Tuesday, July 25, 2017

Memórias de um Analógico



Matéria da Nexo de 2016 diz: A última geração que viveu o mundo completamente analógico — e portanto pode comparar a espera off-line e a on-line —, não terá mais representantes em cerca de 40 ou 50 anos.

Fiquei pensando: o tempo passou e nem parece que passou tanto tempo. A gente era da geração Almanaque Abril e tinha que fazer pesquisa para o colégio na Biblioteca.

Isso quer dizer que, daqui a uns 40 anos, a gente vai ser uma geração que pisou no barro do analógico. E pensar que já existe gente que não pode imaginar como era a vida há pouco mais de três décadas atrás.

Passando para o lado da música. Hoje você ouve todos os discos do Hendrix no Spotify. Naquele tempo, você poderia passar toda a vida sem ouvir um único e escasso disco dele. De repente, poderia ver cenas da apresentação dele em Woodstock e aquilo ser a única lembrança "visual" do Jimi. Ou quem sabe, aquela revista de rock poderia resolver (sabe-se lá por que) publicar uma matéria sobre o Hendrix. E a gente recortava a matéria e guardava como se fosse hoje uma página da Wikipedia em PDF.

Meu choque foi descobrir da forma mais bizarra que toda a minha coleção de discos - que eu levei pelo menos uns bons vinte anos juntando em sebos por aí, se eu tivesse inventariado todos, eu poderia ter tudo aquilo em formato digital. Talvez aquilo coubesse em pouco espaço.

O curioso é que, olhando em retrospectiva, a gente percebe que não dá para se gabar dos "velhos tempos". A verdade é que, há trinta, quarenta anos atrás, tudo era mais difícil. Se você souber utilizar a Internet a seu favor, você pode ter a oportunidade de ter muito mais conhecimento em menos tempo. Tudo depende de como você utiliza ele, o seu tempo.

Hoje existem os saudosos do "velho vinil". Já devo ter comentado isso aqui antes. A verdade é que isso é uma grande bobagem. A verdade é que a gente penava para catar música. Hoje o que atrapalha é o link expirado do rapidshare. Naquele tempo, era o disco que não existia e o dinheiro que não pagava o vinil que tinha fila para comprar.

Lembro que lá por 1990 ou 1991, apareceu nas lojas de disco daqui esse álbum, intitulado Rock the Beat Boom (1962-1967). O disco é uma seleção mcom Trashmen, Swinging Blue Jeans, Gerry And the Pacemakers, Hollies, Paramounts e Dave Clark Five (é basicamente material da British Invasion, como se pode ver).

O curioso é que o disco não tem nenhuma informação sobre sua origem, e eu nunca soube e nem perguntei. O fato é que todas as gravações são originais. Naquele tempo, muito antes da Internet, esse material era muito raro e era inacreditável encontrar isso despejado nas lojas de discos.

Acontece que, mesmo depois do CD, a maioria das gravadoras não se interessava com catálogo velho. Ainda mais tratando-se de artistas estrangeiros. No máximo, lançavam alguma coletânea, mas só com artistas que realmente haviam feito bastante sucesso no Brasil, como Beatles, Johnny Rivers, Rita Pavone, etc.

Se você quisesse um disco dos Swinging Blue Jeans, eu sabia que um álbum deles havia sido lançado nos anos 60. Porém, como era de se esperar, ele não foi relançado novamente. Quem tem ele, possui uma raridade. Raridade em termos: naquele tempo, um disco desse era raro. Hoje, toda a discografia da banda - um conjunto de Liverpool — está na Internet.


Prá se ter uma ideia do repertório do disco Beat Boom: há o primeiro compacto dos Hollies, com Stay, o grande nº1 do Dave Clark, Glad All Over, Hippy Hippy Shake com os Swingin' Blue Jeans e três faixas da trilha do filme Ferry Cross the Mersey. Todas essas canções estavam fora de catálogo há mais de vinte anos.

Me recordo que ele ainda era encontrado em em balaios de lojões como o Palácio Musical, até sumir de vista e virar ítem de colecionador. Ou não, já que, na verdade, não passa de um disco ordinário - ainda mais hoje. Porém, na época, era a única forma de ter acesso a esse tipo de material.

Para se ter uma ideia: discos do Dave Clark Five eram lenda urbana. Até mesmo na época do CD, porque o Dave, que é o dono dos fonogramas da banda, relutou por décadas em relançar o material - que, oficialmente, não saiu completo, apenas em coletâneas, primeiro só em mono, depois em estéreo. O que não quer dizer que, nesse meio tempo, como aconteceu com tantos discos de vinil,. acabaram sendo ripados em formato digital pela web por aí.

Isso é o que era ser analógico: ter um disco deses, para ter acesso a um material inacessível e que hoje qualquer um acha na Internet. Hoje você conhece uma banda, ouve uma música na segunda, baixa um disco na terça, a discografia na quarta e vira ã roxo desde criancinha no sábado.

Pelo menos disso a gente não vai ter saudade: de ser analógico.


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