Friday, August 26, 2005

Presidente Bossa Nova

O presidente citou Juscelino Kubitscek para se justificar em sua resignação no cargo do primeiro mandatário desta republiqueta de bananas que é o Brasil. Isso fez eu me lembrar de uma história envolvendo o Darcy Ribeiro.

Ele contou certa vez que, ao final de seu mandato, o velho JK o chamou, no então novíssimo e refulgente Palácio da Alvorada. O presidente resolveu fazer ao ilustre sociólogo a seguinte confidência: estava incomodado com as críticas que seu governo recebia. "que tipo de crítica, presidente?", Darcy quis saber. "Dizem que o meu governo não teve uma dimensão humana". Eis o problema: a hercúlea tarefa de criar Brasília e implantar o pacto entre os representantes estrangeiros e o patriarcado político tradicional, para uma política tão modernizadora quanto desnacionalizante, rezar a cartilha do FMI, entregar concessões de exploração mineral com documentação forjada a empresas estrangeiras para, depois romper com o próprio Fundo, que condicionou um empréstimo de US$ 300 milhões à imposição de uma política deflacionária e ao adeus ao propalado Plano de Metas. A crítica que o incomodava era a que ele não ampliou a participação do povo e menos no acesso ao trabalho.

Pediu então a Darcy que criasse um projeto de lei de "alto alcance social", para ser remetido ao Congresso como sua derradeira mensagem presidencial. O sociólogo pensou, pensou, e propôs um projeto de Reforma Agrária. Receoso e surpreso, JK pediu que ele fosse antes consultar San Thiago Dantas, que desconversou. "Pô, mas logo agora que seu estou comprando um baita fazendão à margem do São Chico???".


Creio que, para se comparar ao Juscelino Kubitschek, Lula vai precisar de muito mais do que paciência. Mas para quem fica falando em teorias conspiratórias, o presidente Bossa Nova teve que enfrentar greves, lockouts e o recrudescimento dos sindicatos em todo o Brasil. Mas o mais lhe custou paciência foram as quarteladas e a ferrenha oposição udenista ao seu governo.
Paciência: em 1955, meios militares, a oficialidade pró-Eduardo Gomes e parte da Marinha tentaram impedir, a qualquer curto, a posse de Juscelino e Jango. Com o auxílio da UDN, conspiraram. Café Filho simulou um enfarte, entregando o poder a Carlos Luz, que destituiu o Ministro da Guerra, Marechal Lott, que não acatou a decisão, mandando prá correr ele mesmo o presidente em exercício e empossando o senador Nereu Ramos em seu lugar. Foi o famoso 11 de novembro de 1955. Espumando de raiva, Carlos Lacerda, Carlos Luz e o baixo clero da UDN, junto com alguns oficiais da Marinha, raptaram o navio Tamandaré, e tentaram buscar resistência em São Paulo. Não conseguiram, até porque o tal navio não foi até a esquina. Lacerda teve que pedir asilo político para Fulgêncio Batista em Havana.

Duas vezes paciência: no ano seguinte, o divertido golpismo udenista, ainda inconformado com a pose de JK, resolveu inspirar novos atos destemperados. De volta ao Brasil, Lacerda cria outro escândalo com documentos falsos, visando agora Jango, envolvendo ele numa suposta negociata com o governo argentino. Enquanto isso, quatro oficiais da aeronáutica e mais um civil (que morreu na brincadeira) tomaram por quase três semanas o aeroporto de Jacareacanga, na selva amazônica, e dominam Santarém. Lá, esperaram que Juscelino os anistiasse para, de volta a suas funções, voltarem a conspirar calmamente...

Três vezes paciência: em 1958, para pôr termo a mais uma conspiração na Aeronáutica com a Marinha, JK teve a idéia de semear a discórdia entre ambos: resolveu comprar dos ingleses um porta-aviões de sucata, uma verdadeira panela velha ambulante, só útil para treinamento, e batiza com o sugestivo nome de Minas Gerais. Tanto dinheiro posto fora num elefante branco com proa e popa serviu para alguma coisa. Mas o povo resolveu chamá-lo de "Belo Antônio", que virou música do Juca Chaves, o rapsodo fundamental de Juscelino.

O Brasil já vai à guerra
Comprou um porta-aviões!
Um viva para a Inglaterra:
Oitenta e dois milhões? Mas que ladrões!


Quatro vezes paciência: em 1959, oficiais udenistas da Aeronáutica se sublevaram contra o governo: seqüestram um avião da Panair e voam para Aragarças, no Brasil Central. Inauguram, sem querer, os "seqüestros aéreos" como arma política. A revolta, novamente, deu com os burros n’água. Não bastasse a incompetência dos oficiais, havia dentro do aparelho um cadáver de uma mulher, e os rebeldes revolucionários não sabiam o que raios fazer com a tal defunta e seu inconsolável viúvo. JK riu, ofereceu a outra face, e os anistiou, outra vez.


Grande Juscelino. Empossado na presidência da República, prometeu fazer o Brasil saltar 50 anos em 5. Não o fez. Quem o faria?

1 comment:

Nildo Junior said...

Como já dizia o mestre Aparício Torelli ou Barão de Itararé, "Depois de um governo Gegê, um governo Gagá" - referindo-se a substituição de Getúlio por Gaspar Dutra. Poderíamos dizer: "Depois de um presidente que tinha um pé na cozinha, temos um presidente que mete o pé na jaca".