Sunday, June 26, 2005

31 Canções (versão brega!)

O último livro de Nick Hornby, 31 Canções, é muito bom — quem não leu, leia. Na obra, ele fala de diversas canções pop que fizeram a sua cabeça. Ao contrário dos sucessos anteriores, o lançamento é totalmente despretensioso. Trata de uma lista (óbvio) das suas músicas preferidas, e a forma como elas se confundem com sua vida de trintão cool e desassombrado. A despretensão reside no fato de que, assim como ele, todos e qualquer um pode fazer o mesmo, talvez não com a mesa intensidade, ao relacionar músicas com estágios de vida cujos critérios são esses inefáveis laços sentimentais que nos prendem à vida e suas idiossincrasias. Como o ponto de partida de sua lista é o seu gosto pessoal, ele pode bater na trave do leitor em determinados momentos — por conta de artistas pop mundialmente conhecidos — quanto passar longe da meta, devido ao ecletismo de Hornby.

A história da nossa vida e músicas: é um tipo de meditação que só não passa pela cabeça dos inimigos do botão play e do auto-falante. E, para quem gosta de música, sempre tem aquela história para contar envolvendo você e alguma faixa — nem que seja pelo menos uma. Claro, não se trata de ser a música que mudou a vida, mas aquela que, sempre que a ouvimos, bate alguma coisa. O cara que estava perdido na vida, na porta da miséria, desempregado e descornado, mas tinha aquele disco do Jimi Hendrix que salvou a sua vida e que foi o seu fiel confidente; a menina que chorou muito ouvindo "Vento No Litoral", da Legião Urbana, a rapaz que se lembra do seu pai sempre que ouve "Velho Realejo" com o Sílvio Caldas; o cara que lembra daquele porre de vinho de garrafão ao escutar "I Wanna Be Sedaded", dos Ramones; do sujeito que resolveu pintar a cara de graxa e protestar nas ruas de pois de ouvir Caetano em "Alegria, Alegria", na naquela minissérie; da dona de casa que achou que a Vanusa cantava "Manhãs de Setembro" especialmente para ela; da ex-ardorosa fã do Menudo que sempre sente fica vermelha ao ouvir "não Se Reprima" e alguém jogar na sua cara que ela tinha ataques de histeria ao vê-los no Viva a Noite; ou aquela vovó que sempre se lembra do falecido ao curtir o "Besame Mucho" com o Ray Conniff. OK, sei que se eu espremer mais o cérebro, eu vou escrever um pequeno evangelho sobre o assunto. Voluntariamente ou não, elas sempre acabam invadindo a nossa mente e assombrando nossas memórias como o chá com bolinhos do Marcel Proust.

O segredo de 31 Canções, no caso do autor de Febre de Bola, é surpreender o leitor sendo profundo dentro de uma proposta aparentemente reles. Tudo passa pela sua análise isenta de preconceitos de ocasião, pelo menos, no sentido qualitativo de escolher "as melhores" mas, sim, aquelas que representaram algo na sua vida, ou seja, sentimentais motivações. Isso naturalmente não transforma a lista de Hornby numa verdadeira colcha de retalhos, que inclui Patti Smith, Teenage Fanclub, Santana, Rod Stewart, Ani DiFranco, Aimee Mann, Paul Westerberg, Suicide, J. Geils Band, Ben Folds Five, Badly Drawn Boy, The Bible, Van Morrison, Soulwax, e por aí vai. Ou seja, se a lista segue alguma lógica, essa passa longe de um gênero específico.

Claro, nem tanto. Por exemplo, quando ele fala de "Rain", ele banca o cronista musical, e acerta na mosca. "Rain" é uma canção maravilhosa dos Beatles, de um ano maravilhoso da carreira deles, o ano que o Oasis ficou tentando viver nos últimos dez anos, e é maravilhoso escutar uma canção de Lennon-McCartney que não teve praticamente todo o seu sumo sugado". Nesse caso, eu devo concordar que realmente existe uma fixação no ano de 1966 e, principalmente pelo experimentalismo do rock daquela época. Na verdade, o que o Oasis faz é viver parado naquele cânone; nesse sentido, eu até conseguiria, junto com Hornby, escolhê-la em detrimento de qualquer outra do quarteto de Liverpool. Ou então o fato dele se achar tão velho para uma música tão primordial, como "Heratbraker", do Led Zepplin, ou se sentir cada vez mais renovado sempre que ouve a mesma música, como "Thunderoad", do Bruce Springsteen...
Enfim, lista de músicas preferidas como uma espécie de egotrip quase como um inventário de nossas, vidas, uma recherche do tempo perdido com trilha sonora, todos podem fazer. Ótimo. Portanto, eu humildemente pensei que poderia, aqui, nesse humilde espaço, ajuntar uma lista pessoal das minhas canções preferidas. Mas não se trata de uma lista comum. Eu queria, na verdade, é montar um inventário das melhores canções brega de todos os tempos e dar subsídios à este gênero tão renegado pelo Brasil dândi, encasacado de tão bem vestido e coberto de pó-de-arroz. Chega de popices e seus congêneres. Eu quero os trovadores do Brasil bodum, molambento e suburbano.
Mas brega, BREGA! Então vamos lá:

