Chegou às telas esse mês o esperado documentário Túlio Piva – Pandeiro de Prata (Brasil, 2018, 55 min). O documentário, assinado por Marco Martins e loli Menezes vem à luz quase quatro anos depois do tempo estipulado, que era em ocasião do centenário do sambista porto-alegrense (porém nascido em Santiago).
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Autor de clássicos como “Tem que ter mulata” e “Gente da noite”, Túlio vinha à capital apresentar-se como músico. Farmacêutico de origem, acabou aditando o burgo açoriano e sua boemia noturna depois de chamar a atenção de Paulo Diniz, radialista que lhe colocou como violonista no conjunto de Norberto Baudeuf. Muitos anos antes de chegar à Porto Alegre, em 1955, ele começou a compor. No começo, como seria natural, escrevia canções em tempo do tango.
Importante lembrar que o ritmo portenho era uma coqueluche em todo o estado, devido tanto pela facilidade com que as rádios argentinas eram ouvidas por aqui quanto pelo fato de que, antes da aviação comercial, as trocas culturais e comerciais entre Porto Alegre e Buenos Aires eram maiores do que com outras metrópoles do Brasil. Porém, quando Piva descobriu Noel Rosa, descobriu que podia fazer música com pandeiro e tamborim.
Muita gente que vinha tocar aqui, acabou levando
seus sambas para Rio de janeiro ou São Paulo, este um dos notórios redutor da
música de Túlio. E sua música ganhou uma dimensão inesperada. Porém, diferente
do seu contemporâneo Lupicínio Rodrigues, Piva era um militante de sua
produção: guardava originais, anotações, buscava espaço para suas canções, e
chegou ao disco várias vezes, e como intérprete de sua própria criação, (embora
alguns discos tenham sempre releturas de clássicos).
Aliás, a produção fonográfica, apesar de pequena, é
excelente e irretocável, ou quase: faltaram apenas aqueles sambas que ele não
gravou, numa produção que chegou a quinhentos sambas ou mais, com clássicos como
“Janela dos olhos”, “Se eu errei”, “Quando
chega a solidão”. Seus sambas, sempre lembrando seu colega Lupi, são bem
característicos se compararmos como sambas-canção do autor de “Vingança”. Túlio
foi lá e venceu. Levou o primeiro lugar no II Festival Sul-Brasileiro da
Canção Popular com “Pandeiro de Prata”. Porém, na etapa nacional, pela TV
Excelsior, foi desclassificado.Quem levou o troféu foi Taiguara com “Modinha”,
de Sérgio Bittencourt. Muitos dizem que derrota teve cheiro de maracutaia. E a
vitória de Bittencourt também).
Nos anos 1970 ele retorna ao disco, primeiro com um
delicioso álbum, Túlio Piva, gravado pela Continental, em 1975. O momento era
propício: o produto vinil estava vendendo como nunca no Brasil, depois da Crise de 1973,
e muitos outros sambistas também chegaram ao disco, como Nelson Cavaquinho, Cartola
e Clementina de Jesus.
Sobre sua lírica, comparações bem à parte, embora
esta seja incontornável em termos de samba daqui: acho que enquanto Lupi é um
cara lunar, existe algo de solar em Piva – no sentido que, se há tristeza na
alma do poeta, Túlio diz sempre haverá um outro dia. São sempre “prá cima”. São
sempre alegres, bem diferentes do universo soturno do autor de “Foi assim”. Madalena pecou? É samba. “Coração/ não veste
luto/ quanto mais bate/ mais sabe que morre/minuto a minuto”.
E Túlio tem uma coisa que lhe é bem característica:
seus sambas têm uma levada mais de partido alto que a forma do samba-canção. E
não quer ser uma profunda digressão sobre a vida, como um Cartola. É sobre o
momento de agora, é breve, quer que o ouvinte o decore em duas ou três
audições, como uma marchinha ou aqueles sambas antigos, do tempo de Sinhô e
Heitor dos Prazeres. Tem algo de direto, não quer ser rebuscado. Quer que você
saia cantando. Mas não deixa de ser sempre poético, como em “Velhos Amores” “e
o passado é perfume/ perfumando o presente/ que cheiro de saudade dentro do peito
da gente”.
Piva teve um bar que marcou época na região da Santana/Azenha,
o Gente a Noite. O estabelecimento faz
sucesso nos anos 1970, sempre com muita gente tentando entrar no bar lotado. Por
sinal, quem não lembra do programa, de mesmo nome, apresentado pelo Tatata
Pimentel, nos anos 2000? Tatata, que era uma espécie de amálgama de Odete de
Crècy e Truman Capote (que morreu sem escrever o seu A Sangue Frio) do bairro
Santana, era um dos diversos freqüentadores: afinal, ele morava a duas quadras
dali, na Olavo Bilac...
Eu lembro do Túlio como gente do dia, já
com as chuteiras da sua boemia bem-comportada plenamente dependuradas, morando
na esquina da Duque de Caxias com a Bento Martins (do lado da antiga ferragem
do seu Ivo, que depois mudou mais para cima da Duque), onde sua esposa tinha um
salão de beleza onde minha mãe sempre ia.
Mas, naquele tempo, começo dos anos 1990, o marasmo cultural parecia que
estava cada vez mais transformando o samba da capital num difícil exercício de
resistência. Tanto que soube muita coisa que é notória a seu respeito só
descobri com o documentário.
Sobre na produção de Pandeiro de Prata, os diretores
Marco Martins e Loli Menezes explicaram que dificuldades financeiras provocaram
o delay na realização do filme, que pode sair apenas no ano passado.
Dificuldades iam desde impossibilidade de pesquisa de campo fora de Porto
Alegre como falta de dinheiro para material iconográfico para o documentário.
Tanto que ele só pôde ser concluído graças a um crowdfunding feito através da Catarse.
Pandeiro de Prata ficou em cartaz entre 9 e 15 de
janeiro desse mês, na Casa de Cultura Mário de Cultura. A confirmar uma nova
temporada pelos cinemas da capital.
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