Thursday, September 29, 2016

Contracapa para Tim Maia


Tim Maia


Tim é um cara que, vivo fosse, teria hoje o show mais valorizado do showbiz aqui. Ainda mais agora, com esse mar de gente ressucitando para os palcos a fim de um levadinho, já que a Internet deu para todos os ostracizados da mídia mais do que aqueles 15 minutos de fama do Andy Wahrol.

Pena que, quando ele morreu, ele se deixou desamparar com aquela vida louquíssima dele, sendo curador dele mesmo e, do jeito dele, aquilo era como a Seroma: era bom até certo ponto. A liberdade que ele gozava e autonomia não dava melhor amparo para ele a longo prazo, que seria estabilidade e carreira garantida. quando morreu, ele vivia atrás de shows — só que, dessa vez, não podia mais dar-se ao luxo de não comparecer aos eventos.

O esquema é o nada que é tudo, já parafraseando o poeta português. Ainda mais aqui no Brasil, quando a gente sabe que o artista pode tudo, menos brigar com o esquema. Muitos realmente sucumbiram, e muitos até tiveram que mudar de profissão, porque a música (ou a falta de) os matou de inanição. Caso de ostracismo cultural. Não foi o caso de um sujeito amado e carismático como Tião que era maluco mas era muito querido pelos seus fãs. Se os lelecos da vida não deixassem ele aparecer na tevê, ele tinha os fãs, o carisma e os shows.

Ele mesmo se bastava com isso. Só que o que ele granjeava era pouco comparado ao que ele realmente merecia. Infelizmente, ele sabia que iria se ferrar com uma assessoria jurídica, quis fazer ele a dele, e mesmo assim, foi um sistema que não deu certo para sempre. No fim, o problema e a solução de tudo é o dinheiro.

Quando ele teve que fazer aqueles shows, em 98, ele tava ferrado, passou o fim de ano sem grana e ainda torrando. Ele ainda vivia a lenta decadência do disco perante o fenômeno crescente da pirataria (no caso, em CD, já, mas logo com a Internet chegando) e as apresentações daquele tipo (lembrem-se que vivia-se a explosão do sertanejo e do pagode naquele tempo, mesmo a despeito daquele revival de Tim a partir do sucesso de W/Brasil, com o Benjor) estavam se desvalorizado.

Ele já tava fazendo contrato com prefeitura de cidade do litoral gaúcho para garantir a grana do levado e do uísque de cada dia. Até o fim, nesses esquemas, ele se valeu pelo carisma, mas chegou uma hora em que acho que bateu o desespero.

Por outro lado, o tempo deu razão ao Tim. O esquema da Seroma dava aquela liberdade para ele mas ficar fora do esquema era o equivalente a não existir com artista de sucessos.

Você lançava o disco e não tinha lugar em disco de novela, em programa de tevê, em jabá de rádio, e isso era o que valia. O Tim brigava na hora de assinar contrato com essa turma, o pessoal depois não queria divulgar o disco e ficava por isso mesmo. Pelo menos, valeu (para o futuro) o fato do material ter saído, mas a gente sabe que nem o artista e nem o selo fazem discos para a posteridade — ainda mais numa época em que música era só o que tocava no rádio durante a semana, não existia e nem seria possível naquele tempo conceber a enorme database que seria a Internet a partir de segunda metade dos anos 2000 — quando o Tim já não estava aí para ver.

Aliás, ele era um péssimo curador da carreira, o que dizer da própria obra? Por conta dos sucessos dos anos 80, Tim ficou conhecido com o "Me Dê Motivos" ou "Um Dia de domingo", que era o udigrudi da MPB em tempo de Michael Sullivan e Paulo Massadas, quando a própria MPB, em nome da sobrevivência, largou o perfil autoral em favor desses compositores de editora musical. Que não eram ruins, é claro, mas faziam música para o esquema.

Por muito tempo, ficaram esgotados os discos dos anos 70, o trabalho que realmente mostra ao mundo quem é Tim Maia, pelos acertos e pelos erros — mas principalmente pelos acertos, já que ele acertava até quando errava ou achava que errava.

O Tim criou a Seroma como birra e brigou com o esquema, isso é algo que, como se sabe, é uma decisão suicida. Porém, a música dele se salvou, na sua melhor fase, de cair no lugar-comum dos mandachuvas de gravadoras, querendo dizer o que você devia ou não devia gravar. Tim pode ter pisado na bola algumas vezes, mas sempre gravou o que quis e porque quis.

Além do mais, mesmo que a Seroma não desse grana, ela era justamente a matriz dessa filosofia. O dinheiro não veio, mas a obra ficou. e agora, em tempos "pós", jabás, rádios e gravadoras não têm mais o papel que tinham na mídia como era nos anos 70 e principalmente 80, novos cantores/compositores têm que seguir os passos da produção independente, caminho que ele, Tim Maia, já palmilhara há tento tempo atrás. No fim, o tempo deu razão á ele.

Thursday, September 22, 2016

A Grande Risada dos Beatles


Cartaz de Eight Days a Week

"Cultura?", responde Paul McCartney a uma repórter, com relação ao que o público iria assistir na apresentação dos Beatles naquela noite. "Não, será apenas uma grande risada". De fato, talvez o show de uma banda de jovens tocando rock não era mais do que isso. Além do mais, eles sabiam que eles eram apenas grandes entreteineurs. Isso, de certa forma, o quarteto de Liverpool sabia — e sabia muito bem. Isso é o que podemos ver no mais novo documentário do conjunto inglês, Eight Days a Week — The Touring Years, lançado no último dia 15.

