Wednesday, October 21, 2020

Lembra da MTV Brasil?


Primeira lembrança que eu tenho da MTV Brasil que, se fosse viva, teria completado trinta anos na terça foi ter descncavado em alguma caixa a antena de auréola UHF que estava guardada intacta junto com o manual do televisor CCE que nós tínhamos na sala de casa, na época, um apartamento no Centro.  Eu liguei a antena a um cabo longo e tentei fixá-la no alto da parede, de forma a pegar com o melhor sinal possível. O problema é que eu morava no segundo andar e, mesmo morando num dos pontos mais altos do bairro, na esquina da Duque com a João Manoel, o sotaque era bom mas o semblante era desesperadoramente chuvisquento. Nunca consegui pegar UHF bem ali.

Mas o que compensava era o fato de ter uma tevê nova no cardápio de canais. Naquele tempo a gente assistia bastante televisão. Não era como hoje, que tanta coisa nos prende. Naquele tempo, 1990 ou 1991 – aqui em Porto Alegre a MTV só começou a pegar mesmo mais tarde, era televisão, rádio, uma revista semanal e só. E aquele sensação de colocar no canal 24 era como uma janela para uma outra dimensão. Meu alumbramento é que parecia uma TV pirata, tudo muito improisado, com chroma-key e uns garotos da nossa idade apresentando. Com a popularização do vídeo-cassete e de canais como a MTV é que os nossos hábitos de consumo de tevê estavam gradativamente começando a mudar.  Até então, deenho animado só passava de manhã e clipes apenas em alguns programas, como o Fantástico, o Vídeo Show ou algumas experiências regionais, como o ritmo 20 na antiga Guaíba.

O que me chamava a atenção era que a programação musical era muito diferente daquilo que a gente ouvia nas paradas de sucesso do rádio. Na antena, nós estáamos sob a égide daquele tipo de agenda proposta pelas rádios musicais e gravadoras, então era um tipo de esquema, com muita música brasileira, ainda mais numa época, final dos anos 80 e começo dos 90, onde havia muitos ritmos dançantes e sertanejo na tevê, naquele período onde o rock nacional entrara em decadência e o pop que tocava no rádio era aquele maneirismo Roxette, Paula Abdul, Gerard Joling, Right Said Fred, era um pop farofa com gosto de jabá. E a MTV Brasil, que estava conectada com o que estava acontecendo lá fora, refletia um outro contexto, uma outra cena musical. A gente já tinha ali o boom do rock alternativo, o shoegaze, enfim, todo aquela movimento indie que iria explodir de vez com Pixies, Nirvana e arredores, e que iria ter desdobramentos aqui, porém, mais tarde.

Claro que  a MTV também mostrava o top do mainstream. Por exemplo, quando eu finalmente consegui fixar o canal naquele dia quando eu instalei a antena de auréola na parede, o que passava ali era o “Black or White”, do Michael Jackson, que era já um blockbuster, era a música do momento, porque era o Michael Jackson, porque o clipe tinha efeitos especiais. Mas isso contrastava com o de “Under the Bridge”, do novo disco do Red Hot Chilli Peppers. Prá mim, isso é o começo, o começo do que eu me recordo. Acho que foi a primeira leva de clipes que pareciam emergir da MTV e ganhar as rádios daqui também. Contudo, sempre havia uma distânca muito grande entre o cardápio musical da MTV, bem mais internacional do que o rádio. A nossa jabazera era uma coisa mais com gosto de pastel de quiabo. 

Isso mostra que, desde sempre, desde muito tempo, existia um descompasso enorme entre o que acontecia no mundo do pop e o que era agendado para que nós víssemos ou ouvíssemos. Mesmo em plenos anos, por incrível que pareça, ainda havia esse descompasso. Daqui a pouco, nos anos 80, tinha um DJ farofa local que nos fazia ouvir um eurodance massivamente brega, uma cafonália com lamé cópia mimeografada de um Pet Shop Boys vendido como se fosse o estado da arte do pop, mas que era uma coisa que sequer passava nas paradas norte-americanas ou adjacências. Eu não era um fã do que estava acontecendo no pop daquela época e muito menos aceitava sem reservas o que a MTV produzia. No entanto, era impossível não perceber a diferença entre o que ela oferecia e o que nós estávamos consumindo por aqui antes dela.

