Wednesday, April 13, 2016

O Pato está de volta


Capa do livro

Terminei de ler o Pato Macho — Quinze semanas que abalaram a província (Cachorro Louco, 2016) em tempo recorde. Prá vocês verem como a gente esperava por esse livro como um preso aguardando um indulto de Natal. O autor é um dos membros da equipe original da publicação, Cláudio Ferlauto.

Como ele mesmo explica, à guisa de introdução, a obra não se propõe a alongar-se sobre todos os aspectos do jornal, já que o tema já fora abortado pela professora Aline Strelow na tese Pato Macho, o humor no jornalismo alternativo (e que pode ser lida na Internet). Mais do que isso, a concepção de Ferlauto foi, pela primeira vez, contar a história toda dando voz a todos os seus artífices.

Dessa forma, o livro é uma espécie de documentário impresso com uma seleção de mini-ensaios imperdíveis, escritos pelos grandes nomes que passaram pela publicação, como Luis Fernando Verissimo, Eloi Celente, José Antônio Pinheiro Machado, Nilo Paim Soares, Goida, Cláudio Levitan, Eliana Chaves, Luiz Carlos Felizardo e Vanderlei Cunha.


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Parece mentira: lembro da primeira vez que ouvi falar no mitológico Pato Macho, hebdomanário porto-alegrense do começo dos anos 70, numa edição especial da revista Experiência, de 1996, quando era estudante na Famecos. Durante muito tempo, antes do advento da Internet, aquela era a minha única fonte de informação sobre aquele que foi o "Pasquim do sul".

Lembro-me do fascínio que se apoderou de mim quando, pela primeira vez, folheei as edições que ainda restavam no Museu Hipólito da Costa. Pálido de espanto, como no soneto, descobri que eram apenas quinze. Tão pouco! Como pode um jornal tão interessante ter sido esquecido da história da imprensa gaúcha (fato é que a própria edição do Experiência salientava a então, carência de publicações sobre o assunto, pelo menos em âmbito regional, até os meados dos anos 90). Ninguém que eu conhecia tinha ouvido falar no Pato. aquela edição da Experiência era a única fonte.

Quando a gente resolveu inventar um blog (este aqui), o mote era prestar uma singela homenagem ao Pato Macho, numa época em que a Internet estava ainda em vias de virar o que é hoje, uma base de dados e de contatos folksonômicos sem fim. Ao mesmo tempo, nunca imaginamos que, um dia, alguém fosse encontrar-nos, perdidos no meio desse vasto mundo virtual.

Eis que, depois de tanto tempo, o livro aparece. E, com ele, uma página no Facebook que, de certa forma, acabou atraindo muita gente que tanto colaborou com o jornal quanto viveu aquela época — e ainda tem as publicações guardadas, como relíquias daquele tempo do drop out do trique-trique rolimã porto-alegrense do começo dos anos 70.


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O livro é um subsídio importante justamente pelo fato de trazer a "versão dos donos" e preencher certos "vazios" que existiam com relação à história e às histórias do Pato. Afinal, muito do que a gente sabia a respeito do jornal era muito pouco — além da leitura das 15 edições. e de não ter a mínima ideia de que fim levou aquele pessoal (claro que não todos)? E por que ele durou tão pouco.

Uma coisa que sempre me chamou a atenção do Pato foi o projeto gráfico. Eu sempre viajava folheando as páginas, mesmo sem me ater a texto. Ferlauto conta com detalhes toda a gênese do projeto, muito sob influência da imprensa alternativa britânica, além da Rolling Stone.

A costela de Adão do Pato foi, em parte, da edição dominical standard da Zero Hora (que brevemente tentou competir com a Caldas Júnior e o Correio) em 1969, do escritório de comunicação visual Signovo, de uma geração de estudantes da Arquitetura da UFRGS e da MPM Propaganda.

Interessante observar como o conceito do Pato era de um coletivo, e que esse coletivo dialogava com todo um contexto de virada cultural que surgiu em Porto Alegre a partir do final dos anos 60 — e que envolvia uma revolução (à sua maneira, cerceada pelo regime militar) nos costumes e numa nova concepção de jornalismo gráfico, e mantinha vários pontos de contato, como no caso da MPM, de certa forma, até mesmo com a própria proposta da rádio Continental, a partir de 71, com o comando de Fernando Westphalen que, por sua vez, "estagiou" na agência, e que anunciava no Pato.

No seu depoimento, Eloi Celente (que era o responsável pelo Comercial do hebdomanário) fala: "no final de contas, o Pato parecia uma edição impressa dessa rádio.

Como a Continental (retratada no também excelente livro do Lúcio Haeser), o PM também teve problemas com a censura da época. A primeira, a oficialesca, prévia; a segunda, de bastidores, econômica (e a fatal, e que assombraria o Coojornal, anos depois), quando tudo aquilo que o Pato preconizava ou defendia — parecia afrontar uma sociedade porto-alegrense provincianíssima. Ou seja, era uma represália de costumes a um jornal que, justamente fazia uma crítica desses mesmos costumes, como forma de resitência. A Tradicional Família apenas queria ver pêlo em ovo.

Acho que até hoje, e ainda mais ao ler o livro (e já quase reler), fica a pergunta: por que o Pato acabou? Minha impressão é a de que ele estava começando a encontrar uma linguagem, estava ainda se assentando, buscando um diálogo com um público leitor que ainda tentava entendê-lo além de ser quase um RRPP da dolce vitta dos próprios editores e colaboradores do jornal e as noites da Indepê e da boemia bem vestida da Porto City. O Pato podia ter durado pelo menos um ano. Ou dois. Mas o Pato morreu. Mas está de volta. Longa vida ao Pato Macho.


PS: queremos agradecer pela citação no livro, queremos um autógrafo, pessoal!!!

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