Tuesday, April 10, 2018

O Último Morador do Sobrado


Sobrado dos Verissimo, em Cruz Alta

Esses dias eu reli as duas últimas partes do Arquipélago, do Erico Verissimo. e fiquei imaginando: o que teria acontecido aos personagens do romance a partir dali?


Então pensei numa história - que acabei abortando, de inventar uma história de um repórter quem, movido por pura curiosidade, depois de encontrar uma nota dando conta de que o sobrado de santa Fé havia sido tombado finalmente, no final dos anos 90, com a morte de Sílvia Cambará, a última moradora do casarão.

enviado à Santa Fé, ele descreve a cidade como se encontra hoje. Não muito diferente das cidades do interior do Rio Grande. Na verdade, acho que o Erico quis dar à Santa Fé, assim como em Antares, fumos de pequena metrópole, algo que é difícil de conceber, ainda mais naquela região serrana do estado. Para tanto, basta ver a cidade que tem duplicidade com a dos personagens de O Tempo e o Vento: Cruz Alta. Apesar dos pesares, ainda é uma cidade pequena, cuja inanição permitiu que muito do casario permanecesse, principalmente naquela região próxima à antiga estação de trem, com suas ruas fatigadas e sobrados de telhados avoengos.

O repórter chega à Santa Fé. Descobre que o Clube Comercial, o Schintzler e a Casa Sol ainda existem, porém sob nova direção. O cinema é agora uma igreja evangélica. O busto de Lauro caré, da praça, foi levado com todo o bronze. Já a herma de d. Revocata ainda está lá, contudo sem o óculos, que foi arrancado, por pura diabrura de algum moleque.

Ao deparar-se diante do sobrado, ele percebe que o prédio está bem preservado, porém fechado há tempos, desde a morte de d. Sílvia. Como acontecera com as outras moradoras do casarão, D. Bibiana e D. Maria Valéria, Sílvia viveu muito tempo. Conversando com vizinhos, descobriu que o atual responsável pelo prédio é um filho dela, um certo Licurgo, que mora na antiga fazendo de seu Babalo. Marcam um encontro no dia seguinte, ali mesmo.

O repórter fica admirado ao entrar no casarão: tudo está preservado. Tombado, o prédio iria destinar-se a ser museu — explica o único filho de Sílvia. No entanto, não há verba estatal. Enquanto a situação fica em compasso de espera, o sobrado dorme seu sono secular de móveis cobertos por lençóis — inclusive o hierático retrato do dr. Rodrigo Cambará, que parece um fantasma de tempos passados.

Que fim levou os Terra Cambará, pergunta o repórter. "Papai morreu campereando, caiu do cavalo", revela Licurgo. segundo ele, isso foi quando ele ainda era criança. "Mal conheci papai", diz. Licurgo conta que Irmão Toríbio foi para Santa Maria, onde virou professor marista, viveu lá por muitos anos, onde morreu. Tio Bicho adoeceu e foi para Porto Alegre. Dali em diante, não se sabe o que aconteceu. dizem que foi parar no São Pedro.

E Floriano? "Foi para o Rio com D. Flora. Depois que ela morreu, ele assumiu a direção do Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos, em Washington, onde passou o resto da vida". O filho de Jango conta que, porém, ele esteve em santa Fé no final dos anos 50, especialmente para escrever a continuação daquele livro sobre a história da família. "Foi a última vez que mamãe e tio Floriano se encontraram", revela.

Depois da morte de Jango, Sílvia ficou sozinha. Acabou tornando-se a última senhora do sobrado. O neto do dr. Rodrigo explica que, com o tempo, era difícil para uma pessoa só dar conta do sobrado inteiro. "Depois da morte do vô Rodrigo, a família foi se desintegrando", revela. "Parece que o Sobrado, que foi um esteio da família, tinha a vocação de um útero vazio. D. Bibiana tanto sonhou com uma família que enchesse o sobrado, mas esse prédio parece ter a vocação do abandono", entende.

Ele conta que, na verdade, ele passou a viver e cuidar do Angico, até que se viram obrigados a vender as terras. "Lembra da quele menino que era bom em matemática, que mamãe menciona no diário do livro do Tio Floriano, de quando ela dava aulas aos moleques do Angico?". Respondi que não. "Pois ele cresceu, virou doutor e fixou rico, acabou comprando o Angico" diz. Licurgo explica que sacrificar a estância foi a forma de preservar o resto. Ele herdou as terras do seu Aderbal, mas Sílvia não quis arredar pé do Sobrado.

D. Sílvia viveu os últimos anos como Hiroo Onoda, aquele soldado japonês que, finda a guerra, continuou lutando. Porém, o seu combate era a preservação do Sobrado. Ela sabia que, como D. Bibiana, a sobrevivência do prédio dependia dela. "Certamente que, se não fosse por ela, o sobrado já havia sido demolido e transformado num estacionamento ou coisa parecida", diz o último morador do Sobrado. "Ela me dizia que D. Maria Valéria lhe contara da história daquele terreno, e do esforço sobre-humano que D. Bibiana empreendeu para que o casarão ficasse com os cambarás".

"Falando nisso, e D. Maria Valéria?", quis saber. "Ela viveu mais um ano depois da morte do vê Rodrigo", disse Licurgo. "Curiosamente, ela e o seu José Lírio, o Liroca, morreram no mesmo dia, curioso, não?". De fato, por essa nem o Erico Verissimo imaginaria...



No comments: