Monday, November 08, 2010

Meninos, eu vi


Paul em Porto Alegre


Eu poderia me debulhar em lágrimas e escrever pelos cotovelos falando o quanto eu sou fã e admirador do trabalho do Paul McCartney mas, como muita gente está comentando e irá comentar sobre a parte sul-americana da Up And Coming Tour, eu vou ser objetivo.

Considero essa a melhor banda desde a The Paul McCartney World Tour, de 89. Até porque creio que, quando ele voltou a excursionar pelo mundo, no fim dos anos 90, Paul quis deixar sua música com um ar mais contemporâneo, gravando com Hugh Padgham, depois Hamish Stuart, Elvis Costello, Robbie McIntosh e o Paul Wickens, que é o único remanescente daquela fase. Foi justamente com esse comjunto que ele excursionaria pela primeira vez no Brasil, em 1990 e em 1993.

Mas de lá para cá, McCartney foi deixando a sofisticação (que marcou épicos como Flowers In The Dirt) de lado: com a banda atual, reformulada a partir de 2001 quando o Rusty Anderson e o Laboriel, Jr. foram convidados para tocar com Paul no Driving Rain.

A partir dali, passado o hiato desde a New World Tour, quando ele voltou aos palcos, fez duas coisas admiráveis: entrou de cabeça mesmo num repertório ostensivamente focado nos Beatles e promoveu um downsizing nos músicos. E decidiu, já sessentão (e enxutaço DIZEM), cair na estrada prá valer.

O grupo ficou mais compacto e coma influência de Abe, que tocou com Steve Ray Vaughn, e o Rusty, que faz um rock calcado em anos 60 e no punk setentista. Quando o Brian Ray entra na turnê do Driving, Paul McCartney passou a excursionar com regularidade. O Wix voltou e virou o spalla de uma banda que não tem nada de erudito. O que eles fazem mesmo é rock de garagem, pauleira e pesado, como deve ser.

Ou seja, o time amalgama regularidade e momentos inesperados (que vão além do ritual do show programado — como atender a uma fã em pleno palco,quem diria?) para mortais como nós, tem noção exata de como se portar no sob os holofotes, tanto pela experiência do Paul em levantar estádio desde o Shea, em 65 quanto a de Brian, Rusty e Abe que, a despeito de parecerem eternamente garotões, têm uma folha corrida de estrada — tanto em carreira-solo quanto como músicos produtores.

E pensem que decorridos mais de oito anos, a banda é uma máquina está, funcionando no máximo e perfeitamente azeitada. E interessante notar que ao vermos, conjunto possa parecer um bando de desajustados, mas em cada show, o essencial funciona perfeitamente. O supérfluo (nesse caso, o mais essencial), e o inenarrável charme do Paul em bancar o entretainer com o público, falando com eles na respectiva língua local, mas sempre com a boa pinta de um MBE.

Que também engana: como diria Nelson Rodrigues, o menino mora dentro do homem. E Paul McCarney impressiona qualquer audiência sendo uma lenda viva e, ao mesmo tempo, o teddy boy que tocava 12 horas seguidas em Hamburgo, no começo dos anos 60, e pavimentaram em campo adversário as boas vindas do rock com a Beatlemania, em 64.

Aliás, um parêntese: Foram os próprios Beatles que criaram o show de estádio. Depois do Shea Stadium, todos os produtores musicais vieram que era possível lotar um estádio com um oceano de gente para ver uma banda de rock. Só que naquela época, eles ligavam um amplificadorzinho tr00 Vox de 100 watts num sistema precário de auto-falantes, cujo som já era ruim em partidas de basebol. Hoje, é muito mais fácil. Embora aqueles 55 mil pagantes do mitológico Shea Stadium em 65 — talvez por conta do documentário, parecem sempre muito mais gente do que eram. Ontem, no Beira-Rio, estádio do Internacional, havia mais do que isso.

