Friday, May 27, 2005

Não gosto de cinema, porém...

Para quem não viu "A Vingança dos Sith", o ingresso vale o desempenho nde Ewan McGregor imitando os trejeitos do Alec Guiness do Episódio IV. Cavaleiro Jedi com sotaque britânico é o que há de anacrônico na série. Sem falar dos bombardeios intergaláticos no váculo. O curioso é comprarar as suas trilogias e perceber que existe uma diferença estética do que se pensava como ficção científica - um ambiente hospitalar nos interiores na primeira trilogia - para a estética barroca, apocalítica, quase rococó.

Mas vamos ao que interessa. "Star Wars" é mitologia pura. a despeito do que todos enxergam sobre efeitos especiais, a história remonta à mitos antigos. Como no ciclo arturiano do Graal, toda a história gira em torno do mundo da Távola redonda, e Artur não é o personagem principal sempre, mas é é o central. Como Anakin/Vader, a história começa com ele e termina com ele. Pura mitologia levada às telas numa roupagem tecnológica.É uma saga, isto é, a história de uma genealogia, com um fundo de tragédia, a degeneração do caráter de um homem escolhido como o maior, o escolhido, e a sua redenção pelo filho, através do Édipo, do complexo.

O filho mata o pai, e o pai morre porque o único que poderia matá-lo era o filho. Ele fez cumprir o destino (moira) que lhe erra fadado desde o começo.Além do mais, a história da primeira trilogia (a parte de Uma Nova Esperança) é adaptado de "A Fortaleza Escondida", de Akira Kurosawa, onde um guerreiro leva secretamente uma princesa por um território inimigo até o seu país.A catarse dos fãs de Star Wars é a catarse do espectador em desvendar as tragédias da saga, a anunciação do escolhido, a queda de anakin e a redenção pela vitória do filho sobre o pai."A Vingança dos Sith" é trágico. Anakin/Vader é trágico. O herói trágico é, segundo o Voltaire Schilling (que também escreveu sobre o tema embora acredito que não goste muito de Star Wars), uma figura radiante, um vencedor que está no esplendor da vida, usufruindo dos feitos das suas armas, envolto numa auréola de glória quando, repentinamente, vê-se vítima de uma alteração brusca do destino.

Um acontecimento sensacional, terrível, sufoca as suas alegrias, conduzindo-o à desgraça, arremessando-o ao mundo das sombras.Anakin é a tragédia da fraqueza., Ele cai em desgraça porque tem medo, e sabe disso. Tem medo de perder sua concubina (Padmé) e se entrega com resignação como vassalo do Imperador. "Para poder-se dizer que um espetáculo é uma tragédia é preciso que ele apresente certas características facilmente identificadas pelo público", diz Schilling. "Em primeiríssimo lugar, deve revelar a dignidade da queda. O herói é sempre uma figura reconhecidamente grande, importante, que consegue manter a integridade moral quando as coisas desandam ao seu redor". O seu halo trágico reside na magnitude da queda.

Ele cai de "um mundo de segurança e felicidade, que se vê ilusório, para as mais profundas das misérias". Anakin resigna-se em sua descida, e curiosamente, Vader nasce junto com a sua prole. O que emerge da luta quase parental entre Obi-wan e Anakin é o ser despedaçado que anaquila a sua personalidade recalcada pela figura sanguinolenta de Darth Vader, um bandoleiro do espaço, facínora, infanticida e poderosamente covarde.A tragédia não é o Fado, mas sim a falta de solução. Não há outra saída do que aqueladeterminada pelos acontecimentos que vão se descortinando frente ao herói. Anakin sabe que vai perder sua mulher, como perdeu a mãe, e Padmé era o equivalente emocional de sua figura parental. Perdê-la significaria o fim absoluto. Vader é a morte quase absoluta desse herói original, que não morre por completo porque, como disse Aristóteles na Poética, o personagem trágico não é nem demasiadamentebom, nem mau.

Tanto que a parcela do homem anterior que preexistiu à Vader é aquele que não pôde matar o próprio filho. Qui-Gon estava certo quando disse que Anakin iria trazer equilíbrio à Força porque de sua própria descendência nasceria aquele que seria capaz e tão somente capaz de vencê-lo. Não haveria o filho sem o pai.O Jedi, por sua vez, é o protótipo do homem estóico. Anakin era tinha o poder mas era passional demais. A mesma doutrina estóica explicava todo o dano que a paixão humana provocava e (seguindo o Voltaire) o desespero que acomete aqueles que se deixam guiar por elas ao não saberem impor limites ao ardores do coração, submetendo-o aos poderes da lógica.

O resto é ficção-científica.

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