelo no caminho da Blitz: Magazine, Sempre Livre, Herva Doce, Guto Graça Mello, Absyntho, Grafite, veio tudo ao mesmo tempo. “Mamma Maria” é bem aquela época, lembro do verão de 83 em Caiobá ou Guaratuba.

E teve por ali uma progressiva massificação do pop internacional pra mim. Lembro do “I Don’t Wanna Dance” (Eddy Grant) e “Reggae Nights” (Jimmy Cliff) que tocaram muito no rádio desse tempo, essas foram hits de verão, temas de novela e com direito a clipe no Fantástico – que era, nos anos 80, o lugar dos lançamentos de música. E o Thriller, do Michael Jackson. Acho que esse disco foi o momento em que o pop internacional veio para ficar. Já estava por aí; mas, com o Thriller (e, depois, com o BRock), as FM pararam com aquela programação MPB final dos 70 e entraram nos anos 80.

Mas tudo isso aconteceu para mim antes de um contato maior com o FM e o rock brasileiro. O rock ia acontecer do meio para o fim de 84. Nessa fase, eu vim para Porto Alegre. Por uns dois anos, o toca-discos ficou num guarda-móveis e eu vivi ainda de rádio AM. Eu só fui entrar nessa onda quando eu ganhei meu primeiro walkman, lá por 87. Foi a partir daí que eu comecei a escutar FM de segmento jovem, como a Universal, a Atlântida e a Ipanema, rádios que hoje não existem mais. 

Ou seja, fazendo um rescaldo, posso dizer que meu primeiro contato com música foi menos pelo disco e mais pelo rádio. Só poderia falar numa fase de colecionador de discos, ouvindo FM e lendo revistas do gênero, ou seja, como ouvinte mais “reflexivo” sobre o ato de escutar e passar enfim a delimitar minha identidade musical a partir do gosto muito depois desses começos. Mesmo se fosse falar dos primeiros discos, foram um ensaio disso. Não sei o que eu pensava a respeito daquilo que eu ouvia, qual era a minha fruição daquilo que eu ouvia comparado com hoje? 

Mesmo pensando em retrospectiva a respeito de que eu via na Blitz o despertar de uma música da minha geração, essa conclusão eu só fui ter bem depois. No começo, tudo era muito inconsciente e muito aleatório, indireto. Então, acho que essas influências não poderiam ser explicadas por discos. E mesmo que eu tentasse, ela seria a partir de discos ou artistas que me tocaram mas não me conduziram; e o que eu passei a ouvir depois não teve parte com essa influência. Ou seja, foi uma influência que influenciou e não influenciou. Só no fim da minha adolescência é que seria possível dizer que fui estabelecer uma identidade calcada num gosto específico, numa ou outra banda de rock. Mas aí a coisa seria tão consciente que não sei se poderia chamar de influência. A influência, de fato, eu creio que foi crepuscular; o resto veio depois do despertar.

Por exemplo, o primeiro disco de rock que eu consciente fui numa loja e comprei sozinho foi o Alchemy, do Dire Straits. Mas existe um interlúdio antes disso e que fica para uma outra vez.      

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