Friday, February 05, 2021

Conto de Verão



Vinha em enorme velocidade pela Freeway, voltando de Torres. Estava atrasado, era domingo de noite e ele pegava o serviço segunda pela manhã. Havia deixado a família na praia e iria passar a semana sozinho em Porto Alegre, como em todos os seus janeiros.  A noite era quente e sem nuvens e com uma enorme lua branca. A claridade permitia que ele pudesse enxergar perfeitamente a lagoa em todos os seus detalhes noturnos, as luzinhas distantes de casas ao longo da paisagem. Pensava na sua temporária vida de solteiro no verão. De repente, vê na distância um vulto, uma pessoa. Era uma mulher. Uma mulher sozinha na beira da estrada no meio da noite, àquela altura da estrada, completamente isolada de qualquer cidade – a quilômetros de Osósio, longe demais de Santo Antônio. 

E lá estava ela. Parou o carro ao lado da moça. Perguntou: “boa noite, moça. Aconteceu algo? A senhorita está sozinha aqui no meio do nada, e a essa hora?”. À princípio, ela não falou nada, ficou olhando fixamente o perplexo motorista. Olhou para o carro, e voltou a olhar para o homem. Parecia completamente distraída. E estava ali. Não parecia estar indo ou vindo de algum lugar. “Sabe que é meio perigoso ficar aqui a essa hora, ainda mais uma moça tão bela?”. Ela respondeu: “me deixaram aqui. Os carros em geral não param, os ônibus também, tu irias passar a madrugada perdida aqui.Além do mais,a essa hora, não temmais carro para a capital”. 

Ele respondeu: “bem, os ônibus que pegam passageiros na estrada passam por outro caminho, de Osório a Santo Antônio. E as pessoas não dão carona aqui na Freeway. Arriscava tu seres descoberta por uma patrulha Polícia Rodoviária e tomares um chá de banco lá com eles”. 

Examinava a moça, impressionado com sua beleza. Parecia uma moça fresca a inocente e antiga, como a Debbie Reynolds em Flor do Pântano. Isso, parece a Debbie Reynolds em Flor do Pântano. E ela era branca, pálida e usava uma roupa de inverno em pleno verão. “Você ia para Porto Alegre?”, quis saber. “Sim”, a moça respondeu. “Bem, então venha, eu posso te levar”. Ela entrou na carona. E seguiram viagem. Ela não dizia palavra, apenas olhava para a janela. 

Ele puxava conversa, e ela respondia com muxoxos. Em determinado  momento, eles passaram a trocar olhares. Numa  progressão fulminante, eles se beijaram. O avoengo perfume da moça embriagou o homem. Ela se deixou levar aos braços dele.

No meio da madrugada, eles acordaram. Era quase cinco da manhã, e já era quase dia. Incrédulo, ele mal podia acreditar. Mal havia largado mulher e filhos em Torres e já se sentia um Lorde Byron, um Don Juan. Eles chegaram à Porto Alegre, percorreram a Castelo Branco. O carro desceu o acesso e pegou o viaduto da Conceição. “Querida, eu vou te deixar em casa, pode ser?”. Ela olhava o cais e o Guaíba escuro pela janela do carro como se fosse a primeira vez. “pode subir a Azenha, por favor”. 

Ele saiu do viaduto, pegou a Sarmento,  a alça de acesso è João Pessoa e desceu a avenida até a ponte da Azenha. “E agora?”, quis saber ele. Muito séria, ela olhou para a frente e apontou. “pode seguir reto e subir essa lomba. “Meu Deus, acho que ela deve morar na Glória ou na Zona Sul, certamente vou me atrasar”, pensou. E subiu a Oscar Pereira. Quando o carro subia macio a avenida, em frente à Santa Casa, ela disse: “pode parar aqui”. Ela agradeceu, saiu do carro. “Como assim aqui?”, respondeu o perplexo Don Juan. “É que eu moro aqui.Você pode me visitar aqui sempre que quiser.Muito obrigado pela carona”.

Então deu-lhe um último beijo – frio como o éter – atravessou o pórtico do cemitério e desapareceu por entre os túmulos.


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