Thursday, June 06, 2013

Morte e Vida Gauchesca


Simões Lopes Neto




Uma colega de trabalho me pediu se eu não tinha o Contos Gauchescos, do Simões Lopes Neto, para emprestar ao filho dela. Eu não apenas cedi a obra para ele como ofereci-lhe o meu já calejado exemplar.

Mesmo que o garoto tenha que ler as páginas do autor de Casos do Romualdo porque ele é sugerido para o Vestibular da UFRGS, é incrível encontrar gente nova conhecendo um autor que remanesceu esquecido por vários anos. Não sei se vocês conhecem a história. Pois bem.

Carlos Reverbel era secretário de redação da revista Província de São Pedro. Editada pela Globo, em 1945, ela foi o pontapé inicial no grande projeto intelectual ao jornalista de Quaraí. Grande pesquisador e memorialista, a partir daquele momento, ele decidiu se debruçar diante de um escritor morto e esquecido, como um Bach dos pampas: o pelotense Simões Lopes Neto.

Junto com Erico Verissimo e Henrique Bertaso, eles decidiram republicar os seus Contos Gauchescos, que havia sido lançado originalmente em 1912, e cujos direitos pertenciam à obscura Enchenique de Pelotas. A editora, por sua vez, havia conseguido os tais direitos da viúva de Lopes e por uma quantia ínfima. A Globo comprou os originais, entregando à Maurício Rosenblatt e a Aurélio Buarque de Hollanda de adicionar uma fortuna crítica e um glossário.

A publicação d'Os Contos, que foram antes reeditados numa edição canhestra, em 1928, ficou tão obscura quanto a primeira. Tanto que a maioria dos estudos regionalistas sobre literatura ficavam, em sua maioria, restritos ainda à obra de Alcides Maya. Mais tarde, depois de amplas negociações com a mulher de Lopes, Reverbel conseguiu os originais dos Casos do Romualdo, também editada pela Globo.

No livro Um Certo Henrique Bertaso, Verissimo conta que o editor da Globo teve um belo gesto: devolveu à viúva de Simões os direitos autorais sobre essa edição do "seu ilustre marido".

Falando na Globo, é interessante ver que, justamente naquele momento da redescoberta do autor pelotense em nossas letras, havia um movimento (que não era orquestrado como tal, mas era algo do tipo), como bem observa Flávio Loureiro Chaves no artigo "As Buscas de Reverbel".

Segundo ele, em 1945, além do Província de São Pedro, o Rio Grande viva um momento "de atualização de atualização da vida cultural: Cyro Martins lançara o ciclo narrativo do Gaúcho à Pé, João Pinto da Silva apresentava a primeira visão histórica da literatura gaúcha. "Augusto Meyer abria uma perspectiva transdisciplinar nos ensaios reunidos em Prosa dos Pagos", Darcy Azambuja concluía a coletânea de contos intitulada No Galpão. E, em 1949, a Globo lançava o primeiro volume da trilogia O Tempo e o Vento.

Falando em Erico, é notável perceber o quanto o personagem Fandango, de O Continente, tem sua persona inspirada no vate que cantam as estradas reais dos Contos de Simões Lopes Neto. Blau, como Fandango, parece ser o gaúcho típico que introduz uma forma peciliar de rapsodo dos pampas: à margem dos acontecimentos, mas sempre com uma ponta de sabedoria em seus ditos. Ora ele é quem conta; ora ele é o personagem. Fandango, com seu estilo de gaúcho largado, com o seu saber empírico de homem do campo e figura coadjuvante em o Continente, não existiria sem Blau Nunes.

À guisa de pósfácio, na edição da Globo de 1945 escreveu o esboço de uma biografia, mais tarde laçada em separado em Um Capitão da Guarda Nacional, de 1981. Ali estava o grande gesto de Carlos Reverbel - e da Globo. Numa curiosa incursão editorial, umas das grandes aventuras típicas de Bertaso e Erico no comando da Globo, que se criou a grande glória póstuma do escritor pelotense, num momento histórico no curso de nossa literatura no ramo regionalista, e isso muito antes do achado de Grande Sertão: Veredas.

No comments: