Wednesday, August 03, 2005

Na casa do Chato

De tempos em tempos, a Gasol (nome pelo qual nos fazemos reconhecer) tinha a mania de reunir-se. Às vezes na casa do Chato, outras na do Polaco e, poucas, na do Cavernoso. Eram carreteiros, pizzas, churrascos e até sessões de vídeos pornôs. Sempre havia muito trago: cerveja, vinho ou caipiras. A comida era feita em meio à bagunça e à gritaria.
— Ô Pés-sujos, me pica essa cebola bem pequenininha — disse o Chato.
— À seco eu não consigo trabalhar. Diz pro Polaco me trazer uma caipa das buenas — replicou.
— Chato, é verdade que o Leite-com-bolachas teve aqui na semana passada e bebeu tanto, bebeu tanto, que regou a plantação de tempero-verde da tua mãe? — perguntou o Magrão.
— Destruiu. Bebeu quase um litro de vinho, ficou bobo como um neném e começou a dizer um monte de besteiras, até a hora que dormiu sentado. Quando o acordaram para ir embora, não resistiu e vomitou no tempero da mamãe.
— Pelo menos não foi que nem o Dagô, que vomitou no banheiro e agente teve de limpar — disse o Polaco.
— Vocês tiveram que limpar? Que audácia a tua, Polaco. Quando a festa é aqui em casa sou eu que fico até o amanhecer para limpar as cagadas de vocês. Quem escuta as reclamações sou eu.
— Tudo muito bom, tudo muito bonito, mas cadê a porra da caipira — reclamou o Pés-sujos.
— Quantos nós somos? — perguntou o Polaco.
— Cinco — respondi. — e vem mais dois.
— Quem é que não vem? —interrogou o Vaca, arrumando os óculos na ponta do nariz.
— O Tampa e o Desbravador, as mulheres não deixam. O Cavernoso vem e disse que vai trazer o Nacadois. O Guasca disse que talvez viesse.
— Disse e vim. Podem colar o cu na parede porque quem não colar eu como.
— Como se fosse muito macho. Macho que nem tu eu como um por dia — replicou o Pés-sujos.
— Vai um gole para experimentar, Vaca?
— É, até vai. Me diz uma coisa, J.R., como é a história do porre que tu, o Pés-sujos e o Magrão tomaram?
— Olha, a pessoa mais indicada para falar a respeito é o Magrão porque ele foi o que se embebedou menos. Eu e o Pés-sujos ganhamos cicatrizes e nem sabemos como.
— O que eu sei é o seguinte: era véspera de um feriado e a “nega véia” tinha me expulsado da casa dela para poder estudar. Eu voltei para casa, puto da cara, e dei uma passada no bar dos guris (a família Saracura tinha um bar na Getúlio, amigos nossos). Como eu estava de cara resolvi ir embora, mas quando cheguei na esquina, o J.R. e o Pés-sujos passaram e me levaram para dar uma volta. Fomos até a 24 de Outubro e os bares estavam cheios. Também não tínhamos dinheiro, então juntamos todos os trocados e compramos um garrafão de vinho. A rolha foi devidamente empurrada para dentro pois não tínhamos saca-rolhas. Demos uma volta enorme, passamos pela Farrapos, pela Independência, seguimos duas garotas pela Assis Brasil até a igreja São João e não conseguimos nada. Então voltamos para a Getúlio e o J.R. estava tão bêbado que eu resolvi dirigir o carro dele. Quando chegamos na casa dele largamos o carro e fomos a pé até a casa do Pés-sujos. Daí os dois começaram a pular um nas costas do outro e caíam. Quando pulavam na minhas costas eu saía fora e os dois se esborracharam no chão. Os dois me contaram que depois vomitaram até as tripas.
— Por que tu fica revolvendo o meu passado negro, hein Magrão? — perguntou o Pés-sujos.
— Vamos parar com esse papo que não leva a nada e começar a beber. A caipira que eu fiz está aí a horas e ninguém toma — disse o Polaco.
— Eu quero é o vinho do pai do Chato — retrucou o Guasca.
— Tô nessa — completei. — No vinho do meu pai ninguém toca — sentenciou o Chato.
— Eu quero é que alguém prove o molho aqui.
Depois do Pés-sujos provar (em matéria de comida ele era sempre o primeiro), provaram o Vaca, o Guasca eu e o Magrão. E cada vez que um provava o molho, o Chato metia a colher de pau de volta na panela. Alguns reclamavam da falta de higiene do ato.
— Ô Chato, vê se lava a colher antes de botar na panela — reclamou o Vaca.
— Que lavar o quê! — desdenhou o Chato, esfregando a colher no meio das pernas e colocando na panela de novo.
— Até parece que tu não comeu merda quando era pequeno.
— Claro que não.
— Então come agora depois de velho — sugeriu o Guasca.
— Homem que é homem revira bosta de vaca para catar verme.
— Pra mim quem faz isso é passarinho vira-bosta — remendou o Polaco.
— E se é passarinho tem mais é que levar um fundaço na bunda.
— Vamos parar com a gritaria que chegou o Chefe — disse o Cavernoso quando chegou na casa do Chato.
— E quem te nomeou chefe da turma? — perguntou o Polaco.
— Se eu sou o Chefe não preciso ser nomeado. Eu mesmo me nomeio. E chega de discussão, porque eu decidi e pronto. As risada foram gerais porque todos conheciam o bom humor do Cavernoso.

No comments: