Sunday, May 06, 2018

A Salvação do Rock


Leio matéria do UOL sobre o Greta Van Fleet, anunciando a banda como a salvação ou, entre aspas, a "salvação".

Isso nos leva a pensar em duas coisas. Primeiro, a ideia corrente de que o rock esteja morto ou, entre aspas, "morto".

Vou dar a minha opinião apenas, justamente a fim de dizer que não quero estabelecer verdade nenhuma. Acho que os estilos não morrem. Aliás, alguns dizem que alguns gêneros são, na verdade, movimentos, como Tinhorão refere-se à Bossa Nova, por exemplo. Nesse caso, não poderia morrer porquanto, segundo ele, ela nunca teria existido).

Os gêneros não morrem. Claro que penso naqueles que nasceram sob a égide da indústria cultural, como o jazz e o rock.

O jazz teve uma fase de massificação no final dos anos 30 e pelos anos 40 afora. A sua recepção era totalmente de jovens. Foi quando o gênero, numa posterior, saiu dos guetos de Chicago e Nova York e foi enquadrado pela indústria fonográfica como swing e ganhou os meios de comunicação, tornando-se a música que melhor plasmava o imaginário das bobbysockers. No período pré-guerra, band-leaders apresentavam-se em programas de rádio em onda curta para quase todos os Estados Unidos. Foi o primeiro grande fenômeno de massa de um estilo de música popular na aurora da indústria cultural.

O swing chegou a sobreviver anos após a 2ª Guerra mas, como ocorrera com seus ouvintes, foi envelhecendo. No final dos anos 50, ele sobrevivia quase que novamente em redutos, agora Las Vegas, onde gente como Louis Prima e Frank Sinatra.

Mas o jazz morreu? O jazz se reinventou pela estrada afora, com a carona dos beatniks, com o cool jazz, jazz fusion e a mistura com o outro estilo que quase o desbancou da história, o rock.

O rock passou por um processo parecido ao jazz. Uma música segregada que passou pelo mesmo processo de enquadramento e embranquecimento por parte das gravadoras com vistas a buscar o público jovem. Assim como ocorrera com o jazz, o estilo ganhou foros de sofisticação, tornou-se música "adulta", isto é, mais para se ouvir do que para dançar - não que ela não pudesse corresponder às duas coisas. Mas, nos anos 70, ouvia-se rock quase da mesma maneira que ouvia-se o bebop nos anos 50 (embora o progressivo fosse, de forma manifesta, mais escapista do que queria ser o bop e seus seguidores).

Porém, ao contrário do jazz, o rock passou por pelo menos três gerações emplacando nas paradas. Nesse meio tempo, ele ganhou uma insidiosa aura de guia da juventude ou de música que conseguia andar pela calçada da fama do establishment mesmo sendo incorentemente ou coerentemente anti.

Por conta disso, é possível entender esse imaginário de que o rock desempenha uma função social e que espera-se dele que desponte em seu horizonte um novo messias, vamos dizer assim, um sebastianismo roqueiro. Pelo resto da vida, vamos esperar pela vinda do encoberto, do band-leader que irá levantar multidões num show de arena, como um Freddie Mercury, por exemplo. Esse é o santificado imaginário do rock.

Mas eu acho que, imaginários à parte, o rock de carne e osso passa pelo mesmo processo de seu ancestralóide, o jazz. Assim, eu volto à questão. O rock está morto? Não. Mesmo que, para provar isso, eu cite as centenas de artistas que encontraram sobrevida depois dos 70, do Who, até Ozzy e os Zombies. Que público é esse que os descobre, que os reverencia? Por que o legado deles é tão expressivo e tão duradouro, mesmo que, em determinadas fases, e tantas vezes, decretou-se o fim do rock? Quantas vezes você desejou a aposentadora dos Stones e depois foi a um show deles?

Se o rock morreu? Ele provavelmente segue o seu curso natural. A verdade é que existe um descompasso entre o que os jovens escutam hoje o rock. É difícil para um roqueiro admitir que o seu culto é pura nostalgia. E a indústria do disco também sabe disso. Tanto que ela o vende como produto segmentado, como nessas ondas de vinil 180g. que, queira ou não queira, é pura indústria da nostalgia.

Nostalgia até do tempo que o rock era coisa do demônio, lembram? Uma pessoa empunhando uma guitarra era um anjo caído; hoje, qualquer moleque toca guitarra em casa como quem brinca de autorama...

O que não quer dizer que eles estejam errados. A verdade é que o rock é um gênero que nasceu com o disco. É como se fosse uma grande estufa no tempo e no espaço, onde tudo nasceu dentro desse contexto e dessa recepção. O rock cumpriu a sua função como gênero dentro dessa redoma. Porém, muita coisa se perdeu com o tempo, mas foi sendo redescoberta com o advento da internet.

A internet permite que façamos o caminho contrário. A internet possibilita que seja possível uma arqueologia do rock. Através dela, hoje, podemos conhecer coisas que sequer saibamos que existia e isso pode influenciar esse mesmo imaginário dentro do rock.

Hoje é possível conhecer muito mais de música antiga, como a ars nova, até o ocaso da polifonia e toda a produção que sobreviveu em partituras, desde a Escola de Notre Dame até Palestrina, ou toda a obra de Vivaldi que, por sinal, transcende a música "de câmara".

Da mesma maneira, existe uma produção de meio século de rock que ainda está sendo desencavada. Esse processo de arqueologia musical pode mudar todo o curso do estudo que fazemos de história da música e da arte

Acho que, por isso, o rock não morreu, ele deixou o mainstream mesmo que paradoxalmente aparecendo, seja na figura de um veterano (que nunca irá lançar um clássico) ou de uma novidade que, como diria Pound, é uma imitação. O resto são diluidores. É uma teoria. Mas não há problema nisso. O resto é mistificação e pretensão.

Por último, fica a questão, se o rock precisa ser salvo. Creio que, para um gênero que sempre foi pintado de vermelho e com chifrinhos, como o Brasinha, nem ficaria bem. 

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