E espanta mesmo para quem achava que quando ele chegasse finalmente aos 64, fosse se dedicar apenas a cultivar o seu jardim e a compôr oratórios (como um Liszt em fim de carreira) que Paul McCartney rejuvenesceu com a nova banda, e talvez tenha assumido uma jovialidade chocante para um homem idade provecta (desculpem, é um eufemismo) ao vê-lo brincar de guitar hero com sua Les Paul ou demonstrar toda a sua versatilidade com o uekele e o mandolim.

Ou seja, para ele, amelhor forma de produzir e como Paul mesmo disse, hoje ele tem possibilidade de ficar na estrada mais tempo. Vieram a Driving USA Tour, a Back In The U.S. Tour, a Driving Mexico. Mas desde 2001, a fórmula seria a mesma.

Só que as apresentações em geral faziam sempre o périplo entre os Estados Unidos e a Europa.

Faltava o Brasil.

Especulações não faltavam. Mas era uma guerrilha de informações. quando mais se falava, menos se acreditava ou se dava trela. Até o anúncio de Buenos Aires.

Quando eu os vi no Festival de Wight, em junho (pelo Youtube, claro), eu nunca imaginei que, cinco meses depois, eu ia ver Sir Paul em terras brasileiras, na cidade onde eu moro e no estádio do meu clube. É mole?

Sobre a banda e o show, não haveria muito em evoluir em matéria de estética. McCartney virou ídolo de uma nova dentição de fãs a partir dos anos 90 quando o rock dos Beatles virou referência no som do Britpop (como se para ele isso fosse necessário, claro que não, né, vocês me entendem), por exemplo. Se a onda era reciclar, se alguém não precisava de cerimônia para fazer rock'n roll como nos velhos tempos, esse alguém era Paul McCartney.

E o melhor que ele tinha que fazer era voltar às origens porém sem perder o seu lado eclético e fora a gentileza que ele sempre concede aos seus fãs, sendo um cara simpático e acessível. Sou suspeito para falar mas ele foi mais espirituoso em Porto Alegre do que no campo do Mets. Pode ser que não, mas ninguém vai me convencer.

E até podia ser um show meramente suadosista, mas estamos falando de um músico criativo, versátil, sensível, inteligente, moderno e prolífico. E toca bateria.

McCartney abriu o show durante um pôr-do-sol da irretocável primavera porto-alegrense, empunhou seu baixo Höfner e, com ele, tocou Venus And Mars/Rockshow (que naturalmente nos remete aos show do Wings, nos anos 70) Jet, Letting Go (música subestimadíssima do Venus e que, mesmo não sendo uma favorita dos fãs, ele sempre gostou dela, executou-a na excursão do Wings Over America), Drive My Car e Highway.

Depois largou o terno roxo e o baixo, empunhou sua Les Paul e tocou Let Me Roll It. Não existe música melhor para ele tocar ao vivo — e demonstra que não se esconde atrás de um contrabaixo, mostrando ser um ótimo guitarrista (já demonstrava antes, em Another Girl, Taxman e no McCartney I, por exemplo). O coração de todos, desde os gatos-pingados do Beira Rio até a pláteia VIP chique & moderna, balança no ritmo da música na hora do refrão.

E no fim, eles emendam Foxy Lady do Hendrix, só faltou o Paul chegar no microfone E sussurrar: UH, FOXY

Gente até no lustre. Paul se debruça diante do piano, faz um Dó Menor e ataca de The Long And Winding Road. Ouve-se um OUNNNNNNNNNNN geral. Paul Wickens, spalla, faz as cordas da música nos teclados. Ainda bem que a produtora do show distribiu lenços para quem entrava no estádio. Precisei de 14 ao todo.

Segue-se aquela que eu considero o momento crucial do Band On The Run, Nineteen Hundred and Eighty-Five. Ao invés de (I Want to) Come Home, ele toca Let 'Em In que é mais conhecida do público brasileiro. E quenão tem exatamente a mesma mística de Let Me Roll It para o show.

My Love é sua homenagem à Linda McCartney. Que ele sempre dedicava á ela na turnê de 1989/90 — mas, naquele tempo, ela estava com ele. Como eu estava debaixo da marquise da Padre Cacique, só pude acompanhá-lo ali pelos telões. Meu coração parou. O tempo parou. O mundo parou. Menos as lágrimas.Mais lenços.


Paul salta do piano como um garoto, pega o seu violão folk casca de noz, faz o furioso fingerpicking da introdução de I've Just Seen A Face (que ele troca por I'm Looking Trough You). Confesso que também queria I'm Looking Trough You. Esse era o momento em que eu queria pegar o meu, descer para o palco e fazer uma canja com o Paul (brincadeira, gente).

And I Love Her. Mais lenços. Eu gastava os dedos em bolhas arranhando ela nas cordas prá aprender. E de repente, eu estava vendo o meu irmão mais velho, que me ensinou inglês e violão — e eu não o conhecia. Pessoalmente. Até então.

Blackbird (lenços), Here Today (muitos lenços) e Dance Tonight(que ele toca no mandolim) é um set onde Paul toca sozinho. Mesmo pianinho, a banda volta.

Com o violão folk e a banda, Mrs Vandebilt. Essa ele tocou em Kiev em 2008 e de repente se deu conta que deveria ter colocado no set-list há algum tempo. Wings na cabeça. Ainda com o instrumento, ele canta Eleanor Rigby com Wickens, que faz as cordas nos teclados.

Com o uekle (aquele instrumento que o George gostava, lembram?). Os iniciados já sabem que ele vai tocar a sua versão de meio progressiva de Something. antes, contudo, McCartney toca Ram On, da antiga: mais uma escolha pessoal e intransferível. Quando a banda entre num tutti na hora do solo da canção de George Harrison — com o Brian Ray gastando a palheta, os lenços voltam à ativa. É impactante.

A heróica Sing the Changes é uma música muito, mas MUITO legal, e que é pouco conhecida. Prá mim, a melhor dele dos últimos tempos, do Electric Arguments by The Fireman, que é uma injustiça que você não a tenha ouvido, ainda. Mas vai ouvir logo, logo. Ele fez outro clássico. Grande momento do show. Não conhece? Eis o link:



Dali para a frente, o show é uma covardia, um inexpugnável ataque sonoro em massa. Abe — que é de longe o batera mais boa praça do mundo (depois do Ringo, mas ali) — faz a moldura musical e pavimenta o caminho para Band on the Run, Ob-La-Di, Ob-La-Da, Back in the U.S.S.R, I've Got a Feeling e Paperback Writer.

Em Paperback, Paul troca a Les Paul pela Epiphone Casino da época do Revolver. Os três, Paul, John e George ganharam aquele mesmo modelo sunburst, mas só McCartney deve tê-la conservado (John lixou a dele). Se não for a original de época...

Lenços esvoaçam e giram na ponta dos dedos do público. Um jato de alegria e de adrenalina que não é possível explicar aqui.

A Day in the Life/Give Peace a Chance é curiosa. Os Beatles deixaram de excursionar em 1966 alegando que os sons que eles faziam em estúdio eram impossíveis de serem reproduzidos ao vivo. Mas eis que ele escolhe ofinal épico do Sgt. Pepper's. Só o tmpo explica. Ele canta mas todos lembram de John (uma curiosidade: no lançamento do seu álbum ao vivo anterior, Back In U.S, McCartney decidiu mudar a ordem da autoria da dupla com John para McCartney-Lennon — fato que gerou bastante controvéria. A raiz dessa alteração, dizem alguns, é a de que Yoko Ono havia tirado Paul da parceria com Lennon em Give Peace a Chance, em 1997. Mesmo assim (e talvez adespeito disso ou, por isso mesmo) ele decidiu incluí-la na nova turnê). De repente, a platéia da frente (a que chacoalha as jóias, como dizia um amigo meu) começou a acender isqueirinhos. o contraste ficou meio Before The Flood. Coisas de show de rock.

Let It Be. OUNNNN. Não dá tempo para lenços. Live and Let Die é épica. Um ultraje aos meus nervos em frangalhos. É uma paulada Eu havia dado uma volta atrás do palco pela arquibancada superior. Um dos "orientadores" pediu para que eu retornasse — não sem antes eu correr os olhos na parafernália e a vista pelos bastidores. Depois eu descobri porque não poderia estar ali. No meio de Live and Let Die, acontece um espetáculo pirotécnico assustador, atrás dos telões e na base do palco. Uma cena wagneriana, digna do finale do Crepúsculo dos Deuses, da Abertura 1812 do Tchaicovsky. Eu estava no festival sagrado em Bayreuth.

Hey Jude, bom. Lenços, Lenços,lenços à mancheia. Paul fala e arranca risos, como se fosse um acrobata de circo fazendo piruetas. Fala (contra todas as expectativas) gauchês e todos explodem num riso que só é reprimido quando McCartney volta ao piano e os lenços ao seu uso habitual. Você dá gargalhadas num momento e, de repente, está de novo chorando, chorando, chorando convulsivamente.

Mais Beatles: a agonia agora é ver que o show se encaminha para o fim no auge. Você acredita que é imortal e a apresentação não vai acabar nunca. Day Tripper, Lady Madonna (naquele piano psicodélico dele) e Get Back.

Em Yesterday, ele pega um terceiro violão, um Epiphone Texan FT 79 (vi bem no telão). Aliás, o mesmo que ele gravou-a, em 65. Isso (pode) se explica(r) porque ele às vezes toca ela noutra afinação. Lenços, lenços, lenços...

Quem ainda estava chorando ouve o Paul falar: "ah, vocês tão querendo, rock, é? então vocês vão ter!". Ouve-se as guitarras de Helter Skelter. A banda toca alto e forte, pauleira geral, garagem total. Delírio total. Imagens de uma volta de montanha-russa estilo câmera de Fórmula-1. O show não pode acabar agora, em pleno looping.

Mas acaba. Depois do bis e do adorável incidente com as fãs que portavam cartazes. Alguns fãs apupam quando uma delas diz que é de Flonianópolis (ele soube então que tratava-se de uma espécie de divertida rivalidade "bairrista" entre a capital catarinense) Porto Alegre. Enquanto gentilmente autografava o braço da menina (como ela então impossivelmente lhe pedia no cartaz) ele, suspirou: "Entendo, é que eu sou de Liverpool". Um gentilman. Um gêno da raça.

O encerramento é Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (reprise)/The End. Em 90, Paul Fazia uma versão com as duas, um solo e o fim na reprise. Agora ele fecha mas enendando o last rock do Abbey Road. OH, YEAH, ALL RIGHT, ARE YOU GONNA BE IN MY DREAMS TONIGHT?

Paul, meu irmão de trago, do tempo que a gente chegava em casa com um elepê do sebo de discos direto para a eletrola e de viola comos amigos na calçada, tentando em vão tocar I Will ou Blackbird de forma decente às vezes brincava com a platéia, faz graça e derrama simpatia. Tenta falar português. Fala gauchês e porto-alegrês. Ele estava bem assessorado por causa daquele "mas bah, tchê". ele deve ter se divertido com a reação. E não precisava fazer média com o público, mas ele tem anos e anos de estrada. Sabe como é. E tomou todos de asalto. E estava desassombradamente à vontade, como sempre. Ele é aquele brother nosso que está sempre certo. Parece que sabe exatamente o que fazer. Nós é que não. Ele estava preparado para nós. Nós é não estávamos preparados para ele.


PS: Falei que eu ia ser objetivo e imparcial. eu não resisti, desculpem.
PS 2: Volta Paul!

6 comments:

Cainã Rocha said...

me senti no purgatório. ao lado de Deus. com Ele me mostrando o caminho pra paz interior.

Rodolfo Zago said...

lindo texto, me emocionei novamente. e a sensação não vai embora.

Parabéns, Dylan

Eduardo Ghisolfi said...

Emocionante, tocante!
Um texto à altura do que foi o show!

André Carvalho said...
This comment has been removed by the author.
André Carvalho said...

Ótimo texto, cara...

Blog do Zaca said...

porra,que texto!