Saturday, March 07, 2015

Jornalismo Furão


Pica-pau e seu amigo predador


Foi destaque essa semana (dia 3): A inusitada imagem de um furão agarrado a um pica-pau em pleno voo se tornou "viral" na internet e ganhou inúmeras montagens - chamadas de "meme".

Além dessa, tomou conta da Internet (dia 5) o estado de saúde de Jack Nicholson. De acordo com a notícia, o ator americano, de 77 anos, estaria em “estado avançado” do Mal de Alzheimer e sequer lembrava de seu próprio nome.

Pouco mais de 24 horas depois, soubemos que a notícia sobre Nicholson, cuja fonte era a revista Star, era falsa. Ou melhor, meio verdadeira. A grande repercussão oriunda do episódio foi que, a partir dessa fonte, centenas de portais de informação passaram a endossar a matéria da Star.

Em outras palavas, foi uma enorme e insubmersível "barriga" (jargão jornalistico) pago por inúmeros sites que, por tabela, talvez observando como a (má) notícia (boa notícia é a má notícia, já dizia o meu professor de Introdução do Jornalismo) prometia puxar milhares de cliques de internautas.

Ninguém fez o básico, que seria checar a informação. Em parte talvez porque como se todo mundo estava apregoando isso, pela lógica, só podia ser verdade. Segundo, e talvez justamente por isso, como a tendência hoje é demitir semanalmente jornalistas de carreira em favor de estagiários, que já são a maior parte da mão-de-obra atuante no mercado de trabalho jornalístico, as empresas não tem interesse em ter qualquer tipo de comprometimento com qualidade de informação. A culpa, é lógico, não é dos estagiários.

Ou, pior, no fim, vai ser sempre deles. Hoje é fácil entender por que existem tantos deslizes como a barriga do Jack Nicholson, erros de revisão, digitação e banalização da pauta dos portais na Internet.

Quando algum dono de jornal decidiu que, com o advento da convergência digital, era preciso "reinventar-se", ele optou por demitir profisisonais e terceirizar o gilete-press.

A outra epifania do dono do jornal foi franquear à estudantes a mimetização do jornalismo "Buzzfeed" tão caro à linguagem de redes sociais como o Facebook. Essa "nova cara da notícia tornou-se mais importante do que o conteúdo ou a observação das normas do ofício do redator.

Pior do que um jornal publicar uma barriga é perceber o efeito dominó: o Alzheimer terminal de Jack Nicholson era "bom" demais para não ser verdade. Se não for, azar: qualquer coisa, a culpa foi do Star. A gente só repercutiu.

Mas o affair Jack Nicholson-Star é um episódio.

Se o meu caro leitor jogar no Google "grávida diz site", vai encontrar, na primeira página, uma pá de notícias de portal do tipo: "Mulher de George Clooney pode estar grávida, diz site ...", "Apresentadora Fernanda Gentil está grávida, diz site ...", "Mulher diz estar grávida do Príncipe Harry, diz site ...", "Jessica Biel está grávida do primeiro filho, diz site ...", "Jessica Biel está grávida do primeiro filho, diz site ...", "Jessica Biel está grávida de Justin Timberlake, diz site ...", "Cantora Christina Aguilera está grávida, diz site - Notícias ...", "Zoe Saldana está grávida do primeiro filho, diz site ...", "Miley Cirus está grávida e pode ser internada em clínica de reabilitação, diz site", "Mila Kunis está grávida de Ashton Kutcher, diz site".

Enfim, não vou listar mais. Porém, como se pode ver, a fonte é sempre uma revista, um site ou a imprensa um determinado país. É claro que uma triagem quanto à veracidade de tudo o que é divulgado por agências em geral corre contra o dinamismo da publicação de notícias numa realidade tão dinâmica como a da Internet.

Contudo, o furo cegamente pelo furo, terceirizando a fonte em favor do imediatiismo da informação (e atropelando a checagem da informação) é uma vitória pírrica: uma vitória obtida a um preço muito alto, cujo maior dano é a perda da credibilidade.

O caso do Alzheimer do Jack Nicholson é exemplar. Como no episódio do nosso amigo furão da foto acima, toda a imprensa, não só daqui no Brasil como de quase todo o planeta, resolveu voar de carona com o pica-pau. Como aconteceu com o malfadado predador, o passeio foi breve e não acabou bem. .
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