O Telefone Chora – Márcio José: considerado pelos especialistas como o brega mais globalizado de todos os tempos. Original de Claude François, ganhou versões em espanhol, italiano. Márcio José foi o responsável por vertê-la para a língua de Camões. Metade falada, metade cantada, ela narras as peripécias de um homem que tenta em vão falar com a sua mulher, com quem havia rompido há sete (ou oito) anos, desde que a filha do casal veio ao mundo. Pois o diálogo todo é travado por ambos, pai e filha, sem que este se dê conta da desdita. "O telefone/chora/e ela não quer/ falar...".

Torturas de Amor– Waldick Soriano: precisa falar alguma coisa? Essa música é simplesmente FODA!

Fuscão Preto – Almir Rogério: uma dor de corno motorizada. A maior de todas, tendo um carro como protagonista fala da mulher que "foi vista com outro", "cheirando a álcool e fumando sem parar" e que trocou o poeta por um Fusca. Soberba.

Deixa de Banca – Reginaldo Rossi: o Pai de Todos. O Abraão do brega. Antes dos outros existirem, ele já existia. Salve, Reginaldo Rossi, o padroeiro da turma do goró.

A Desconhecida – Fernando Mendes: acharam que eu ia esquecer dele? O Leonardo gravou "A Desconhecida", do cara que também é o inventor do "Cadeira de Rodas" e "Você não me Ensinou
a Te esquecer". Mas não adianta: a original é muito melhor. "De onde ela vei/Prá onde ela vai?". Emoboy em pessoa.

Tango Prá Teresa – Ângela Maria: ela que é a highlander da música brasileira. Essa cantou na Primeira Missa. Ângela, teu povo te ama. A Ângela cantando tango é simplesmente de fazer o Gardel ter tremilicos lá na tumba.

Meu Grito – Agnaldo Timóteo: Agnaldo é um cara esquecido pelas novas gerações. Fiquem sabendo que ele foi um dos maiores, dos maiores. O cara cantando "The House Of The Rising Sun" bota o Eric Burdon no chinelo, nem se apresenta. "Meu Grito", por sua vez, foi feita pelo Roberto Carlos especial mente para o deputado Timóteo. Esta foi um grande sucesso da Jovem Guarda. O disco, de 1967, foi presente do Dia dos Namorados que meu pai deu para aquela que viria a ser a minha mãe. Meu pai também era brega. E a minha mãe não sabia o que lhe esperava...

Aparências – Márcio Greyck: "quantas vezes nós deitamos lado a lado, tão somente prá dormir?", dia a letra. "Quantas vezes nós dissemos ‘eu te amo’ prá tentar sobreviver?". Greyck discute a relação e vira mito.

Costa del Sol – Sônia Rocha: ah, você não sabe quem é a Sônia Rocha? Então voc6e não sabe nada!

Telefone Mudo – Trio Parada Dura: Antológico, com o Barrerito nos vocais e como s errinhos de concordância verbal na letra. Era o auge da guarânia na música sertaneja. "Cansei de ser o seu palhaçoooooo/ Fazer o que sempre quis/ Cansei de curar sua fossa/ Quando você não se sentia feliz".

Eu, Você e a Praça – Odair José: Ele é o bardo das gadosas, o minnesinger do Brasil bodum, o cantor dos amores impossíveis, o cronista do cotidiano rés-do-chão. O maior entre os maiores. Autor de frases memoráveis como "se eu soubesse o que iria acontecer/ nao teria acostumado minhas coisas com você" ou "se eu fosse uma lágrima eu não te deixaria, ficaria em seus olhos como poesia e todo amor do mundo seria para nós dois". "Eu, Você e a Praça" parece um ajuste de contas do poeta apaixonado e sua musa, de prontidão, na calçada. Impressionista, ela começa assim: "encostei meu carro na praça/E você/ Um tanto sem graca/ Sorriu pra mim...".
Tudo Passará – Nelson Ned: quem não conhece? Te ouvir tomando umas e outras, no rádio do boteco. Hors Concours.

Secretaria da Beira do Cais – César Sampaio: essa é estilo "A Bailarina", pelo título delas, dá para entender onde o eufemismo quer chegar.

Se Amar é Viver – Altieres Barbiero: "se amar é viver, eu vivo porque amo você". O refrão é cantado com um coro feminino, estilo chansoneur francês. Já o Altieres é um Leonard Cohen "bodum", canonérrimo. Outra daquelas declamadas. Aqui, o sujeito é um coitado que encontra um vulto do passado, dos tempos do colégio. Ao ver a sua amada transformada em mulher, ele se esgueira e tenta revelar o seu amor pela mulher que ele encontra na praça, enquanto faz o inventário de sus investidas. Eis que, de repente, uma criança corre aos braços da bela senhora, gritando "mamãe". Para quê! Nosso herói foge, envergonhado: é tarde demais. E canta: "se amar é viver, eu vivo porque amo você...".

Feriado – Gizele, a Madoninha Capixaba: ela não parece com a Madonna, é fanha, não canta nada, é a maior sem noção, mas é a minha musa. Nada melhor para levantar o astral. "Feriado" é, na verdade, "Holiday", numa tradução quase literal da letra. "Seriadão (sic)..leee-gal! Vamos comemorar pelo munduuuuuuuu!".

Seu Amor Anda É Tudo – Moacir Franco: mais um dos patriarcas do brega, Franco também foi chique. E um grande compositor, criador de grandes sucessos, como "O Milagre da Flecha", "Balada # 7".
Ainda Ontem Chorei de Saudade – João Mineiro & Marciano: coincidência. A música é de Moacir Franco, também. Clássico dos clássicos. "ainda ontem/Chorei de Saudade/ Relendo a carta/ Sentindo o perfume/ Mas que fazer com esse amor/ Que me invade/ Mato esse amor ou me mata/ O ciúme".

Prometemos Não Chorar – Barros de Alencar: É aquela do cara que vai abandonar a concubina, e faz um show de histrionismo sádico tentando conformar a pequena inconsolável num restaurante, fazendo-a se humilhar diante dos clientes. "lembra a tarde em que nos conhecemos? Ele: "Foi lindo que aconteceu entre nós. Mas já passou. Já passou. Agora é preciso que nos separemos". Ela: "Chuif! Eu Te amo!" Ele (frio): "O seu café está esfriando, páre de chorar, o garçom está vindo!".

Ainda queima a Esperança – Diana: "todo dia é o mesmo dia/ Toda hora é qualquer hora....Eu não sei por quanto tempo/Vou esquecer o seu amor (...) "está feliz agora, depois que tudo acaboooou". Pior, só churrasquinho grego com cerveja uruguaia quente. Soleado – Francisco Cuoco: Carlão não é propriamente um mentor brega, mas entrou para a história no gênero ao gravar esta canção como recitativo, com uma voz rouca de conhaque vagabundo e cigarro Caporal. A música gira em torno de um corno enigmático, que teria perdido o amor de sua mulher para um certo "bobocudo", e se consola em exclamações como "porque te amo. Te quero! Como te quero!". O babado é que, a despeito do sucesso, Cuoco não ganhou nada como disco. Resolveu botar a antiga Ariola na Justiça, e acabou ganhando a causa, recebendo R$ 100 mil. Pelo menos, de bobocudo, o "Carlão" não tem nada.
Retalhos de Cetim – Benito di Paula: autor de pérolas do cancioneiro, tais como "Tudo está No seu Lugar", a lírica "Eu Amei" e a bucólica "Amigo do sol, Amigo da Lua" , sambista "EMO" revela a tocante história da cabrocha enganadora que o deixou chorando na avenida no meio do desfile de Carnaval.

Quarto de Pensão – Paulo de Paula: em grande estilo, dotado de um precioso senso de narração e descrição, Paulo de Paula é voyeur em "Quarto de Pensão". "Pelo vitrô dentro de um quarto em minha frente/ Vejo um vulto diferente/Mal posso compreender/ Me aproximo com tanta curiosidade/ Porque o vulto na verdade/ Chega a me surpreender/ E por detrás de uma cortina transparente/ surge uma luz fosforescente/ Vejo um corpo de mulher/ que aparenta/Vinte anos mais ou menos/ Pelo que eu estou sabendo/ Meu carinho ela não quer".
Nosso Amor Virou Um Lixo – Carlos Alexandre: está para nascer um "poeta sonhador" como Carlos Alexandre. Bodum total. Ninguém é brega com tanta convicção quanto ele. Depois de "Mulher Traiçoeira", nada como exorcizar um amor perdido com "Nosso Amor Virou Um Lixo".
O Grande Amor da Minha Vida – Bartô Galeno: profeta do goró, Galeno é o cara da música do toca-fitas. É o Jim Morrison do brega. Daqueles que canta três números e desaba no palco, como o líder dos Doors. Desde então, tem conquistado hordas de fãs ardorosos e sequiosos de sua lírica. "O Grande Amor da Minha Vida" é se não a maior, a mais representativa de seu inefável talento: "Amor/ Você não sabe o quanto eu/ Estou sofrendo Amor /Na sua ausência/A solidão me apavora/Amor não consegui gostar de mais ninguém Porque /Você é o grande amor da minha vida".

Princesa – Amado Batista: seresteiro das noites, aquele do "hospital, na sala de cirurgia, pela janela eu via, você sofrendo a sorrir". Quem não se apaixonou por aquela princesa, caixeira de supermercado de subúrbio, com olhinhos brilhantes, cabelinhos "toinoinoin" e um tímido sorriso de dentinhos meigamente tortinhos? "Ao te Ver/Pela primeira vez/ Eu tremi todo/ Uma coisa tomou conta/ Do meu coração/ Com este olhar meigo/ De menina? Me fez nascer no peito/ esta paixão..."

Menina de Trança – Antônio Marcos: emoboy e profeta do goró, o saudoso Antônio Marcos encarnou o romântico evangélico (lembram de "O Homem de Nazaré"), mas ficou menos datado mesmo nas canções de amor como "Volte, Amor" e, principalmente "Menina de Trança", a mais "emo" de todas, com seu arranjo de berceuse. É a história da menina que virou mulher e "esqueceu" de amá-lo. "O tempo tão lindo/ Ficou na lembrança/ Menina de trança/ que falta me faz". É o eterno príncipe dos "emos".

A Cruz que Carrego – Evaldo Braga: ninguém sofreu mais do que ele. Evaldo Briga cantava "sorria" mas, por dentro, copiosamente ele chorava. Ninguém cantava como Evaldo Braga. "A Cruz que Carrego" é a sua maior interpretação. Evaldo Braga sofreu até a morte. "Quem de mim tanto gostava/ Agora me odeia". Foi um gênio em seu curso espaço de tempo.
Dois Sem Vergonha – Lindomar Castilho: lista brega sem Lindomar não é lista brega. Castilho, o cantor que, como diria Ortega Y Gasset, era literalmente o homem e as suas circunstâncias. O rei do bolero trash: "Todo dia a gente briga/ Por ciúme ou por intriga/ Sempre temos que brigar/ Você diz que vai embora/ E eu com raiva nessa hora/ Não lhe peço prá ficar/ É um problema de quem gosta/ quando você vira as costas/ A tristeza me acompanha/ É mesmo um caso sem jeito/ Você vai e volta e eu aceito/ Isso é uma pouca vergonha". Vai encarar?
Índia – Paulo Sérgio: ainda mais com as baquetinhas e o backing do regional mexicano, nada mais cafona, na interpretação viril do inolvidável Paulo Sérgio que, como alfaiate, era um grande cantor.

A Namorada que Sonhei – Nílton César: uma declaração de amor. "Receba as flores meu amor/ E em cada flor um beijo meu/ são flores lindas que eu lhe dou/ Rosas vermelhas com amor/ amor que por você nasceu. Do ex-ídolo da Jovem Guarda tardia, quando ainda vigorava o orgãozinho Lafayette, César, autor de "Férias na Índia" e "Amor, Amor, Amor" canta uma profissão de fé dos casais enamorados na irretocável "A Namorada que Sonhei". "Querida ml vezes querida/Deus na terra nascida/ A Namorada que sonhei".
Coração Materno – Vicente Celestino: o primeiro brega no Brasil, do tempo da Chiquinha Gonzaga. Aliás, ele era ator dos teatros de revista da maestrina. Nos cinemas, virou "O Ébrio". Foi redimido pelos tropicalistas – Caetano e Duprat recriaram essa mesma canção, um tango-canção inspirado num poema popular francês. A voz de barítono de Celestino foi um símbolo do bregão (o termo, aliás, não existia). Quem nunca ouviu Vicente não sabe o que é brega. Nem O Nick Hornby. Hehe.

3 comments:

Nildo Junior said...

Marcelo, tenho dois discos daquelas coletâneas só com músicas bregas. Cadê o Magal na tua lista? Cadê a Kátia, a esposa do Odair José, Perla? Acho que a lista é infindável.

Anonymous said...

cara, já ia te detonar mas acho q vc é o Marcelo Xvier então é o próprio autor... um dos melhores artigos que li. abraço e se vc não for o Marcelo para de copiar!!
http://www.rabisco.com.br/colunas/latim/latim047.htm

Marcelo said...

Sou eu mesmo, abraço!