Friday, August 21, 2015

Tempos Modernos


Edna Purviance e Charlie Chaplin em The Pawn Shop

Tava vendo a notícia de um detento que rasgou o alvará de soltura porque, segundo ele, era melhor ficar na cadeia. Isso me lembrou uma cena do Tempos Modernos, quando o Carlitos é solto por bom comportamento e não quer sair, até porque ele se acostumou com a rotina e já sabe muito bem como é a vida lá fora.

A primeira coisa que ele faz quando sai é entrar numa confeitaria, pedir um petit déjeuner, faz uma lauta refeição e, depois, diz para a balconista que não tem dinheiro, pede licença, vai até a porta, assobia para o guarda. explica a situação. Ele, naturalmente, é algemado e sai feliz para o xilindró.

Há pouco tempo atrás, resolvi assistir a todos os filmes do Chaplin, inclusive as suas últimas produções. Li também a sua autobiografia, o Minha Vida.

O curioso nisso tudo é que, depois dessa avalanche de informação, não consegui olhá-lo com os olhos de um fã. Pelo contrário, acho ele um sujeito maluco, um completo maluco. No entanto, acho o Carlitos uma criação sensacional depois de ver toda a influência de sua vida miserável na Inglaterra e sua experiência precoce nos teatros britânicos como um background fantástico para a elaboração do personagem do vagabundo.

Carlitos virou um ícone riponga, até pelo seu famoso discurso humanista, no fim do O Grande Ditador, filme pelo qual não consigo nutrir grande empatia. Nem mesmo o Tempos Modernos.

Quando à este, ficou marcado pela crítica ao fordismo e suas consequências. Mas o que mais me chama a atenção na película é o outro lado do trabalho, o desemprego. Carlitos é obrigado a trabalhar. é perseguido pela polícia. na sequência de sua prisão, ao invés de ser recolhido, conhece a flapper Paulette Godard, que faz com que ele mude seus planos. sua luta contra o desamparo, a falta de teto, a fome, a despeito dos êxitos, eles são sempre acossados, até o fim, pela polícia.

O que me choca, aliás,revendo os filmes, é o excesso de violência. Principalmente Easy Street. Filme da Mutual, de 1917, um dos últimos onde aparece Eric Campbell. O filme é um primor de violência gratuita, além de cenas de uso de drogas: eram os tempos anteriores ao famoso Código de Hollywood.

Em Easy Street, um homem amedronta Edna Purviance depois de injetar-se com heroína. De forma involuntária, durante o confronto, Carlitos (de policial) acaba sentando na agulha com a droga. Alucinado, como se tivesse tomado a poção mágica do Panoramix, ele liquida com a gangue que amedronta o bairro.

Daí lembrei-me que Chaplin usou a mesma ideia quase vinte anos depois, em Tempos Modernos. Nesse caso, um detento esconde cocaína num saleiro (por sinal, essas cenas de drogas passam batido quando lembramos dos filmes do Carlitos). Nosso herói distraidamente põe na comida na cena do refeitório. Dopado, ele enfrenta sozinho uma rebelião. Por conta de sua bravura, é por isso que ele é beneficiado com a liberdade. é solto à contragosto - e voltamos ao começo do meu plá.

Chaplin foi passando o Carlitos à limpo. Em O Grande Ditador, ele já havia passado do ponto. Estava distante daquelas comédias da Keystone - quase todas muito ruins, por sinal.

Claro que posso estar analisando fora do respectivo contexto. Imagine que aqueles primeiros pastelões foram produzidos há exatos cem anos. Naquela época, acho que só Griffith levava a sétima Arte realmente à sério, como se fosse um Homero do cinema. Pastelão era a alma daquele tipo de entretenimento barato. Os enredos inexistem. Por isso, poucos hoje se lembram de todas as películas chaplianas daqueles primeiros anos. Da Keystone, gosto muito de Laughing Gas, que é tão ruim que é ótimo.

E o meu preferido da Keystone nem é um filme dirigido pelo Chaplin: Tillie's Punctured Romance, que é dirigido pela Mack Sennett e estrelado pela Marie Dressler. Charlie faz um papel que sequer é o seu vagabundo.

O melhor Chaplin e o melhor Carlitos, para mim, são com a Edna Purviance. Ela é sensacional por quebrar a grosseria como um contraponto suave e doce ao pastelão infrene. ela tinha um jeito de atuar que era espontâneo, e esse era o seu trunfo. Aí já entramos na fase da Essanay e da Mutual. A edna é o melhor Chaplin. Aliás, esse post deveria ser somente para ela. seu sorriso em The Immigrant é apaixonante. Ela é sempre o melhor momento do filme.

No A Dog's Life, ela protagoniza uma cena hilariante como singer num café-cantante imundo, levando todos às lágrimas (de esguicho) cantando uma ária triste. Depois, é obrigada a flertar com Carlitos para que ele consuma no bar. Depois, ela é demitida, mas descobre que o vagabundo é como ele: dois desamparados na chuva. Ou ela vestida de homem para arrumar trabalho em Behind the Screen, beijando Carlitos ante os risinhos de um contra-regras.

Acho que o último filme da Edna é o The Kid. Ela é a mãe do menino. A cena em que ela faz um mimo à ele no beco sem saber que está com seu filho e vai embora depois de um suspiro é de cortar o coração. Se não, reveja.

Depois, vieram a Merna Kennedy (O Circo), Georgia Hale (Em Busca do Ouro) e a Paulette Goddard. Mas nenhuma se compara à musa eterna em nossos corações Edna, que sequer era atriz.

Acho que esse vídeo vai me dar razão:









No comments: