Friday, April 10, 2020

Phono 73 e o fim de Era dos Festivais


Promocional do álbum Phono 73




Numa coluna, em 73, o Sérgio Bittencourt bate na tecla que a ascensão da cafonália foi provocada pelo fim dos festivais, ou dos que teriam se rebelado contra ele ou porque queriam se dar bem e só ou os que, na impossibilidade de vencer os certames, passou a pixá-los. E, com o seu fim, os grandes compositores foram saindo de cena, enquanto o brega começou a grassar nas paradas de sucesso.
Eu acho que hoje é possível ter uma outra visão do fenômeno. Na virada da década, houve um aumento exponencial de consumo e de produção de discos e equipamentos eletrônicos. Ao mesmo tempo, um novo segmento de público passou a consumir música, uma extração mais popular, por assim dizer, e essa produção veio de encontro dessa demanda. 

Ou seja, digamos que houve um aumento de público consumidor, que passou a ouvir rádio musical popular, que foi crescendo pela década, e que ia muito além (produção e consumo) da circunscrição da música de festival. Aliás, música de festival que, nos seus últimos anos, como mostra o Zuza Homem de Mello (*), havia, por várias variáveis e vários motivos, perdido o espírito competitivo, minado pela censura e por intrigas de bastidores. Ele demonstra que os festivais acabaram como tudo na vida acontece em ciclos. 

E o ciclo dos festivais acabou ali, num momento em que a correia produção-consumo chegou a uma espiral ascendente, abrangendo públicos mais amplos, e quando o mercado passou a avaliar a produção, dentro do âmbito da indústria cultural, a partir de aferições cada vez mais de ordem estatística, institutos de pesquisa, paradas de sucessos, ou seja, armou-se, a partir dali, a indústria da música virou uma máquina, algo totalmente diverso do mundo romântico dos festivais. Eles apontaram possibilidades, que era a produção para um consumo de massa, ainda mais quando passaram a explorar a televisão, e depois, em rede, com a Globo. Em uma década de festivais, de “Arrastão” até “Fio Maravilha”, muita coisa mudou. 

E os próprios festivais, com seu formato e âmbito (no começo, atingiam ainda um público restrito, quando a televisão ainda buscava espaço e não era transmitida em rede, no começo dos anos 60), foram um produto importante, mas num determinado contexto e numa determinada época. De tal forma que tentativas de recriá-lo, nos anos 80 (Festival dos Festivais, MPB Shell) tinham mais um sabor de nostalgia do que de uma possibilidade de ‘renovação’ dentro do campo da música. O próprio púbico (consumidor de música) já tinha adquirido novos hábitos: consumia música no rádio musical popular, nos programas de tevê como Chacrinha e Globo de Ouro ou Fantástico, e as novelas de tevê. 

Os festivais, por sua vez, não morreram, mas perderam esse apelo ao mainstream, já enquadrado pela cultura de massa; mas sobrevivia nos circuitos alternativos e universitários, já buscando um respectivo público segmentado para a sua apreciação e, muitas vezes, distante do mercado da música.

Numa outra coluna, em julho de 73, Bittencourt volta a criticar o franco comercialismo das paradas de sucessos, com o fim do Festival e o fato de que não haveria mais o certame a partir daquele ano. O de 72 fora o último. Ele fala dos que passaram a se queixar da questão das paradas de sucesso como corolário do fim do FIC, citando os grandes nomes que surgiram e que pontificaram naquele tempo, como Sidney Miller e Edu Lobo. 

A questão é complexa e vai além do que supõe a vã filosofia do Sérgio. A MPB estava vigiada desde 69, os compositores mais proeminentes foram tanto largando a causa do festival quanto partindo do Brasil, enquanto a ditadura queria controlar totalmente a estrutura do FIC quanto, como diz Zuza, querer vendê-lo como exemplo da ilha de tranqüilidade do Brasil dos tempos do governo Médici. Sabendo disso, como ocorreu em 71, muitos grandes nomes boicotaram o FIC. E o evento estava com os dias contados,se transformando num espetáculo do baixo clero da música. Ao mesmo tempo, a indústria do disco começava a ela mesma ditar o sucesso, sem precisar da mediação de um festival da canção. 

Foi o caso do PHONO 73, apresentado no Ahiembi, e que era uma espécie de festival sem concorrentes, já que era, na verdade, uma vitrine do cast da Philips transformado em evento musical. Ou seja, a estrutura de festival já não correspondia à demanda da produção musical brasileira (já que ele mesmo, por si, tratava de formar suas próprias capelinhas dentro do campo da música). 

O festival como evento não era mais novidade, não servia mais como amostragem do que se produzia de “bom” no Brasil, as gravadoras por si já estavam fazendo a sua rescolta de artistas e os promovendo por conta própria (CBS e Phonogram compravam grandes espaços nos jornais, rádio e tevê para divulgarem seus lançamentos e seus artistas). 