É inegável que a história da música e da forma como ela se conformaria ao longo dos anos 90 seria tributário dessa influência. Era o shoegaze e o subpop virando mainstream e prenunciando uma nova onda de rock a partir de cenas alternativas, cujo paroxismo foi o mega-sucesso do Nirvana, banda que nasceu e morreu na MTV. O Acústico deles, de 1994, certamente é um dos, se não o maior momento da história da música pop registrado pela MTV. E, de forma simbólica, creio que nós entramos nos anos 90 com o Nirvana. Porque, na minha visão, existia um pop antes deles e depois deles.

A própria MTV não seria mais a mesma depois do famoso trio de Seattle. A despeito da moda passageira do grunge, no sinuelo do Nirvana todas as cenas alternativas tomariam de assalto para o que seria um novo levante do rock nos anos 90. Parece que Cobain e seus amigos reabilitaram a guitarra sem a pompa, ciscunstância e bodosidade pretensiosa do hairy rock dos anos 80.  A partir dali, uma nova cena de rock nacional surgiria, com bandas como Skank, Raimundos, Cidade Negra, O Rappa e outros e essas bandas encontrariam seu caminho pela MTV, enquanto outros artistas jovens há mais tempo, como Titãs, Rita Lee e Paralamas remoldariam suas respectivas carreiras a partir do Acústico. Foi quando a MTV de fato começou a ganhar uma cara brasileira, o que a diferenciava do começo, quando o pop internacional e bandas desconhecidas da gente apareciam mais. 

Nessa época, em fins dos anos 90, eu não precisava mais brigar com a antena de auréola UHF: nós já tínhamos recém assinado a NET e a imagem da MTV estava impecável. Mas em 1994, quando Cobain se matou e a MTV passava o dia todo o Unplugged deles, ainda ainda assistia ao canal com aquele chuvisqueiro característico dos primeiros tempos.  

Para mim, o grande momento foram esses primeiros anos. Eu confesso que tinha uma implicância com eles porque eles não passavam Beatles (e nem pareciam gostar deles). E só conseguia assistir ao canal de fato de madrugada, quando eles passavam clipes antigos. Lembro que vibrava quando aparecia um trecho do Concerto de Bangladesh com o George tocando “Here Comes the Sun”. Hoje isso tudo está no Youtube.

Essa fase inicial muito louca, muito cool, de chroma-key, com aquela cara de tevê pirata era a ideal. Infelizmente os tempos mudam e nem sempre para melhor. O paradoxo é que finalmente quando eu pude assistir a MTV com qualidade de imagem o conteúdo não me interessava mais. E a internet, a partir dos anos 2000, passaram a mudar o foco da gente, em especial o meu, que foi gradativamente deixando de ver tevê. E hoje, com a Internet, nem o rádio musical mais tem essa capacidade de prender os ouvintes, que cada vez mais comandam a sua dieta musical, dispensando disc-jóqueis ou VJ. A própria MTV acabou se vendo na necessidade de, à medida em que sua audiência se renovava e a televisão também, a optar cada vez mais por programas ao vivo ou de auditório. Da última vez que eu me lembro de assistir à MTV, parecia que eu estava assistindo a um canal qualquer. Mas fica a lembrança da velha MTV Brasil daquele começo dos anos 90, quando acabou com a farofa do jabá dos rádios daqui e acabou com aquele descompasso entre o pop daqui e o do mundo, em pleno processo de globalização, um assunto que se discutia muito naquele tempo mas que hoje soa meio redundante.  


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