Thursday, October 17, 2013

Uma Biografia contra o Ostracismo


A Capa

Não tinha intenção de tocar no assunto da querela das biografias no Brasil. E nem irei, pronto.

Mas me lembrei de um fato interessante sobre esse assunto polêmico, e que serve mais como um depoimento pessoal do que uma opinião abalizada e sincera sobre o assunto, mas talvez o meu tiro saia pela culatra (espero que sim). A impressão é que estão desqualificando aqueles que defendem a produção desse tipo de gênero literário que, alás, e mais antigo que vocês pensam. Lembram-se das Vidas Paralelas, do Plutarco? Pois então. Mas não era bem isso o que eu queria dizer.

Eis o que eu quero dizer: para vocês terem uma pequena idéia da importância da produção e da publicação de biografias: lançado em 1994, O Anjo Pornográfico (Ruy Castro, Companhia das Letras) foi, a um só tempo, capaz de recuperar a memória do maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos e provocar o interesse pela (então subestimadíssima e desconhecida do grande público leitor) obra jornalística do autor de Vestido de Noiva.

Aliás, a bibliografia do Nelson Rodrigues, lançada de forma esparsa e em tiragens pequenas, inverossímeis de tão liliputianas, estava esgotada há mais de vinte anos. Me lembro de caçar um exemplar de A Cabra Vadia, seleção de crônicas dele, nos sebos de Porto Alegre. Não encontrando, tive que xerocar uma edição que estava na Biblioteca do SESC (ainda deve estar lá) ver, ilustre leitor: de repente, havia apenas o Nelson dramaturgo.

Imaginem que o Nelson tinha pelo menos uns quatro livros publicados só de crônicas, e tudo estava esgotado. Ele morreu em 1980 e viveu um esquecimento de uma década e meia. E, hoje, toda a sua fortuna crítica recente, todos os estudos literários em nome dele, tudo isso aconteceu porque O Anjo Pornográfico foi publicado. De repente, descobriram que o Nelson dramaturgo está no mesmo nível do Nelson jornalista; que o Nelson cronista estava injustamente apartado do panteão dos grandes criadores do gênero no Brasil.

Sem contar que quem teve a oportunidade de ler as suas memórias, reunidas num livro chamado A Menina Sem Estrela, descobriu, pálido de espanto, como no soneto, que o autor de Vestido de Noiva tinha uma vida romanesca e tão trágica quanto seus contos e peças. Além disso, havia o carisma do próprio Nelson ao longo da biografia do Ruy Castro. Depois de ler a última linha, acredito que todo mundo queria ler toda a obra desse "autor desconhecido". Quando O Anjo saiu, em 1994, Nelson estava no ostracismo até nas provas de vestibulares.

Tudo isso e mais: a descoberta dos folhetins, contos, romances, memórias, confissões e crônicas esportivas tanto de Nelson Rodrigues, tudo foi por causa desse livro. Isso sem me perder aqui em digressões a respeito da consequente redescoberta do espólio literário de seu irmão, o também genial Homero do futebol brasileiro, Mário Filho.

Tudo, tudo isso só foi possível por causa de O Anjo Pornográfico. Esse foi o primeiro livro que eu li na faculdade (lembro-me da professora Eliana mandando a gente resenhar o livro e ninguém a fim de ler o livro, ah, maldito primeiro semestre!), minha primeira resenha e mote para a minha monografia de conclusão de curso em Jornalismo, em 2000.

Thursday, October 10, 2013

Contracapa para Verdi


O compositor na época de Rigoletto



Certa vez, Giuseppe Verdi disse que a posteridade iria esquecer sua obra. Para o compositor, no máximo, iriam lembrar-se de algum coral, de alguma ária ou algum trecho orquestral.

Em parte ele tinha razão: dezenas de peças de sua autoria vivem na memória musical de todo mundo até hoje, mesmo que a maioria dos ouvintes sequer aprecie o canto lírico. Um exemplo é a ária "La Donna É Mobile", da ópera Rigoletto, que foi popularizada pelos maiores tenores do século passado e, volta e meia, é usado pela publicidade em geral.

Pois a maioria das pessoas que conhece essa ária hoje certamente não conhece a sua história e muito menos o que representou Verdi para a política e a cultura italiana no século XIX.

Apesar de ser herói nacional italiano hoje, quando o teatro La Fenice encomendou-lhe uma nova ópera, no começo de 1850, Verdi era um artista jovem de uma Itália que ainda não existia: estava repartida em vários estados, muitos deles subjulgados à estados estrangeiros. Essa situação adversa fez com que o sentimento irredentista aflorase.

Naquele tempo, Veneza sofria censura dos austríacos que, por conta do Congresso de Viena, dominavam Vêneto e a Lombardia desde 1815). Alguns movimentos revolucionários se insurgiam contra o Império, mas a filosofia política do Ressorgimento ainda engatinhava.

Por conta disso, toda a produção cultural das regiões dominadas pela Áustria passavam pela censura do Império. Mesmo que a Itália ainda fosse uma colcha de retalhos, essa produção cultural unia os seus povos pela literatura: livros, peças, tudo ganhava conotação política.

Na música, isso não seria diferente: quando Verdi compôs Nabucco, em 1842, a situação adversa do hebreus diante do cativeiro babilônico era, na verdade, uma mensagem cifrada; uma metáfora do domínio estrangeiro na península. Com o tempo, os censores austríacos passaram a fiscalizar toda a produção cultural dos estados subjulgados.


Ora, quando Verdi escolheu O Rei se Diverte, de Victor, Hugo para transformá-la em argumento para a sua mais novo ópera, ele sabia que a peça tinha todos os ingredientes para desagradar tanto a igreja quanto aos governantes austríacos, que dominavam a cidade naquele tempo.

A peça, que foi censurada na França) era um retrato sem retoques de uma corte falida, viciada, corrompida, cortesãs dissolutas e nobres pervertidos. No centro, havia Treboulet, um bobo-da-corte amoral que ridicularizava a tudo e a todos, e era mais feio por dentro que por fora. Semeia vento, aponta gente inocente para enganar, esposas para roubar. No fim, ele seria vítima do próprio veneno que inoculava.

Para driblar a censura, Verdi confiou o libreto (o texto da ópera) para Francesco Piave, que tirou o "rei" da peça, cujo tempo foi recuado para o século XVI. Francisco I da história original virou o Duque de Mântua, e Treboulet se tornou Rigoletto. Piave havia dado à ópera o nome de La Maledizione, mas Verdi demoveu seu libretista desse título: a Igreja iria proibir qualquer nome que fizesse menções à superstições e sortilégios.

Experiente, sabendo da encrenca que poderia se meter com um argumento explosivo, Verdi primeiro sublimou tudo o que escandalizara crítica e público em Victor Hugo. Num segundo momento, passou a trabalhar a música de forma a pôr as partes vocais em primeiro plano.

Hoje isso passa batido, mas o compositor queria fazer literatura de rés do chão, muito antes do realismo de Puccini e Leoncavalo: um realista antes do realismo. Afinal, a Itália dividida da época exigia algo além de idealizações e de mitologias. Ao mesmo tempo, queria fazer arte vocal, de gosto popular, ou seja, fazer concessões ao público naquilo que deveria ser acessível: nada de wagnerianismos. "Ópera é ópera", escreveu, certa feita.

Já para os momentos sombrios da história, Verdi colocava música alegre e ligeira. Aliás, fez isso o tempo todo, como se travestisse uma ópera-bufa (gênero que ele se debruçara apenas duas vezes em toda a sua careira) em fumos de tragédia.

Rigoletto estreou na Quaresma de 1851, no dia 11 de março da quele ano. "La Donna È Mobile", onde o Duque zomba do lado volúvel da alma feminina, ganhou ares de canção popular. De quebra, se tornaria o primeiro sucesso mundial de Verdi.

Se formos pensar nesse lado, Verdi tinha razão e sabia o porquê: suas árias, e isso ele aprendeu com Rossini, precisavam conquistar o coração do público. Mas, por outra, em parte, ele errou feio; mesmo depois de 200 anos de seu nascimento, em 10 de outubro de 1813, em Busseto, Itália, praticamente todas as suas ópera s estão no repertório das grandes orquestras em todo o planeta.

Sunday, October 06, 2013

Leco Alves - Os Anjos Dizem Amém (1999)


O Leco Alves era meu primo. Sempre fomos muitos ligados, até porque a diferença de idade era de um pouco mais de um ano. Nos criamos em uma família muito musical, na qual um tio-avô, o Lelo (Telêmaco Machado), era um boêmio inveterado. Lelo passeava de bar em bar na noite porto-alegrense com sua viola a tiracolo. Em família, os tios Dinho (Carlos Alfredo), Cabeça (Renato) e Banana (José Roberto) sempre tocavam músicas em seu violão. As tias Neiva e Noedi eram as principais cantoras, mas todos cantavam e participavam fazendo percussão de alguma forma, fosse na geladeira, numa panela ou até mesmo transformando uma garrafa de Fanta em reco-reco. Foi nesse meio que o Leco aprendeu a gostar de música, assim como eu, mas foi quando ele entrou para o CLJ (Curso de Liderança Juvenil), na Igreja Sagrada Família, é que ele resolveu aprender a tocar violão.



No início, o Leco parecia o Juca Chaves cantando, com uma voz miúda e um tanto tímido. Mas as "apresentações" na igreja, durante a missa, foram liberando o Leco das travas musicais. Fez cursos de canto e em determinado dia decidiu que seria músico. Sempre teve o apoio da família, principalmente dos pais, Neíta e Adair, seu primeiro público. Aos poucos, nas reuniões de família, desbancou os tios e acabou incentivando que outros primos tocassem violão. 


De uma hora para outra, Leco começou a cantar em bares, fazer apresentações em teatros, tocar nas rádios e, quando se deu conta, Porto Alegre ficou pequena para seu talento crescente. O Rio de Janeiro foi a cidade escolhida por ele para alcançar a fama. Ao chegar à Cidade Maravilhosa foi logo comparado a Nei Matogrosso pelo seu timbre de voz, repertório e até por seus trejeitos no palco. Mas quis o destino que ele não completasse a trilha que tinha planejado. Em uma tempestade de verão que assolou o Rio em Janeiro de 1998, Leco faleceu quando uma árvore caiu sobre o orelhão onde telefonava para avisar que chegaria tarde ao show marcado em Niterói, já que as barcas não estavam funcionando por causa da tormenta. Abaixo, segue um resumo da carreira, que retirei do Blog do Gringgo.


DISCO 1
01. Eu e meu violão (Leco Alves)
02. Os anjos dizem amém (Leco Alves)
03. Você passou (Leco Alves)
04. Coração com muros / Quién fuera (Silvio Rodrigues, versão: Leco Alves)
05. Beaucoup plus (Leco Alves, versão: Crika Amorim)
06. The best (Leco Alves)
07. Tudo em "p" (Jorge Nóbrega e Ângelo Delatre)
08. Sou Rio (Leco Alves)
09. Um gato (Adriana Calcanhoto)
10. Platinum blonde (Jussi Campello)
11. Objeto baby (Eduardo Dusek)
12. Sem camisa (Eduardo Dusek e Luis Carlos Góes)
13. Gás lacrimogênio (Cláudio Goldmann)
14. Serventês (Arthur de Faria, Peire Cardenal e Augusto de Campos), com Cida Moreira
15. Balada por Monk (Antonio Villeroy)
16. Frevo mulher (Zé Ramalho)


DISCO 2
01. Pacto (Leco Alves)
02. Copacabana (Jusi Campello)
03. De frente pro mar (Leco Alves)
04. Saudades de mim (Leco Alves)
05. Feito um picolé no sol (Nico Nicolayewsky)
06. O vento do desejo (Leco Alves)
07. Os dias (Leco Alves)
08. Delicadinho (Leco Alves)
09. Menino Deus (Caetano Veloso)
10. Máscara (Leco Alves), com Ju Cassou
11. Quando eu me apaixonar (Leco Alves)
12. Quando você não me procura (Leco Alves e João Pinheiro), com Ju Cassou
13. Façamos amor também (Cole Porter, versão: Carlos Renó), com Ju Cassou
14. O último dia (Celso Fonseca e Billy Brandão)



Convidadas: Cida Moreira e Ju Cassou
Participações: Marcelo Delacroix, Frank Solari, Simone Rasslan, Giovanni Berti, Rogério Piva, Arthur de Faria e Nico Nicolayewsky.

Compositor. Cantor. Instrumentista. Dono de um raro registro vocal de contratenor, iniciou sua carreira artística em 1986, cantando no bar Opinião (Porto Alegre, RS). No ano seguinte, apresentou-se no Teatro Mágico e no Orange Bar (Porto Alegre, RS). Ainda em 1987, apresentou-se, como convidado de Adriana Calcanhoto, Muni e Luciana Costa, no show "Enquanto seu lobo não vem", na reabertura do bar Porto de Elis (Porto Alegre, RS). Em 1989, realizou o show "Porque o sol dava nos trilhos", no Teatro de Câmara de Porto Alegre, que o colocou entre as Revelações do Ano. Apresentou, também no bar Porto de Elis, o show voz e violão "Alguém cantando". Em 1990, realizou, também no Porto de Elis, o show "Caetanear o que há de bom", interpretando músicas de Caetano Veloso. Apresentou-se, ainda, com "Primavera de pragas" no Teatro de Câmara de Porto Alegre, além de ter atuado nos projetos "Encontros insólitos" e "Compor canta Porto Alegre". Em 1992, foi contemplado na categoria de Melhor Cantor com o Prêmio Açorianos de Música, espécie de Prêmio Sharp gaúcho, conferido pela Secretaria Municipal da Cultura da Prefeitura de Porto Alegre, por seu show "Paixões a granel", realizado no Teatro Renascença, em que interpretou canções de cabaré. Ainda nesse ano, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde apresentou seu show "Passos de ilusão", realizado na casa noturna People, marcando sua estréia na cidade. Nessa época, começou sua carreira de compositor. Em 1993, esteve em Porto Alegre participando do projeto "Fim de tarde", realizado na Sala Radamés Gnatalli, do Auditório Araújo Vianna, além de apresentar-se no Publicitá Café. De volta ao Rio de Janeiro, continuou seu circuito de shows em casas noturnas como Mistura Fina, Le Streghe e Au Bar (RJ), entre outras, tendo voltado a Porto Alegre, em 1995, para apresentar o show "Dez punhais". Engajado em movimentos contra a discriminação dos portadores do vírus da Aids, atuava com sua música em eventos promovidos por entidades que lutam contra a doença. Faleceu em 1998, pouco antes de completar 32 anos de idade, vítima de um acidente provocado pela queda de uma árvore que desabou sobre ele em um dia de temporal no Rio de Janeiro, quando se dirigia para uma apresentação no Bay Market, em Niterói (RJ). Em 1999, ocorreu o lançamento póstumo de seu CD duplo "Os anjos dizem amém", trabalho que reuniu músicas próprias e de outros compositores, gravadas em estúdios de Porto Alegre e do Rio de Janeiro, assim como gravações ao vivo de shows realizados em casas de espetáculos cariocas. O lançamento do disco foi realizado na Casa de Cultura Laura Alvim (RJ).