Friday, November 21, 2014

Jornalismo Meme


Portal classificou rapaz da foto de "chinês maluco"


Não sei se vocês têm reparado mas, nos últimos tempos, com a consolidação do jornalismo na internet como plataforma vital para o futuro da área, a web acabou transformando a matéria-prima de uma publicação, que é a notícia, em um bem de consumo esdrúxulo e de informação zero.

É o jornaiismo de portal, mimetizado pela imprensa, cujo mote é o fato insólito, o fait-divers. A notícia que apela para as emoções do leitor. Sites como o G1 têm se especializado em encher a timeline de quem tem a dignidade de segui-los em notícias do tipo "Cachorro adota ninhada de gatos". Ou "Gato salva criança de ataque de pitbull". Ou "Casal em lua-de-mel é surpreendido por 'visita' de guepardo em carro".

A nota sensacionalista do fait-divers sempre foi pauta. Mas com a imprensa pela web e a facilidade de atingir cada vez mais leitores de forma instantânea fez com que se perdesse qualquer critério de informação útil. É uma tendência: é a pauta típica da nova função no jornalismo, o produtor de conteúdo.

Ele não faz nada mais do que uma clipagem de notícias (com ou sem gilete-press, já que muitos jornais hoje preferem contratar agências do que contratar profissionais). O objetivo é viralizar a informação viral. É o jornalismo meme.

O caso mais recente do jornalismo meme foi a insólita proposta do jovem chinês que pediu a mão da namorada em casamento - proposta que foi recusada, mesmo com a oferta de 99 telefones celulares. Ao longo do dia 11 deste mês, quase toda a imprensa brasileira deu destaque para algo que é mais comum do que parece.

Todo mundo leva fora na vida, mas o caso da China foi manchete em todos os portais, já que a filosofia do jornalismo meme é simples: não podemos perder cliques no Facebook para a concorrência. No fim, todos publicaram a mesma nota, com a mesma foto, e ninguém soube apurar todo o lead da notícia. Até hoje, ninguém soube me dizer qual é o nome do casal.

Matéria publicada pelo R7 chamou o rapaz da proposta de "chinês maluco" no título. Até entendo que 99 telefones não é lá um dote negócio muito romântico. Mas lembrei-me do Manual de Redação (da Folha?) onde, com uma certa dose de humor, o texto falava para evitarmos fazer qualquer referência a habitantes de outros países de forma pejorativa (e todos em geral, ainda mais num título). Mas quem lê manuais de redação hoje em dia?

Se vocês procurarem no Google, vão encontrar várias páginas dando destaque ao caso do malfadado e intrépido rapaz. Todas as informações vieram das redes socais, ninguém apurou nada (nem poderia e nem deveria, afinal, é notícia hoje é diversão) Mas todos publicaram. Como se chama isso?

Jornalismo meme. Se viraliza, é bom. Se é bom, viraliza o jornal.

Hoje e de agora em diante, não existe mais lugar para um repórter como o Carlos Wagner, ou José Hamilton Ribeiro, por exemplo. Um executivo de empresa vai explicar: jornalismo investigativo é caro e não dá retorno. Um repórter de verdade não publicaria uma matéria baseada numa foto tirada da internet. Hoje, ao ler notícia de portal, eu estou trocando faisão por mortadela.

Lembrei do Wagner porque, no mesmo dia que soube dessa história, descobri que o repórter "puta velha" de tantos anos militando por aí, se aposentou.

Os dois fatos não tem muita relação, mas parece sintomático ver que, em seu desespero, a imprensa está demitindo a torto e a direito prá salvar o barco, desmantelando sucursais pelo país afora e livrando-se do seu capital cultural, os velhos repórteres e está municiando "produtores de conteúdo" que ficam o dia inteiro na frente do computador replicando informação, um tipo e uma qualidade de informação. que é a água da salsicha da imprensa.



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