Wednesday, March 09, 2016

O Prometeu do Pop


Os Beatles e Martin, na época do Pepper's e o famoso relógio de "A Day in The Life"


George Martin foi uma espécie de Prometeu da música, deu o fogo aos quatro Beatles e revolucionou a forma de se fazer pop.

O curioso é que, quando ele foi comissionado para trabalhar com o grupo, ele era um produtor de música clássica, sem qualquer experiência com música popular. Ou seja, tudo concorria para que esse conúbio desse errado. Porém, com certeza, o então produtor da Parlophone, subsidiária da EMI inglesa, queria formar um catálogo de artistas jovens e, de certa forma, conquistar um novo espaço no mercado.

Os Beatles foram o produto mais bem acabado desse trabalho. Quando eles apareceram, haviam sido rejeitados por vários outros selos, inclusive pela própria Columbia (também da EMI, cujo produtor, Norrie Paramor, que produzia Helen Shapiro e Cliff Richard, não se interessou pelo intrépido quarteto de Liverpool) Com engenho e arte, faz uma catarse na banda. Em pouco tempo, eles desabrochariam como músicos de tal forma que, olhando em retrospecto, seria impossível pensar no trabalho do conjunto sem Martin.

Um desafio para um jovem produtor formado em música erudita ter a capacidade de descer do pódio e dialogar com um bando de garotos que mal sabia ler música mas tinha um talento que apenas a maiêutica de George foi capaz de puxar deles; era um desafio para ambos, para artistas e para o produtor. Foi uma atitude difícil de medir. Afinal, talvez o máximo que um selo erudito tivesse chegado perto do mainstream foi com a gravação de Mrs Mills. Ao mesmo tempo, gravações de música erudita eram eminentemente acústicas e ao vivo, sem muita preocupação com overdubs e retoques. Produzir bandas de rock era outro papo.

George acabou mudando a face do pop, que era então capitaneada pelos Beatles, com o arranjo de Yesterday. Paul sabia que suas canções só podiam ser gravadas com a banda inteira e, ao mesmo tempo, ele tinha um enorme preconceito com relação ao uso de orquestra em músicas pop — até porque, em geral, eram arranjos melosos e kitsch. Quando Martin sugeriu cordas em Yesterday,

Paul disse (isso aparece no depoimento do produtor no documentário Complete Beatles): "ah, não quero saber daquele lixo do Mantovani". George conseguiu demonstrar para Paul McCartney que era possível fazer um approach camerístico sem que a música soasse cafona. Ao mesmo tempo, conseguiu convencê-los a deixar Paul gravar sozinho uma canção dos Beatles.

O resultado foi inusitado: logo, outras bandas de rock fariam o mesmo (os Stones gravariam As Tears Go By", com arranjo de Mike Leander, que depois arranjaria She's Leaving Home), e os próprios Beatles, gradativamente, passariam a trabalhar em faixas solo a partir dali: Eleanor Rigby, BlackBird, Julia, Good Night, Within You Without You, entre outras.

O paroxismo dessa sinergia musical foi, justamente, o álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Nesse ponto, o nível de experimentação em estúdio dos Beatles chegara ao máximo, com George franqueando ao quarteto toda a autonomia que nenhum artista havia tido até aquela data.

A partir daí, as armas cairiam em outras mãos. Se um artista, cantor ou banda de rock teve a oportunidade de ousar em estúdio, em lidar livremente com toda a tecnologia possível — para o bem ou para o mal e, finalmente, se o rock amadureceu ao ponto de tornar-se referência artística, muito disso (ou mais do que tudo isso) se deve a George Martin.

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