Saturday, November 21, 2015

Querida mamãe



Eu sei que você nem vai ler essas palavras. Já estou imaginando a senhora jogando essa carta no chão, e pisoteando ela como se fosse um inseto repelente, depois catando ela, rasgando em pedacinhos e comendo ela. Mas eu sei que, depois, a senhora vai voltar a si, vai catar os pedaços, colar com durex e ler o que eu quero lhe dizer. Mamãe, mamãe, não chore, a vida é assim mesmo, eu fui-me embora. O que mais eu posso lhe dizer, se eu fui-me embora? Eu sei que a senhora já abriu um berreiro por aí. Falou que é teoria da conspiração, que vovô é um velho safado e é ele quem está por trás de toda essa história, que ele não respeita nada, e que acha que tem sempre a razão, e quem devia estar acorrentado numa pedreira com o fígado de janta de abutres era ele. Mas não é verdade, mamãe. A culpa não é dele e nem de ninguém. A culpa é toda minha. Aliás, a culpa não é minha, porque eu não tenho culpa nenhuma. Eu fiz apenas o que eu quis. Não é verdade o que andam dizendo por aí. Eu não fui forçada a nada. Foi o meu coração quem me disse. Se eu não fosse sua filha, eu iria dizer: me esqueça, me esqueça, porque vai ser melhor prá você. Você não tem a menor ideia de quanto esse amor materno me tolhe, me incomoda, como isso me sufoca! As mães não são felizes. Não sei quem foi quem disse isso, mas a verdade é vocês nunca serão felizes enquanto não resolverem esse amor que devora pelos filhos, um amor que não deixa vocês em paz, não nos deixa em paz, não te deixa em paz e não me deixa em paz! Mas é lógico que eu não posso dizer isso prá você, porque eu sou sua filha e porque eu amo você e porque eu também tenho saudades de você, mamãe. Eu tenho saudades da forma como você gostava de mim. Acredite, eu também estou chorando, aqui. Desculpe. Do jeito que vocês contam a minha história, parece que eu sou a vilã da história, uma réproba, uma desalmada, a ovelha negra da família. Mamãe, acorda, você tem que desconstruir esse paradigma. Eu sei que dói em você, porque dói em mim também. Mas essas coisas já estavam no colo dos deuses. Isso já estava escrito. Um dia, os filhos crescem e partem da casa dos pais. No fim das contas, passam as estações, a gente cresce e depois vira o pai e mãe de gente mesmo e vocês é que regridem, vocês viram as crianças. É engraçado como, no fim das contas, os filhos viram os pais dos pais. A mana Tritogênia disse que a senhora não sai de dentro de casa, fica trancada no quarto o dia inteiro, não cuida mais dos afazeres de casa, que a senhor nem se cuida mais. mamãe, você tem uma reputação! O mundo espera pela senhora. E eu falo assim porque eu conheço a senhora de outros carnavais, digo, de outras saturnais. Mamãe, mais dia, menos dia, a senhora vai ter que encarar a realidade, vai sair do seu quarto, vai sair do seu orgulho, vai sair dessa sua birrinha aí e ver a bagunça que a senhora deixou, que a senhor tem responsabilidades e que a gente tem muita vida para viver. Pare com esse mimimi. Eu não tinha dedos para dirigir-me à senhora depois de tudo, mas parece que vejo a senhora diante de mim. Eu prometo que, se as coisas mudarem, eu passo as férias de verão aí com a senhora. Então as coisas serão como nos velhos tempos. E a gente vai ver que a espera valeu a pena e, no fim, não doeu nada, não é, mamãe? Não se preocupe. Se as coisas parecem estar de cabeça para baixo, é porque a nossa história ainda não chegou ao fim. Não é isso o que a senhora sempre me dizia? O melhor ainda está por vir.
Beijos da sua eterna

Perséfone

No comments: