Wednesday, October 31, 2007

Sua majestade, o balaio



Mais uma Feira do Livro surge na Praça da Alfândega, em Porto Alegre. Os seus trovadores tecem loas intermináveis como a mortalha de Penélope sobre o banho de cultura que o evento promove e coisa e tal. Já os seus detratores (são poucos) dizem que ela é como Carnaval na Sapucaí: quem viu uma, viu todas.

Se a edição mais recente – a 53ª – não acrescenta em quase nada o que sempre se viu nas versões anteriores, não se sabe ao certo.

O babado forte que surgiu na imprensa especializada (com o perdão do clichê) é a queda de braço entre livreiros e editoras – fato este que, por sua vez, teria inviabilizado a presença de alguns expositores nesta edição. Para os livreiros, as distribuidoras têm mais poder de barganha, enquanto eles têm somente uma pequena margem de lucro, por serem observados a manter um mínimo de desconto no varejo.

Para eles, o lucro é tão pequeno que não paga a conta de ter um estande na Alfândega. Pior: Ao que parece, como se não bastasse o fato de a Feira se tornar num megaevento suprapromocional que engloba tanta coisa que transcende ao mundo do livro, alguns exegetas profetizam a mutação da feste da literatura porto-alegrense num atacadão de editoras e distribuidoras, perdendo a sua “aura” bucólica, ou seja, o espírito original dos livros de ocasião. em resumo, o evento se tornou algo tão comercial e estandartizado que de feira ficou apenas o nome.

Um sintoma disso: a maioria das bancas, tirando as “temáticas" (infantis, universitárias, religiosas) expõe quase a mesma coisa – os livros da estação. Como se sabe, há um tempo para tudo sob o Sol, como diz o Eclesiastes, e a Feira não deixa por menos. Por aqui, agosto e setembro é tempo de botar os lançamentos no prelo, para desfilarem na Alfândega e subirem ao topo dos mais vendidos – mesmo que seja só por esta época. Até quem não tem o que lançar decide lançar alguma coisa (por que não?), para a sessão de autógrafos, que é o "grande momento".

Muitos dos outrora mais vendidos aqui na província em, alguma Feira do passado podem ser encontrados nos balaios, por menos da metade do preço pelo qual era disputados por leitores há dois, três anos atrás. Muito poucos têm a humilde virtude da perenidade, a ponto de sempre manterem boas vendas a cada ano, com ou sem sessão de autógrafos.

Falando em balaios, que são, a rigor, o pièce de resistance de qualquer Feira do Livro, mesmo defasados pela ausência de sebos notórios de Porto Alegre, como a Noigandres e a Ventura, sobrevivem. Isso a despeito da tentativa de muitas bancas em piorar a qualidade a cada ano. Houve época em que balaio era a alma do evento. Agora, é um Deus nos acuda, um espanta-leitor. É só para gastar aquele R$ 2 que sobrou do troco do lançamento de R$ 28 que você comprou porque leu uma resenha (ou release?) legal nos jornais.

Agora o jeito é se divertir e se refestelar com exemplares puídos do Nossos Clássicos, da AGIR (aqueles que têm todos a mesma capinha cinza) Círculo do Livro, edições famélicas de banca de revista, avulsos da Clássicos Jackson, Coleções Calouro (sempre se despedaçando em páginas soltas, o nosso patrono Antônio Hohlfeldt sabe do que eu estou falando) e Vaga-Lume (dos tempos de quinta série), Almanaque do Pensamento mais a literatua bubblegum: Harold Hobbins, J. M Simmel, Irvin isso, Ernest aquilo, e José de Alencar à mancheia. Não tem balaio que não tenha lá socado um exemplar de “O Tronco de Ipê” ou “Senhora”. Ontem mesmo eu achei “A Ilustre Casa de Ramires”, do Eça (caindo aos pedaços), “ Reinações de Narizinho” (idem), em todos os balaios, tinha um José de Alencar a R$ 3 – alguns a R$ 1, sinal que, de maneira velada, tem livreiro literalmente querendo se livrar dessa carga. E como não podia deixar de ser, achei “ Zélia, uma Paixão”, num balaio do Beco dos Livros. Balaio virou a nata da nata do refugo.

Em outro ofertão, encontrei um best-seller de um incensado jovem escritor, de estirpe televisiva, que há alguns anos lançou um livro de contos. Achei o exemplar a R$ 5. Outro mais vendido das feiras passadas eu achei por R$ 15. Vou esperar chegar a R$ 5, daqui a dois anos, também. Ah, aposto que se o ilustre leitor se apressar, eu aposto meu jogo de panelas do Diário Gaúcho que ainda pega o seu “Zélia Uma Paixão” lá no balaio. Corra!

No comments: