Sunday, March 27, 2016

Uma Biografia Gaúcha


Capa do livro

Confesso que quando peguei o Elis — Uma Biografia Musical (Arthur de Faria, Editora Arquipélago), esperava por outra coisa. Estava melindrado por essa seara de publicações focadas na carreira fonográfica de músicos, como o livro de Mark Lewisohn sobre os Beatles (que não saiu no Brasil) e o do Ernst Jorgesen sobre o Elvis Presley (Vida na Música), ambos voltados para a produção de seus respectivos discos.

Já na metade da obra, entendi que trata-se, sim, da biografia de Elis Regina, contudo passada a limpo na ótica de um músico e, naturalmente, com a sensibilidade de enxergar a excelência sem precedentes da carreira daquela que é considerada a maior cantora brasileira de todos os tempos. Como se sabe, nem todo biógrafo de um músico precisa ser músico também. Porém, em certos casos, isso pode interferir justamente nessa mesma visão. Um exemplo crasso é a recente biografia de Anthony Summers do Frank Sinatra que, por sua vez, fala de tudo, menos de música.

A questão é que Elis — Uma Biografia Musical foge deliberadamente à delimitação do tema imposto pelo título. Em primeiro lugar, não esmiúça a carreira fonográfica da cantora porto-alegrense disco a disco. Aliás, sequer traz a discografia como anexo no fim do volume. Ao contrário, a obra é mais uma biografia de Elis.

A diferença é que ela tem, além da ótica do autor-músico, uma visão regional do mito, porém disposto a pôr em pratos limpos a própria visão do 'centralismo cultural' dos trabalhos anteriores dedicados à cantora. Mas, se isso pode parecer um (de) limitador, ao mesmo tempo, é a virtude do livro.

É, pois, de certo modo, um grande e substancial aparte como subsídio à bibliografia de Elis Regina - acrescido à sensibilidade do músico-autor, que é capaz de enxergar o lado, aí sim, musical da artista, porém diluído no corpo do texto, e não esquematizado ou limitado "discograficamente", como nos supracitados livros dedicados à Elvis e aos Beatles, por exemplo.

O problema da delimitação do tema de Elis — Uma Biografia Musical é que, sendo impossível separar a música da artista, sob pena de transformar o livro em mero artigo de referência, um problema editorial talvez, a solução é ser um complemento ao que já foi dito e escrito. Nesse quesito, a obra naturalmente funciona como uma grande reportagem, e aí sim, ela se resolve como biografia - acessível principalmente para quem nunca leu nada sobre ela. E vai saber, por exemplo, que seu primeiro disco pela Philips, após o êxito de "Arrastão", segundo Zuza Homem de Mello, a interpretação que definiu o estilo de música de festival é, na verdade, o quinto álbum da cantora.

Mais: vai saber que Elis tinha ouvido absoluto, mesmo que não tivesse nenhum fundamento musical. E que Elis, ao contrário de muitas outras cantoras, era contra overdubs. Ou seja, todos os seus discos foram praticamente gravados ao vivo, tomada a tomada.

Vale a pena o registro pois, além da grande intérprete que Elis foi, sua carreira discográfica, subtraídos algumas derrapagens causadas pelo próprio mercado e obrigações contratuais, é irretocável e canônica. Mais do que isso, e Elis — Uma Biografia Musical demonstra isso, Elis tinha plena noção conceitual de seus álbuns, principalmente nos anos 70. Seria impossível pensar o que os anos 70 foram culturalmente sem a obra de Elis. Nessa necessária contextualização, a parte mais "biográfica" histórico-contextual do livro dialoga perfeitamente com a parte musical. Por exemplo, seria impossível tratar de seus discos sem levar em conta a sensibilidade de Elis em sua notória capacidade de descobrir novos compositores, desde "Canção do Sal" de Mílton Nascimento, no álbum de 66 até o desvelo em ouvir as demos de um novato chamado Vítor Ramil. Mas isso fica para a leitura de Elis — Uma Biografia Musical,

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