Thursday, December 23, 2010

Conto de Natal

Tenho uma tia que tem um daqueles carrinhos de bebida na sala. Detalhe que ela não bebe e o meu tio só bebe vinho de garrafão (ele metodicamente guarda o estoque no porão, e é extremamente ciumento com seu vinho vadio). Ou seja, o tal carrinho é quase um depósito de bebidas destiladas que eles ganham de presente e — óbvio — deixam tudo de enfeite.

Sempre que eu visito ela eu passo na sala e fico gracejando sobre aquele seleto elenco de uísques, vermutes, amarulas, conhaques que ficam ao Deus dará. Porém, o meu xodó era uma garrafa de vinho licorado importado (aquele do Orson Welles).

Eu vivia falando que queria beber aquele vinho licorado. Eu pegava a garrafa, olhava, falava do rótulo. Minha tia dizia: "olha, guri, o teu tio não vai gostar de saber que tu tá mexando no carrinho" (eu claro não ia beber, mas gostava de fazer menção só para deixá-la baratinada). Eu enchia tanto o saco dela que ela chamava o Paul Masson de "o vinho do Marcelo". Eu pegava e imitava o Orson Welles: "MWAHHHHAAAAAAA the french champagne has always been celebrated for it's excellence... THERE IS A CALIFORNIA CHAMPAGNE!".

Um dia eu dormi lá — tava (vejam só a coincidência) — dormindo no sofá da sala. E tava todo mundo dormindo, era alta madrugada. Eu pensei com meus botões: "porra. Eles não vão beber nunca essa merda de vinho. Nem esse vinho, nem porra de bebida nenhuma dessa merda de carrinho". Eu vou é abrir esse maldito vinho licorado. Foda-se.

Na penumbra, fui até a cozinha. Peguei uma jarra vazia, um saca-rolhas e um copo. Abri o vinho na surdina, debaixo do sofá (com um AHAM!! bem alto junto). Passei o líquido para a jarra.

Depois, pé ante pé, fui até a cozinha de novo, liguei o fogão e fervi uma bule de chá da índia. Depois da infusão, peguei de um funil e despejei o chá dentro da garrafa de vinho vazia. Meti a rolha de novo, coloquei silenciosamente a garrafa com o chá no carrinho, e fiquei curtindo o vinho madrugada afora, até dormir. Melhor vinho de todos os tempos.


Tempos depois, nossa família resolveu mudar a liturgia de entrega dos presentes: ao invés de cada um seguir à risca uma lista para filhos, afilhados e pais, inventaram de fazer um amigo secreto!

Eu peguei um primo. Comprei prá ele um JB que me custou as burras, mas tudo bem. Noite do dia 24, todo mundo trocando presentes — um luxo. Chegou a minha vez de falar quem era: "ele é assim, assado — aquela merda toda". Aí prtonto, meu primo ganhou o JB — já abrindo e tomando tipo cauboizinho e tal.

Quando todo mundo já havia falado, chegou a vez da minha tia. Aí ela: "meu amigo secreto é assim, assado, gosta disso, gosta daquilo, usa tênis tal, torce para o time tal". Pessoal: "é o Marcelo, é o Marcelo". Minha tia:

— É o Marcelo!

Eu: "opa, obrigado, titi". Peguei a caixa e fui para o meu canto. Abri a caixa. Era a garrafa do Paul Masson com o chá dentro. Do outro lado da sala, minha tia me dava tchauzinhos. Depois me disse, sorrindo: "tu queria tanto esse vinho que eu não resisti, espero que gostes".

2 comments:

As três partes de mim said...

Eu achei bem feito...rs.

Marcelo said...

Deus não joga mas fiscaliza