Tuesday, January 20, 2015

A Rhapsody in Blue carioca



Tom Jobim


Verão de 1954. Billy Blanco pegou a condução no Centro e descia placidamente a Princesa Isabel quando, ao dobrar a esquina com a Avenida Atlântica, teve uma epifania. Como um trovão, veio {a sua mente os seguintes versos:

Rio de Janeiro, a montanha, o céu e o mar
Rio de Janeiro, que prá sempre eu hei de amar!


Ficou cantarolando os versos, como um mantra, a fim de não esquecer. Em desespero, acabou descendo do ônibus quadras adiante, já em Copacabana, e correu em busca de um telefone. Achou um, num pé sujo na República do Peru. Ligou imediatamente para Tom Jobim, seu recente parceiro musical em "Teresa da Praia" que, em julho daquele ano, seria sucesso na voz de Lúcio Alves e Dick Farney.

Quando Jobim atendeu, Billy pediu que ele decorasse os versos e anotasse a melodia. Com o bulício dentro do bar, temendo que Tom não o ouvisse direito, tapou o outro ouvido e ficou cantando aqueles mesmos versos, o mais alto que pôde:

Rio de Janeiro, a montanha, o céu e o mar
Rio de Janeiro, que prá sempre eu hei de amar!


- Anote aí, Tom, eu já estou indo para aí! - e bateu o telefone.

Na casa do compositor de "Garota de Ipanema", não muito longe dali, na Nascimento e Silva 107, Billy explicou sua epifania. Há anos que ele não realizava aquela percurso e, ao vislumbrar aquela cena vespertina a se descortinar diante de seus olhos, os versos explodiram em sua mente, e ele imaginou uma suíte histórica, um hino de louvor à então Capital Federal. O disco, intitulado Sinfonia do Rio de Janeiro, foi lançado Lançado no começo de 1955 - há sessenta anos atrás.

Tom Jobim pegou o mote como uma canção sobre a cidade. Porém, concebeu aquilo que seria a Sinfonia do Rio de Janeiro justamente como se fosse uma peça erudita, mas não como uma suíte instrumental. Seu modelo inspirador seria Gershwin, mas não o Gershwin de opereta, mas o da Rhapsody in Blue.

Assim como a peça do autor de "Porgy And Bess", Jobim imaginou, a partir da letra desenvolvida por Blanco, algo como se fosse um dia na vida de um carioca. Da Rhapsody in Blue, ele teve a ideia do tema cardinal - no caso da versão "brasileira", o motivo criado por Billy dentro do ônibus. Tanto cantado quanto em versão instrumental, ele percorre todas as partes da "sinfonia". Porém, ao contrário de Gershwin, a pretensão de Jobim é clássica, mas a intenção, não.

Tom e Billy não levaram muito tempo na composição da "sinfonia". Contudo, do papel para o disco, a composição passou por um parto complicadíssimo. Ambos tinham um bom contrato com a gravadora deles, a Sinter. O problema era o formato da música quem questão. Não havia outra forma de lançar aquilo em outro jeito que não fosse em long-play (ainda antes do vinil, naquelas priscas eras, o LP era um disco de 10 polegadas). No entanto, em 1954, o LP ainda engatinhava no Brasil: poucos tinham aparelhos na rotação adequada e, além disso, ainda era uma tecnologia pouco comercial.

Tanto que, na sua maioria, para lançamentos em LP, as gravadoras faziam uso apenas de sucessos de grandes astistas, como se os discos fossem seleções de sucessos de 78 rotações em formato long-playing. Por conta disso, seria um disparate qualquer selo, em 1954, apostar nesse formato para lançar um disco "conceitual" (?) assinado por dois compositores, e com pouco ou nenhum apelo comercial.

Paulo Serrano, diretor da Sinter, gostou da sinfonia, mas deixou-a na gaveta por meses a fio, até que esquecesse por completo daqueles pentagramas. Quem resolveu exumá-la, em fins de 54, foi Braguinha. Diretor artístico da Continental, ele ouviu partes da sinfonia através de Jobim (que, nessa época, era produtor na sua gravadora), e teve interesse em obter as partituras.

Entusiasmado com a possibilidade de lançar a sinfonia de Tom em disco, negociou os direitos da peça com Serrano. Este daria os originais à Continental, desde que João de Barro lhe "emprestasse" Lúcio Alves para a Sinter. O negócio foi fechado e, em dezembro daquele ano, começaram os ensaios e a gravaçãopara a Sinfonia do Rio de Janeiro.

A cartada de Braguinha era montar o disco usando o cast da gravadora: Lúcio Alves, Dick Farney, os Cariocas, Gilberto Milfont, Nora Ney, e grande elenco. A estimativa era que, com eles e mais os arranjos de Radamés Gnattali, o disco iria emplacar. Era o duelo da intenção contra a pretensão.

A pretensão fez com que a primeira parte, "A Montanha, o Céu e o Mar" extrapolasse o tamanho de um lado de disco de 78 r.p.m. Ao longo de quinze minutos, a faixa, que abre com o leitmotiv de Billy Blanco, em coro ("hino ao sol"), interpretado em pianíssimo por Dick Farney. Em seguida, a música sugere uma marcha que é o day in a life no Centro do Rio ("coisas do dia"), Gilberto Milfont canta o trecho "Matei-me no Trabalho", até que a música vai ganhando fumos de batucada, com Dóris Monteiro, Elizeth Cardoso e Emilinha Borba ("zona sul") e, em tempo de samba-canção ("Arpoador"), sugere uma esticada ao fim de tarde para os lados de Copacabana, já em tom idílico. O tema inicial retorna, de forma ligeiramente pastoral, é retomado por Dick Farney (noites no Rio"), depois por Nora Ney ("O Morro").

Prá não ficar na Zona Sul, a sinfonia sobe e desce o morro (Gilberto Milfont), até o finale, com Dick Farney e o retorno do Hino ao Sol, até a coda, em grande estilo. As demais faixas do disco, são versçoes instrumentais de temas recorrentes (o leitmotiv divertidamente percorre todas as faixas restantes, também) na primeira parte da Sinfonia, todos de Tom Jobim, com o Quinteto Continental (Chiquinho no acordeão, Zé Menezes na guitarra, Vidal no contrabaixo, Luciano Perrone na percussão e Gnattali no piano).

O disco, como era de se esperar, era tão bom que foi um fracasso comercial. Pior do que isso, nenhuma das canções fez sucesso. Nem o grande sucesso de Dick e Lúcio com "Teresa da Praia" conseguiu catapultar o disco.

Já em formato vinil, o disco foi relançado algumas vezes. Porém, ele está fora de catálogo há anos e permaneceria no ostracismo musical por décadas a fio, até ser relembrado no livro Chega de Saudade, de Ruy Castro, no começo dos anos 90. Só seria resgatado do completo esquecimento com o advento da Internet. A primeira parte da Sinfonia, por exemplo, pode ser acessada no Youtube:






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