O próprio fenômeno do Globo de Ouro era um exemplo bem acabado de como a música foi encontrando caminhos diversos para a divulgação de seus artistas. Ela passou a mediar a produção musical, ao passo que um festival, por todos os fatores elencados acima e outros tantos mais, não dava mais conta do que se fazia em termos de música e do que era vendido no mercado. 

Para mim, por mais correto que queira ser a observação do Bittencourt, ele é mais a opinião de um compositor e que se fez dentro da estrutura dos festivais, Então, ele não deixa de referendar uma opinião de classe, ao mesmo tempo em que rejeita tudo o que seja sucesso e que não passa pela chancela de “especialistas” de um corpo de júri de um festival, mesmo ao se tratar do FIC que, a cada ano, estava cada vez mais eletrônico, por um lado, enlatado e vendido pela Globo e, por outro, transformado num produto para, no fim das contas, vender a própria Globo como marca. Ao vender o FIC, a Globo estava se vendendo para o Brasil e o mundo.  Esse, à guisa de conclusão, foi o fim do FIC.  Em resumo: o fim do FIC não foi causa desse processo mas, sim, conseqüência dele.

Outra questão bem da época e levantada pelo próprio Bittencourt ao repercutir a pouca procura por ingressos ao show do Gilberto Gil no Teatro da Praia, no verão de 73. O Gil havia chegado de Londres, onde a cena underground era bastante forte. Assim como a Gal havia pontificado com o show Fa-Tal no fim de1971, aquele foi um momento da MPB alternativa. Mas em 1973, assim como nem festivais como o FIC davam conta da realidade da produção musical da época, o certame ainda se prestava a ser um cartão de visitas do Rio (como apregoavam as vinhetas na Mundial na ocasião do FIC de 72) que, naquele momento, do ponto de vista cultural, parecia olhar para si mesmo ou apenas para a Zona Sul. 

Tanto que, num segundo momento, o empresário de Gil e Gal, Guilherme Araújo, passou a agendar apresentações de seus pupilos nos subúrbios da cidade, como, por incrível que pareça, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. Ao que parece, o pensamento dos artistas na cidade ainda pensava como no tempo do samba-canção embora sem a Nacional ou a Tupi ou a Revista do Rádio. 

Ou, por outra, pensava como no tempo da Bossa Nova, num segundo momento, promovendo apresentações ou pocket shows em bares modestos remanescentes em Copacabana ou alternativas no mesmo sentido, com em churrascarias na Tijuca, Peixoto ou Humaitá. Um evento que, de certa forma pareceu uma resposta a esse estado de coisas foi o Phono 73. 

Com cara de festival, mas sem ser, foi apresentado em São Paulo, onde o mercado é mais forte, vendendo os artistas da Polydor e Philips. Aqui, não se trata de mera competição mas, como nos moldes do MIDEM europeu, a estratégia é vender o cast da gravadora para todo o Brasil. O que era preciso nesse momento era marketing pesado para vender cantores para todo o Brasil, voa televisão ou rádio, mas de forma massiva, de forma a compensar os gastos com prensagens de disco. Parece óbvio hoje, mas não era naquele tempo, quando ainda boa parte da indústria fonográfica ainda pensava de forma paroquial. 

Por uma questão purista, artistas da MPB nascentes queriam ainda viver tocando em universidades ou em teatros de pequeno porte, como o da Praia, Opinião ou o Teresa Rachel, e de preferência no Rio ou adjacências. Por um lado, esse marketing agressivo não apenas torpedeou a carreira desses artistas quanto aqueceu o mercado da música a partir dali. 

Essa foi a importância do Phono naquele momento, um passo a frente diante do impasse gerado pelo fim dos festivais de grande porte (sempre lembrando que certames de pequeno porte ainda resistiam, tanto em cidades pequenas quanto dentro do circuito universitário). O lado ruim, naturalmente, foi a especialização desse mesmo marketing, que desaguaria no jabá do FM e da tevê via satélite, nos anos 80, uma prática que já existia desde muito antes, mas que chegaria a um paroxismo na década seguinte.

Nesse sentido, olhando em retrospectiva, iniciativas do Phono 73, a despeito de sua pretensa excelência, pelo fato de contar com o melhor escrete da MPB da melhor época do gênero do Brasil, quando a música, aí sim, singrava em mares de tranquilidade em termos de criação e descomprometimento com o mercado do disco começava a atingir um outro patamar como produto cultural. Isso também explicaria porque a Globo, depois de dispensar o FIC, no mesmo ano, criaria o Globo de Ouro, dando primazia à parada de sucessos e a transformação de um programa musical num desfile promovido através de fontes como o Ibope, Nopem e consulta à produção de emissoras de rádio de Rio e São Paulo.  Mas aí é assunto para outro post que, como diria o Ibrahim, depois eu conto.  


* Zuza Homem de Mello, A Era dos Festivais. Ed. 34, 2000. 

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