Monday, January 13, 2020

O Filho Maldito



Promo do filme Let It Be


O filme Let it Be tem umas nuances quando eu o revejo anos depois da primeira vez, a primeira vez foi em VHS pirata como quase tudo em vídeo dos Beatles nos anos 80. O John Lennon falou numa entrevista que o Phil Spector fez um grande serviço (isso ele falou numa época em que ele estava de boas com o Phil) em salvar o projeto do Let It Be/Get Back. Salvar porque eles estavam sob um contrato para um último filme para a United Artists. Imagino que em condições normais de temperatura e pressão, esse disco seria eternamente um bootleg, como virou lenda como bootleg, principalmente porque fãs descobriram um outro disco diferente do que foi embalsamado por Spector no álbum Let It Be. A despeito da opinião dos fãs, e do Paul, o disco saiu daquela maneira porque ele deveria sair daquela maneira. Paul reclamou de que a música dele foi alterada, mas é uma coisa curiosa: os artistas do rock sempre lutaram por autonomia no estúdio e aquilo era uma coisa que estava sendo imposta de fora. Mas a verdade é que você precisava apresentar um produto apresentável e rentável para quem bota o disco e o filme na praça.

O filme naturalmente é um documentário que, por sinal, se transformou num dos primeiros  discos piratas dos Beatles, o In a Play Anyway. Ou seja, os fãs preferiam aquele espírito de improviso, que era de fato o espírito do filme quando foi concebido, de mostrar os Beatles em estúdio como se nós fôssemos um voyeur de todo o processo. O problema é que, se você naturalmente pode imaginar como é o cotidiano de uma banda criando, deve imaginar que isso não é uma experiência interessante. Muito tempo perdido, brigas e tudo o mais. Porém no caso dos Beatles, isso estava sendo filmado, como um Big Brother avant le lettre. Aquela briga do George (que nenhum membro da banda aparentemente se interpôs para tirá-lo) virou algo marcante, com essa imagem de “os Beatles se dissolvem ao vivo e a cores”. Mas eu imagino que todo mundo, todas as bandas em geral, nesse processo de  pré-produção briga. Contudo, isso não fica documentado em latas como foi o caso dos Beatles. 

Let It Be é interessante como documentário: mostra os quatro apresentando as novas canções e começando a moldá-las. Bandas como os Beatles devem ter brigado muito em estúdio, então não entraria muito nessa seara. Os Stones acabaram em 1986 e só não acabaram de fato porque a roda da fortuna não pode parar de girar e porque o Ian Stewart morreu. Acho que o Ian salvou os Stones morrendo. Ou seja, o papel deles na banda é muito maior do que se imagina. Havia guerra de beleza, conflito de egos, grana envolvida, o fato deles (os Beatles e os Stones) estarem metidos nos negócios, uma coisa que não existia quando do começo eles. É aquela coisa: ou você é um músico, ou é um produtor, quando a produção ultrapassa esse limite, a coisa pode acabar mal, que o diga o Brian Wilson. Quem tinha que controlar os egos no estúdio, George Martin, tinha entrado de férias dos Beatles há meses. É claro que sem essa figura do empresário e do produtor, os músicos vão brigar como irmãos.  

Let it Be é um filho maldito. Quem trabalhou nesse projeto criticou o processo todo, como o Glyn Johns que depois foi criticado pelos fãs dos Beatles. Só que, ao contrário deles, ele viveu aquilo, e os Beatles viveram aquilo, eles investiram capital e músicas naquilo, então aquelFrankenstein tinha que ser apresentado ao público. Ao mesmo tempo em que  eles repudiavam o filho, sabiam que tinham que dar vida à eles. Isso explica a quantidade de tentativas de lançá-lo em 1969. 

O disco saiu, como eu disse lá em cima, porque eles precisavam da grana. Foi um filho, porém que nasceu como um sonho: o George havia conhecido a The Band e todos no meio da música achavam que o grande barato era largar o overdubbings voltar a fazer música como na época do Elvis, ensaiando na garagem, criando juntos, regravando clássicos do rock dos tempos da juventude.  Só que, no caso dos Beatles, havia uma série de problemas, o principal deles era que eles não eram mais aquela banda de antes, eram empresários fazendo musica, misturando música com negócios, música com a vida pessoal, música com o desejo pessoal deles como músicos. Então o sonho virou um pesadelo, e o filho sonhado virou um filho maldito.

O Paul é criticado pelo John Lennon porque para ele o fime é o Let it Paul, e que o Paul era o Engelbert Humperdink tocando música de elevador (é uma discussão divertida se formos pensar hoje, depois eles fizeram as pazes. Enfim, tudo foi feito por amor, como tudo deveria serfeito), com The Long and Winding Road. Mas, enfim, quando ele falou essas coisas, ele era uma metralhadora cheia de mágoas. O John foi um grande crítico da obra dos Beatles; mas isso não tem nada a ver com a crítica e o público, que vai ter uma idéia diversa de suas canções. Mas a impressão que eu sempre tive, e continuo tendo, é a que o Paul, mesmo naquela situação extrema (ter que produzir e viver um drama recíproco), era um agente aglutinador. Ele era o chato porém dono da bola. Você tinha que achá-lo um chato, mas ele manteve a banda, de certa forma, interligada num objetivo, naquele momento. E o que fez está feito. O filme saiu, o disco, o filho maldito (que eu acho que injustamente) também e nós temos a história de uma banda sensacional, cujo filme e o disco Let It Be completam,  esse ano, 50 anos. É incrível, ao rever ao filme, perceber como eles puderam, mesmo no meio do maior turbilhão da vida deles, mostrar toda a sua excelência como compositores e intérpretes


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