Tuesday, February 12, 2019

A Revolução começou pelo rádio



Os Beatles na estreia nos Estados Unidos em 64


Há 55 anos os Beatles apresentaram-se no Ed Sullivan Show para mais de 73 milhões de americanos e mudaram a história da música popular. Muito se fala sobre a importância desta apresentação. Contudo parafraseando Gil Scott Heron, a revolução não começou por assim dizer pela televisão.

Num saboroso artigo para a Huffingpost, Martin Lewis defende que o primeiro responsável pela explosão da Beatlemania na América foi Walter Cronkite. A história por trás de I Want to Hold Your Hand é mais do que conhecida, mas ele destaca o empenho de Brian Epstein a forma como o acaso acabou viralizando os Beatles na rede CBS e mais do que isso destaca o papel de um disk-jockey de Washington e uma ouvinte atenta e curiosa.

Em meados de 63, Epstein conseguira de Ed Sullivan espaço no programa para 64. O apresentador não entendia naturalmente muito de rock. Porém farejava qualquer excentricidade que pudessem animar as noites amenas de domingo da CBS em seu show que existia desde o fim dos anos 40, de feirinhas cantantes e stand ups até ursos amestrados.

Com a promessa da apresentação nas mãos, Epstein "chantageou" os executivos da Capitol subsidiária da EMI nos Estados Unidos a lançar um single da banda. A promessa foi o primeiro catálogo de janeiro. Nesse meio tempo o quarteto lança em 22 de novembro I Want to Hold Your Hand na Inglaterra.

Um mês antes de volta à Inglaterra, Epstein tenta convencer o editor da sucursal da CBS de lá a fazer um mini-documentário sobre seus meninos. O filme é produzido e mandado para Nova Iorque. A matéria sai na manhã do assassinato de John Kennedy. Com a trágica efeméride, a tal reportagem naturalmente não é mais reprisada e vai para a gaveta.

Quando a poeira baixou, dia 10 de dezembro, Cronkite põe o vídeo no ar. Segundo Martin Lewis esse foi o momento em que a América conheceu de fato os Beatles.

No dia seguinte, uma ouvinte da WWDC de Washington Marsha Albert escreveu uma carta para o DJ Carroll James, perguntando: "por que não podemos ter esse tipo de música aqui?" Intrigado, Carroll consultou a direção da emissora. E se a gente arranjasse o disco?

Decidiram então contrabandear o compacto dos Beatles através de um comissário de bordo da BOAC. Dois dias depois, com o compacto em mãos o deejay convidou Marsha para, ela mesma, lançar no éter como se dizia na época a canção, em seu programa de fim de tarde.

A reação dos ouvintes foi avassaladora e de tal monta que o disco precisou ser reproduzido inúmeras vezes. No outro dia, choveram pedidos de um single que sequer havia saído nos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, os executivos da Capitol souberam do insperado e assustador vazamento de I Want to Hold Your Hand provocado pela WWDC. Procuraram o departamento jurídico a fim de ameaçar a emissora. Contudo, logo perceberam o erro de cálculo de tal operação: afinal de contas, tudo o que uma gravadora quer é que os seus discos viralizem na programação das rádios, não é isso?

Tiveram logo outra ideia: já que não é possível vencê-los, o jeito é unir-se à eles. Com a data marcada do lançamento para o dia 13 de janeiro de 1964, a subsidiária ianque da EMI prensou promocionais da música e distribuiu por todo o país principalmente nas rádios de Nova Iorque e arredores. Por coincidência, observa Martin Lewis, bem numa época em que os jovens estão de férias e .... ouvindo rádios com seus pequenos receptores com a novidade do transistor.

Em posse do contrato com Sullivan, Brian Epstein havia pedido 40 mil dólares para uma campanha de divulgação algo até então impensável em termos de cifras para os Beatles. Porém, em pouco menos de um mês de exposição, I Want to Hold Your Hand já havia sido mais do que trabalhada nas emissoras da América, e de forma espontânea. Pela demanda, a Capitol vislumbrava vendas na base de 1 milhão de unidades ou mais - também algo até então impensável em termos de cifras para os Beatles, que era ainda uma banda que mal tinha dinheiro para comprar seus instrumentos, fazia turnê de Kombi e não sabia o que era um PA.

Dia 16 de janeiro de 64, três dias depois do lançamento, a Cashbox anunciava que I Want to Hold Your Hand havia subido de  #43 para o #1. Deste dia até a chegada dos Beatles no 7 de fevereiro a publicidade indireta correu solta pela imprensa.

Ou seja, se antes havia a modesta previsão de um tiro na lua algo que precisasse sustentar  o lançamento de um artista remoto num terreno tão árido e exigente como os Estados Unidos, de Cronkite passando pela WWDC, a música viralizou de forma espontânea e avassaladora; isso num tempo onde não existia internet - e numa época em que muitas vezes você ouvia um cantor no rádio por anos sem jamais sequer saber a sua cara - como diz Lewis em sua teoria: se a histórica transmissão do dia 9 vendeu os Beatles para 73 milhões o começo havia se dado bem antes. Ou seja, se houve uma revolução, ela não começou pela tevê: ela começou pelo rádio.





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