Thursday, August 07, 2014

O Telefonema


Teté


Existem muitas histórias curiosas a respeito de José Francisco Duarte Júnior, o Teté. Considerado um dos maiores treinadores gaúchos de todos os tempos, muitos lembram de várias anedotas envolvendo aquele que foi comandante do Internacional por quase toda a década de 50. Vários o consideram uma espécie de Gentil Cardoso dos pampas. Empírico, era famoso por tratar contusões de seus atletas com placebo e de inventar macumbas inenarráveis para ganhar jogos. Consta que, sempre em semana de Gre-Nal, como um sabujo, Teté andava com o sobrolho carregado pelas esquinas do antigo estádio dos Eucaliptos, procurando algum despacho deixado pelos arredores por alguém das hostes inimigas, com o intuito de "amarrar" o seu time.

Foi numa dessas semanas de clássico que essa história aconteceu. Meados da década de 50. Os jogadores estavam todos concentradísismos no fortim da rua Silveiro (ou Silvério, como alguns insistem em dizer) desde a quarta-feira. Teté não deixava nada passar. Quando não caçava despachos pelas esquinas do Menino Deus, estava controlando todos os passos dos seus pupilos, inclusive fiscalizando telefonemas. Todos deviam ficar incomunicáveis.

Na sexta-feira, logo pela manhã, toca o telefone nos Eucaliptos. Sem querer se identificar, um sujeito muito ansioso queria porque queria falar com o goleiro La Paz.

- Ele não pode falar, está concentrado - explicou Teté. - Se você quiser, me diga o que você quer falar com ele que eu passo o recado.

- Mas eu preciso falar com ele urgentemente.

- Não pode, já disse.

- Mas eu preciso.

- Desculpe, eu não posso deixar você falar com ele. Só recado.

- Mas é pessoal. Eu preciso urgentemente falar com ele.

Uma hora depois, toca o telefone. Era o mesmo sujeito de antes.

- Mas afinal de contas, com quem eu estou falando? - quis saber Teté.

- Não posso dizer - respondeu o anônimo. - Só posso dizer que é um amigo do La Paz.

Por toda a sexta-feira, o homem continuou atazanando - certamente na esperança que outra pessoa atendesse e, dessa forma, pudesse falar com o arqueiro colorado. Mas de nada adiantou: obcecado, Teté passou o dia todo montando guarda em frente ao aparelho. O treinador atendia e tentava em vão fazer com que o homem pelo menos desembuchasse o nome.

As ligações continuaram no sábado, o dia todo. Nem Teté liberava o telefone para La Paz, nem o homem, cada vez mais angustiado ("mais angustiado que barata de ponta-cabeça", como se diz lá na Campanha)do outro lado da linha, dizia quem era ou do que se tratava aquela tal "urgência urgentíssima".


- Mas quem é o senhor? Que coisa mais estranha. Afinal de contas, por que essa insistência toda? - queria saber o comandante do vestiário alvirrubro.

- Não posso falar, seu Teté. É só com ele!

Domingo de manhã, faltando horas para o jogo, o homem insistia. O treinador do Inter estava nas últimas. Quando atendia o telefone, olhava com o rabo dos olhos para os dirigentes que, naquela altura, pareciam almas penadas quietas observando aquele teatro do absurdo.

- Eu preciso falar com o La Paz! Eu preciso falar com ele! - bradava o anônimo.

- Mas eu dou o recado para ele - insistia Teté.

- Não, não não!!! Tem que ser com ele.

- Não posso, meu senhor.

- Escuta, seu Teté, eu sei que o senhor é um homem justo. É particular, eu tenho que falar com ele, e é só com ele mesmo. O senhor não pode abrir uma exceção para mim? Por favor, seu Teté, eu lhe peço, eu lhe rogo, seu Teté!

- Não.

- Mas seu Teté, eu vou até o muro, ele não precisa nem sair da concentração, eu vou até o muro da Dona Augusta e eu falo com ele, é rapidinho, seu Teté. é rápido e ele depois pode voltar lá prá dentro.

Na hora do almoço, o homem liga para o telefone dos Eucaliptos.

- Por favor, seu Teté!

- Escuta aqui, moço, por favor digo eu. Aqui quem manda sou eu. Eu já te disse que eles estão sob a minha responsabilidade. Tudo o que acontecer com eles é responsabilidade minha, ninguém vai passar por cima de mim, ouviu? Tudo que acontecer aqui para o bem ou para o mal, quem vai ter que arcar com as consequências sou eu. Então, eu não posso, de maneira nenhuma, deixar os meus jogadores correrem risco nenhum, entendeu? Isso é mais difícil para mim do que para você. Se você quiser, eu passo o recado para o La Paz, eu me responsabilizo pelo sigilo da informação se é de cunho pessoal, não precisa se preocupar. É o que eu posso fazer por você.

- Tudo bem - respondeu o homem, vencido do outro lado da linha. Mas o senhor me promete que dá o recado para ele?

- Prometo - insistiu Teté.

- Pois diga prá ele que já tá tudo acertado, conforme o combinado, viu° Tá tudo certo. Tchau.


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