Sunday, February 08, 2015

A Graça do Vinil


Bom mesmo é disco velho

Há quem diga que o retorno ao vinil deixou de ser moda e veio para ficar. Os defensoras dessa tese pegam dados, como os da Digital Music News. De acordo com eles, mais de 6 milhões de discos nesse formato foram vendidos nos Estados Unidos em 2014 - uma tendência crescente com relação ao ano anterior em, pelo menos 50%.

Já segundo a Teamrock, artistas e donos de gravadoras em geral acreditam que, a despeito dos números expressivos, tudo não passa de moda. Para isso, alegam que a marca de 1 milhão de vinis vendidos ano passado na Inglaterra se deve, sobretudo, a lançamentos específicos, como o Endless River (2014), último disco do Pink Floyd, por exemplo.

A Nielsen SoundScan, sistema de informação que realiza levantamentos de vendas de música e vídeo na América do Norte, contudo, estima que as vendas de bolachões correspondem a apenas 6% do total da comercialização de música. Esses dados indicam que, para as grandes gravadoras em geral, o propalado sucesso da velha nova mídia não é grande o suficiente para que haja qualquer efeito positivo sobre seus negócios.

Por 6%, muitos executivos sequer levantam da cadeira para dedicar-se ao formato. Tom Corson, responsável pela RCA, revelou que as vendas de vinil são bem vindas, mas o selo sequer possui um departamento específico sobre. "É uma pequena porcentagem dos nossos negócios", diz. "não vai fazer ou salvar o nosso ano".

A matéria da Teamrock cita o empresário da Fall Out Boy, Jonathan Daneil, que compartilha da mesma opinião de Corson. Ele admite que grupos gostam do formato (a própria banda lança bolachões de seus CDs).

"Do nosso ponto-de-vista mercadológico, não significa nada", conclui. Claro que toda esse discussão do vinil - se ele voltou ou não, deveria ser apresentada de forma contextualizada. Prá mim, a graça do vinil passa pelo viés arqueológico.

Quem não tem um gosto muito ortodoxo pode descobrir maravilhas em sebos. Discos que hoje, pelo menos, na minha opinião, são interessantes justamente pela sua irrelevância total.

Lançamentos que foram jogados na lata do lixo da história mas que ainda existem e estão esperando por nós. Discos de coletâneas, de novelas, de artistas esquecidos e suas capas mirabolantes, discos de jazz, clássico, sambão.

Existe pelo menos meio século de história em vinil para que o ser humano possa redescobrir. Á guisa de conclusão, cita a mesma Teamrock, referindo-se à uma curiosa declaração do Neil Young. Ali, ele detona os novos lançamentos de bolachões. O cantor diz que todo lançamento de vinil, hoje, não passa de uma versão masterizada em formato digital.

Claro que note-se aqui a crítica de alguém que sabe a diferença entre um disco original e algo que tenha saído de fábrica hoje. "É CD gravado em vinil", diz. E finaliza: "Nossa sociedade é muito prática e convencional e vinil não é uma coisa convencional".

Quando o CD surgiu por aqui, lá por 1988, aos poucos, o vinil passou a ser uma mídia desinteressante. Mesmo assim, os sebos inflacionavam álbuns mais procurados (não existia Mp3 nem Mercado Livre, então pela raridade em quastão, eles podiam pôr o preço que quisessem, porque havia quem comprasse), rock em geral.

Nessa época, lojas ganharam muito dinheiro com isso. O CD tinha o componente libertador para aqueles que não encontravam certos títulos em vinil, justamente porque ou o disco estava fora de catálogo ou sequer fora lançado no Brasil. Assim, era possível achar algo do Hendrix em formato digital, já que o vinil brasileiro era raridade total.

Mesmo assim, os CDs eram, na sua maioria, importados e solenemente inflacionados pela lei da oferta e da procura. E, com o formato digital, houve a moda de se desfazer dos vinis em favor dos disquinhos.

O problema é que hoje, por incrível que pareça, depois do advento do que seria o paraíso na terra em matéria de mídia de áudio, o compact-disc entrou em decadência e o vinil, naqueles mesmos moldes do cedê no começo, passou a ganhar a mesma aura de excelência.

Ora, para quem, como eu, viu gente jogar discotecas fora para comprar um aparelho de CD, é incrível observar essa atração pelos velhos bolachões.
Pelo que eu vejo, o atrativo são lançamentos de rock de álbuns que sequer saíram no Brasil, como a discografia do Leonard Cohen.Velvet, Mobi Grape, Neil Young, coisas assim.

Porém, é óbvio que ninguém vai relançar o catálogo farofa da CID, por exemplo, com aqueles covers sinistros de Elvis e Glenn Miller, e o Peru da Festa do Costinha, por exemplo.

Enfim, essa volta do vinil é relativa, não é a volta da tecnologia. A despeito da relativa qualidade do seu característico som, a intenção primordial não deveria residir na mimetização da qualidade do som do vinil, mas uma fidelidade do que seria aquilo que foi captado pelos microfones, como se nossa audição fosse "ao vivo".

Condicionar a experiência da audição ao som do vinil é fetiche. O objetivo do formato digital era suplantar qualquer 'entropia' na audição, de forma a que pudéssemos ter uma experiência completa ao ouvir os discos. A verdade é que, trinta anos depois, vemos que muitos daqueles lançamentos em AAD eram extremamente (uso o advérbio porque se faz preciso) falhos. Ruins.

A verdade é que o vinil nunca voltou. A venda expressiva do formato segundo a Digital Music News se refere à ela mesmo, na forma em que isso tem sido proposto como moda. Muito da produção hoje é baseada em lançamentos específicos e em relançamentos de discos clássicos.

É preciso salientar que, ao contrário do que era a realidade da tecnologia e do mercado nos anos 70, por exemplo, a difusão de arquivos de áudio (vamos chamar assim, seja qual for), na época do Mp3, passa à revelia do vinil. Há quarenta anos atrás, tudo passava pelo vinil. Até mesmo gravadoras não especializadas em rock faziam caixa com um catálogo nada ortodoxo: sambão, coletâneas, disco infantil, é por aí vai.

Guardadas as devidas proporções, o catálogo que havia à disposição do público, toda a produção de décadas de música em seus respectivos e variados gêneros, ele não passa pelo vinil, nem vai passar. Isso ficará relevado à colecionadores e pela restrita comercialização de discos usados - esse sim um mercado interessante mas que, naturalmente, não passa por estatísticas de sistemas de medição e de informação de venda de música.

Mais do que isso, a discussão descrita acima refere-se à viabilidade de o formato ser economicamente rentável. Como os números mostram, é, mas não é. O que se pode afirmar, de certa forma, é que eles estão aprendendo a lidar com isso que ainda se discute - se é uma moda passageira ou não, mas que, como pode se notar, é um nicho de mercado.

Se é ou não um modismo, pelo menos podemos afirmar que é um fetiche. E fetiche é um negócio que, com efeito, não sai de moda e nem depende de estatística para provar nada. Poderia-se, no entanto, até acusar a própria indústria fonográfica de mistificação ao tentar vender essa "moda" do vinil mas, ao que parece, nem ela sabe muito bem lidar com isso.

Bandas como o supracitado Fall Out Boy comprazem-se em ver seus álbuns no formato antigo, mas isso pode se explicar, do ponto-de-vista do público consumidor, como viver uma época que eles não conheceram, e desfrutar dos pretensos benefícios do som riscante de uma agulha num bolachão. Muitos fazem isso, inclusive aqui, no Brasil. No entanto, são poucos no sentido de uma reabilitação da mídia vinil.

Eu já fui/sou colecionador e, como testemunha ocular de história, sempre apreciei disco usado. Vi o ocaso de uma época desaparecer com o advento do malfadado compact-disc (no futuro, lembrado como um inefável pesadelo humorístico do final do século XX) e acompanho, não sem um divertido sadismo, a volta do vinil sobre os destroços dos CDs - esses cada vez mais desvalorizados nas lojas de música.

Hoje é possível tirar dos rolos dos tapes analógicos algo próximo do apreciável. Porém, como disse o Neil Young, a gravação constante nesses discos é um AAD passado para o vinil. Porém, não há nada de novo nisso: os discos da Deutsche Grammofon dos anos 80 já eram elepês com áudio digital.

O mesmo aconteceria com o catálogo dos Beatles a partir de 1988, vinil digital. Na verdade, a vanguarda era a digitalização do analógico.

O fim do CD foi um acidente de percurso, o ressurgimento do vinil, outro. Enfim, se parece pejorativo chamar isso de fetiche, vamos usar a expressão do Chris Anderson, sobre o a "Cauda longa"; mercado de nicho.

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