Friday, April 07, 2017

Não Seja Já! *

Se eu tiver que morrer na flor dos anos por favor meu deus onipotente onisciente e onipresente por favor eu lhe imploro de joelhos por que o que há de mais sagrado por favor please please me não seja já eu quero ouvir na laranjeira à tarde cantar suspiros e saudades o sabiá nas palmeiras de minha terra amada e abençoada que há de tragar a minha derradeira última quimera que a bicharia há de roer todo o meu coração quando em meu peito rebentar a última fibra que me enlaça à dor vivente ai meu deus não me d~e esse tamanho desgosto pelo menos esse não por favor se eu tiver que morrer que não seja já que eu queria ver tanta coisa meu deus tanta coisa my sweet lord que anda na cabeça são tantas bocas que estão falando alto pelos botecos o que vive nos mercados o anil lavado vagando de verso em verso o azul dos céus suburbanos da leal e valorosa que eu quero pisar nos astros distraído não seja já pelo amor do senhor por favor que eu quero ouvir o João Gilberto cantar o pato que não é o pato que ganhou sapato e foi logo tirar retrato mas é o que vinha cantando alegremente quém quém que eu quero ouvir o Dorival cantar os clarins da banda militar e a Doralice e a Marina e a Rosa Morena e o samba da minha terra quero ver as três mulheres do sabonete araxá às 4:00 da tarde meu deus não seja já como dizia o Casimiro poeta pálido e triste lá de Indaiaçu, terra litorânea bonita e serena de entardecer enluarado saravá não me deixe morrer se não eu vou ficar triste de dar dó e o médico disse que é nervoso se eu tiver que morrer eu vou com gosto de fel para a sepultura e o céu até deve ser legalzinho mas não tem o Cruzeiro do Sul meu deus o Cruzeiro do Sul eu não quero ir deixar o meu Brasil varonil país do futuro nossos bosques têm mais vida que é país que vai prafente meu sr meu coração é verde amarelo branco azul anil ninguém segura esse país de todos os santos baianos barroco de pau ôco meu deus me leva sodade inté meu São Sebastião saravá oh eu não quero morrer que a vida é a arte do encontro embora sejam demais os perigos desta vida pelo amor doc~e não me deixa morre que caramba caramboles sou do samba não me amoles que eu quero ver Peri beijar Ceci quero ouvir meu bom disco de Noel que faz dança as arvre do arvoredo e faz a lua nascer mais cedo eu queto ver as jeunnes filles en fleur bicicletantes nas tardes ensombradas de coqueiros quero vestir camisa listrada e sair puraí em vez de tomar chá com torrada quero tomar Paratí se eu tiver que morrer palhaço das perdidas ilusões não sê tão ingrato meu deus espera um pouco, um pouquiiiito más já dizia o bodisatva julio igresias não sê tão ingrato meu deus do céu quero rever meu guaíba rever meu bem querer quero ler o róseo que é leitura indispensável quero terminar de ler aquele Eça que eu parei no ano passado e não continuei mais e esqueci a história quero ver quero ver quero ver me importo por favor me dá uns dois ou três anos pelo menos ó insensato coração porque me fizeste sofrer meu deus por favor não sejá já!






















[inner groove]























* Esse texto tirou terceiro lugar num concurso do Diretório Acadêmico Manuel Bandeira, em 1996, ou seja, há vinte anos. A história dele é engraçada, por isso eu decidi resgatá-lo (ia postar no ano passado, mas acabei protelando e protelando e protelando). Os textos selecionados foram publicados pela PUCRS através do Instituto de Artes, em 1997. Meu texto, uma brincadeira glosando clichês romântico-nacionalistas em fluxo de consciência, Casimiro de Abreu e uma crônica de Vinícius de Moraes (do Para Uma Menina Com Uma Flor, na época meu livro de cabeceira). é divertido transcrevê-lo e lembrar da época da criação dele. Ocorre que, em 1995, eu estagiava num jornal de bairro no Moinhos de Vento. Quando coube a mim fazer a crônica, mandei para o editor esse texto, assim, desta maneira, sem pontuação. Qual não foi minha surpresa quando o texto fora recusado! Acabei brigando com ele infantilmente, com direito a torcida contra e a favor. No fim, perdi a queda de braço e tive que escrever outro texto, dessa vez, com pontuação. O editor me fez, todavia, uma ressalva: publicaria o texto se eu o pontuasse. Como eu entendi que isso estragaria todo o espírito da coisa, eu mesmo vetei o texto. Foi quando, um ano depois, apareceu notícia do concurso do DAMB. Como naturalmente esse texto em fluxo de consciência seria desclassificado como crônica por naturalmente não se enquadrar no gênero. Inscrevi ele em poesia, onde foi selecionado. Porém, sempre achei uma besteira, pois não considero isso poesia. Antes, porém, mandei o obscuramente polêmico "Não Seja Já" para um professor, Gilberto Scarton (naquele tempo eu fazia as cadeiras básicas de Português Aplicado À Comunicação e estava mais ligado às coisas do curso de Letras do que de Comunicação Social, o que era fácil de acontecer quando a gente fica perdido naquele limbo de cadeiras iniciais, onde não se mexe quase nada com o curso pelo qual nos inscrevemos e passamos no concurso vestibular) como exercício de aula, que achou o texto sensacional. Naquele momento, depois da recusa da publicação pelo jornal, eu queria é me livrar desse texto que, a rigor, como sempre acontece quando, com o tempo, a gente começa a estranhar o que produziu, era como se ele elogiasse algo que não era de minha autoria. Um rapaz, que também fora selecionado, me interpelou nos corredores da Famecos, onde estudava. Ele perguntou se eu já tinha lido Joyce. Respondi que sim mas, na verdade, ainda não tinha lido, embora soubesse do monólogo do final de Ulysses. No fim das contas, a única lição que eu tirei desse episódio é que eu deveria ter feito Letras, e não Jornalismo.

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