Ao contrário do que se esperava, o filme não se debruça nos anos de formação do grupo — algo que já foi por demais esmiuçado na série Anthology, e que foi inclusive televisionada, há mais de duas décadas atrás (nossa, faz tanto tempo assim?).

Aliás, o grande obstáculo de Eight Days a Week é, com efeito, mostrar que tem mais a dizer além daquilo tudo o que já foi dito sobre os Fab Four. Por outro lado, ele tem a finalidade de colocar John, Paul, George e Ringo novamente na mídia.

Ou, de ponto-de-vista mercadológico, havia uma pendência no rol da discografia dos Quatro Cavaleiros de Sua Majestade Britânica: era o álbum Live at the Hollywood Bowl. Lançado em 1977 como único registro oficial dos Beatles ao vivo, o disco, mixado pelo falecido George Martin (à duras penas) partir de tapes gravados pela Capitol, subsidiária da extinta EMI nos Estados Unidos, estava fora de catálogo há quase quarenta anos.

Como a Apple não prega sem estopa, a ideia de casar um documentário com a reedição do disco, agora pela primeira vez em formato digital (embora existam dezenas de edições apócrifas dizendo-se oficiais por aí, a maioria editados a partir de países livres de perseguição contra a pirataria musical) foi o componente irresistível. Por sinal, foi assim que a empresa conseguiu desencavar todo o material da série Anthology, enfeixando numa trilogia o melhor do bootleg que corria solto pelo mundo afora.

Contudo, se havia realmente muito a dizer no citado Anthology, a dificuldade de Eight Days a Week é a de apresentar-se como algo novo — a não ser pela nova geração de fãs (já na era do streaming) que, pálida de espanto, como no soneto, descobre no novo documentário dos Beatles que, ao contrário da grande risada de Paul McCartney, o quarteto britânico realmente inventou — mesmo que à revelia — a cultura rock que preexiste (?) até hoje.

De fato, como atestam os doutores em Indústria Cultural, o rock era música de nicho até a efeméride dos baby boomers: a partir dali, o gênero deixou de representar um nicho já propriamente enquadrado pelas gravadoras, para tornar-se um movimento de massas cujas bases estabeleceram-se a partir do advento da Beatlemania — disseminando um tipo de música que iria basear toda a indústria do disco e do entretenimento nas décadas seguintes.

A tal cultura da grande risada foi um maremoto tão infame que influenciou até aqueles que negariam a música dos Beatles — se não como paradigma musical, como agente instaurador (e perdoem-me por proclamar o óbvio aqui) de uma nova ordem entre os jovens e até perante ao estabilishment norte-americano, até então, a vanguarda cultural do planeta.

Pois é justamente por dar o devido protagonismo não aos Beatles, mas às testemunhas do que foram aqueles anos das turnês ianques (1964, 65 e 66, do show de Washington DC até o Candelstick Park, em San Francisco) que Eight Days a Week vale o ingresso (ou o download, seja o que for, enfim) — além da música, é claro.

Uma das vozes do documentário é Larry Kane. Hoje âncora de programas da The Comcast Network, no começo da carreira, ele cobriu as duas primeiras turnês dos Beatles na America. Como ele próprio diz, foi comissionado e não pôde voltar atrás.

À princípio, relutante — e, como ele diz, à época, contra seus próprios princípios, contra a Beatlemania, acabou seduzido pelo canto de sereia daquele quarteto que assombrava os Estados Unidos que viviam o anticlímax da morte de John Kennedy e o surgimento dos movimentos sociais. Como seria de se esperar, tratando-se de um documentário "oficial", Kane não iria explicar aquilo que John Lennon comentou a Jann Wenner, na famosa entrevista á Rolling Stone, de que as turnês dos Beatles assemelhavam-se ao "Sathyricon do Fellini".

Ao contrário, porém, ele revela um episódio interessante, quando a banda foi tocar em Jacksonville, na Flórida. A cidade, como na maioria dos estados do sul, ainda em 1964, era ampla e agressivamwente segregacionista: até os bebedouros eram divididos ou para brancos ou para "coloured". Foi nesse ambiente que John, Paul George e Ringo chegaram. Porém, ao descobrir que a plateia do show também seria dividida, eles ameaçaram vetar a apresentação. Brian Epistein, temendo uma fronda da parte branca da opinião pública, ficou perplexo ao ouvir Paul dizer numa coletiva sobre o assunto que aquilo era um absurdo.

Ao contrário do esperado, o show aconteceu e, pela primeira vez na história, Jacksonville assistiu a um show de uma banda de rock com uma plateia de brancos e negros. Por conta disso, logo a separação de plateias cairia para sempre na cidade.

O documentário, dirigido por Ron Howard, também prima pelas imagens de arquivo: muitas cenas de palco eram desconhecidas inclusive dos fãs mais roxos dos Beatles. Além disso, apresentações como a de Washington foi colorizada; a do Shea Stadium aparece num HD nunca antes visto. E o histórico show no Hollywood Bowl foi praticamente recriado. A filmagem original não possui áudio — que foi posteriormente adicionado aos tapes remasterizados da Capitol.

Já a reedição digital do álbum de 1977 (que já pode ser escutada nos sites de streaming) compreende as 13 canções do elepê original, mais quatro bônus, sendo que um deles ("Baby's In Black") já havia saído nos singles do Anthology. O material é uma seleção de quatro shows (dois de 64 e dois de 65), com setlist ligeiramente diverso. Como numa das noites de 65, o microfone de Paul falhou, optou-se por uma salada de todos as gravações, ao invés de lançar um show completo — que são conhecidos dos bootlegers, porém, com qualidade inferior.