Friday, January 16, 2015

Vamos voltar à Pilantragem?



Wilson Simonal

Confesso que li o livro-tese Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga, do historiador Gustavo Alonso, e fiquei assoberbado com o resultado do trabalho empreendido por ele.

Mais do que uma biografia, o que a obra não é, o que me surpreendeu foi a coragem do autor em questionar o mito da resistência ao regime militar brasileiro nos anos 70. No caso específico de Wilson Simonal, como ele se tornou um bode expiatório de uma esquerda que, não podendo contestar frontalmente o governo, optou por bater em seus baluartes.

Sem querer vitimizar o cantor, Alonso contextualiza todo o panorama musical da época e demonstra como o tempo serviu para decantar uma imagem de resistência cultural ao regime que, no fim das contas, serviu para criar arquétipos de heróis e vilões, não se importando com suas consequências.

Também mostra que, não apenas Simonal mas, todo e qualquer artista que não estivese em qualquer trincheira de "resistência" era taxado de "colaboracionista". Muito pagaram na época simplesmente por não serem engajados - ou por serem castiçamente nacionalistas (eis o pecado mortal) naqueles anos de repressão.

Alonso com efeito tem influência de Paulo César Araújo, um dos primeiros autores a tentar reabilitar toda a produção musical do período que, com o tempo, ao não ser alinhado ao pensamento de resistência, foi rotulada de desengajada, alienada, como se não tivesse qualquer valor estético. No caso de Araújo, ele ressalta a forma como a música chamada de "brega" foi rotulada de produção inferior e consequentemente marginalizada do panteão da MPB.

Alonso pega o mote e, mesmo que não desenvolva a fundo, por sua vez, quer reabilitar a "pilantragem", movimento deflagrado por Simonal, a partir dos seus discos "Alegria, Alegria", nos anos 60. Pode parecer um disparate, mas o debate é interessante. A questão é que o autor tenta entender por que o Tropicalismo ganhou fumos de arte conceitual e a Pilantragem não.

Em depoimentos, como do próprio Simonal, à época, ele entende tudo como "a mesma coisa". Outros, como Sérgio Cabral (citado no livro), acha que a Pilantragem é uma grande besteira. Fato é que, desde o começo, a tropicália foi assessorada por uma expertise sem precedentes - muito antes que alguém decidisse levar esse tipo de assunto ao status de tese - como os Campos Brothers ou Décio Pignatari. Eles é que popularizariam a frase "linha evolutiva da MPB" sendo o Tropicalismo a síntese da problemática da música nativa em tempos de Indústria Cultural.

Creio que, além de Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga, a análise da Pilantragem renderia mais um livro, muito embora não creia que a tese de Alonso seja aceita. Acho, ao contrário do Cabral, que a Pilantragem foi um episódio estético-musical importante nos anos 60, mas não penso que tropicália e pilantragem sejam a mesma coisa, muito embora ache que, da maneira sintética, a Pilantragem soube se comunicar com o público de forma excepcional.

Aliás, anes de mais nada, Simonal era um grande entretainer, como jamais houve e jamais existirá, em todos os tempos. Mas como movimento, mesmo com toda a má vontade que existe com relação à qualquer coisa que envolvesse Carlos Imperial (nesse sentido, ele será eternamente subestimado), se existe um cérebro por detrás disos, ele é o seu criador.

O que difere os dois movimentos é que o Tropicalismo se valia totalmente pelo carnavalesco, pela paródia, pela intertextualidade, isso é o que atraiu Pignatari e companhia. A Pilantragem era um fenômeno de massa. A tropicália certamente queria deglutir ou parafrasear Simonal mas, pelo seu caráter paródico, ela estivesse mais na linha da metalinguística da pororoca cultural da época do que um gênero musical comercialmente consolidado, como a Pilantragem.

No fim, a Tropicália parece que foi banida por carnavalizar o elemento político (a estampa de Hélio Oticica na Boate Sucata, em 68) e a Pilantragem, por parte de Simonal, ao tentar defender esse mesmo elemento político (canções como "Brasil, eu fico" ou "País Tropical"). Restou aos tropicalistas o exílio político e à Simonal, a crítica das "patrulhas" e o exílio musical.

Simonal acertou quando, em entrevista ao Pasquim, em 69, disse que a Pilantragem estava próxima da produção de gente como Chris Montez e Herb Alpert. Isso numa época em que ou se era contra ou a favor, ou se era pelo imperialismo da guitarra ou pelo nativismo da queixada de burro, um outro entretainer como Sérgio Mendes abandonara o hard bop da Bossa do tempo do Beco das Garrafas para fazer música brasileira prá gringo ouvir. Se formos analisar, não como movimento estético, mas como fenômeno musical, a Pilantragem está no Brasil 66. E, de forma sintomática, não era gratuito que Sérgio Mendes fosse artista da A&M, do próprio Herb Alpert.

Simonal tinha restrições quanto à americanização das crooners do Brasil 66. Porém, o som de ambos se complementa. Simonal potencialmente era um artista de projeção internacional. Poderia ter feito com Mendes nos Estados Unidos o que fez no Maracanazinho. O problema, provavelmente,foi de foco.

A fórmula era simples: pegar toda a modernidade do samba de Bossa Nova e misturar com pop: transformar Day Tripper em sambalanço e vender milhões. Porém, um pop brasileiro com um resultado original, ao contrário do que Imperial fazia com a Jovem Guarda. "Vem Quente que estou Fervendo" é pilantragem. "O Bom" era pilantragem. Só que, como pastiche de iê iê iê, parecia mais do mesmo. Como pilantragem (não apenas por conta da temática, mas nos arranjos a la Cesar Camargo Mariano) soaria como algo "moderno".

Inclusive, apesar dos ruy castros, é possível entender a Pilantragem como o movimento que Gustavo Alonso entende, nem que seja para defender gente como Simonal, Erlon Chaves ou Sergio Mendes da acusação de estelionato musical contra o inefável cânone da Bossa Nova.








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