Tuesday, June 07, 2005

Não acredite. É verdade

Em 2002, Noel Gallagher, líder do Oasis, disse que, quando a banda concluir a sua obra-prima, vai terminar. Para o bem ou para o mal, tudo indica que a resposta é definitivamente talvez: se não é pois o zênite da carreira deles, pelo menos permite um primeiro lugar nas paradas e refrões interessantes.

Gravado nos estúdios da Capitol em Los Angeles, por sugestão do produtor do disco, Dave Sady. De acordo com Noel, o material produzido até 2004 não apresentava qualidade suficiente para vir à luz. Resumo da ópera: o novo disco levou quase dois anos para "deslanchar", agora em sessões de gravação que contaram dois meses e meio.

Como no álbum anterior, Heathen Chemstry (2002), Don’t Believe The Truth abre o repertório à participação de seu irmão, Liam, mais Gem Archer e Andy Bell. Se antes Noel dizia : "I write the song that make the whole world sing". Agora ele mesmo admitiu, em entrevista à revista Q: "Ele [Liam] está em um estágio em que eu só me encontrei há vinte anos atrás, onde você escreve uma canção atrás da outra". Pode ser um elogio. Segundo ele, seu irmão havia apresentado cerca de vinte canções, das quais foram selecionados números como "Guess God Think I’m Able" e "Love Like a Bomb". Lógico, isso não significa dizer que o próprio Noel esteja entregando os pontos. A sua participação no disco, mais do que vital, demostra que ele e a banda definitivamente passou aquela fase de saber se está vivendo o primeiro dos seus anos de glória ou o fim de um curto período de genialidade, como no auge do Britpop. Mais do que tudo, Don’t Believe The Truth mostra o amadurecimento do Noel compositor. De longe, as canções dele valem os três anos de espera.

O ponto negativo para a imensa e inconsolável legião de fãs é a saída de Alan White. O que se espera, ao menos, é que o processo de downsizing a cada lançamento diminua — senão, Liam e Noel irão, inexoravelmente, fundar a sua solidão num duo estilo Everly Brothers...

Para muitos, o acréscimo de Zak Starkey tem a ver com o momento da banda, outros entendem que a sua sonoridade é limitada com relação ao seu antecessor. A avaliação sobre Zak pode ser precoce, mas o interessante em seu trabalho no disco é que, involuntariamente ou não, ele imprimiu um novo formato às canções. Se o velho logotipo voltou à capa, a sonoridade é menos padronizada do simbolismo "beatle" em favor de um teor mais híbrido nas faixas com relação à referências musicais. O próprio guitarrista aponta para um ecletismo lapidar, indo de Kinks a Dylan ou Elvis Presley, muito embora o objetivo do Oasis não seja montar um quebra-cabeça para os seus ouvintes. Até porque muitos deles talvez não saibam sequer quem é Ray Davies...

Apesar da diversidade tendências e influências, pelo menos é possível notar que eles encontraram um padrão dentro dos clichês que o próprio Oasis fomentou. Pelo menos, em termo de letra, se restaram incompreendidos nos últimos discos, eles provam que estão se superando a cada álbum. Longa da torrente de guitarras em profusão e da bateria heavy de Be Here Now (1997), Don’t Believe The Truth busca a medida estóica do rock, modulando entre canções mais acústicas e arranjos mais "cerebrais". Um exemplo é "Turn Up The Sun", composição de Andy Bell, que abre o disco de leve, parece um blues "espacial": "I carry madness/ Everywhere I go / Over a border/ And back to the snow".

Para "Mucky Fingers", parece que Noel gastou a voz a ponto de deixá-la irreconhecível, como John Lennon cantando "Twist And Shout" no Please Please Me. Resultado: sui generis, ficou rascante e mercurial como Bob Dylan. Se a voz lembra o cantor de "Just Like a Woman", a gaitinha entrega de vez. Já a letra sai martelada com a bateria insistente: "you get your mucky fingers burnt/ You get your truth or your lies you have learnt/ And all your plastic believers they leave us and they won't return".

"Lyla" bem que poderia se chamar algo como "Variações sobre "Street Fightin’Man", dos Stones. Até o pianinho no fim provoca uma furtiva lembrança. "Calling all the stars to fall/ And catch the silver sunlight in your hands/ Call for me to set me free/ Lift me up and take me where I stand. Já a moça da canção bem que poderia ser parente da musa inspiradora de "She’s a Rainbow". Não querendo usar a expressão clichê, a já a usando, é a típica faixa de "levantar estádio", como foram antes "The Hindu Times" ou "Go Let it Out. Em "Love Like a Bomb", uma espécie de valsa folk, a voz de Liam está diferente. Quem toca piano é Martin Duffy do Primal Scream.
Noel retorna em "The Importance of Being Idle", título que brinca com Oscar Wilde. A música varia tempos de fox-trote com bolero.

Obra-prima: um pequeno tratado sobre o ócio, de letra deliciosamente irônica: "me dê um tempo, todo homem tem limite, voc6e não consegue uma vida se seu coração não está nisso, não me importo, enquanto houver um leito sobre as estrelas que brilham, estarei bem". "The Meaning Of Soul", já conhecida dos que ouviram a apresentação do Oasis no Glastonbury em 2004, tenta ser um bluescore ou, nas palavras de Noel, "soa como Elvis cheio de crack. "Zak a tocou numa caixa de Weetos com duas colheres de madeira", diz o guitarrista. Para ele, seria Stooges tocando Elvis. Talvez seja Oasis mesmo. Descontando a furibunda harmonica no fim, inimaginável num disco do Oasis, até então.

"Part of The Queue", puro Noel Gallagher. Outra novidade de Don’t Believe The Truth, de sonoridade inusitada. É quase um duelo entre violão e bateria, outra diferente de tudo o que poderia ser taxado como Oasis. "Keep The Dream Alive", no entanto, é tão familiar quanto possa parecer. Lembra algum lado B da banda, daqueles que realmente não soam como lado B. Liam soa como o velho Liam de sempre. "A Bell Will Ring", que segundo Noel soa tão parecida com a fase "Revolver "dos Beatles que seria até possível emendá-la com "Paperback Writer". Senão, no fim, pegue o mote e cante você mesmo de memória: "Dear sir or madam will you read my book it took me years to write, will you take a look?"...

"Guess God Think I’m Abel" pode parecer como um chiste, ou um enigma. Liam usa a m,etáfora para pagar o preço por ser o irmão mais novo: "You could be my enemy/ I guess there's still time/ I get round to loving you/ Is that such a crime?". Já "Let There Be Love" poderia ser "Champagne Supernova", mas não é: até a coda provoca uma lembrança. Poderia ser uma outra "Stop Your Criyng Your Heart Out". Soa como uma daquelas baladonas do John Lennon carreira solo. Mas é melhor sendo ela mesma, e é ótima para terminar um disco. Como aconteceu em 2002, as faixas do novo disco também vazaram indiscriminadamente pela Internet afora.

A diferença é que, se antes, os usuários do Napster tiveram os seus acessos bloqueados, hoje isso se faz sem maiores problemas e deliberadamente. Não são poucos os blogs e sites que espocam pela rede com faixas. O curioso nisso tudo é que o mesmo Noel Gallagher que, à época, disse que isso tirava a "magia das músicas", hoje pensa diferente. Quer lançar o próximo álbum na rede. Mesmo distante dos tempos gloriosos de Deninitively Maybe (1994) e What’s The Story Morning Glory (1995), o Oasis fez um trabalho com luz própria. Comparações à parte podem ficar à cargo dos puristas de plantão. O resto é o bom e velho rock, ou o que ainda resta vivo dele. Mas Noel disse que, se criasse a sua obra-prima, o Oasis terminaria: quem não deve acreditar na verdade?

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