Monday, August 26, 2013

Retrato Sem Retoque


Bob Dylan


Menos de um ano do lançamento de Tempest, a Sony põe no mercado o título mais recente da série Bootleg Series do Bob Dylan. Another Self Portrait é o quadragésimo-quinto álbum de carreira do compositor norte-americano e, como o próprio nome diz, é um apanhado de sobras de estúdio gravadas entre 1969 e 1971 - um dos períodos mais prolíficos em matéria de produção musical do autor de Blowin' in The Wind.

Na verdade, é de se pensar que, compreendendo a proximidade das sessões de gravação de Nashville Skyline, New Morning e a de setembro de 1971, com Happy Traum, a fim de gravar o lado 4 do Greatest Hits 2, tudo parece fazer parte de um mesmo contexto. Dylan gravou dezenas de canções, segundo ele, para compensar o fato de que muitos achavam-no descansado demais depois do acidente de moto que interrompeu sua carreira nos palcos, em 1966.

Tirando a sessão de 71, todo o resto foi produzido por Bob Johnston, o sujeito que melhor soube traduzir o que o compositor tinha em mente quando ele entrava em estúdio. Isso desde quando, contra a determinação de Al Grossman, ele levou Dylan para gravar com músicos de Nashvile para deslanchar o Blonde on Blonde. A partir dali, nasceram o John Wesley Harding e o Nashville Skyline.

Deste último, havia sobrado muito material - incluindo o encontro de Bob com Johnny Cash que, por sinal, ainda permanece inédito oficialmente. No começo de 1970, agora em Nova Iorque, ele grava muita coisa para o que seria o disco New Morning. O material produzido não era satisfatório; contudo, devido à pressão da gravadora (ainda mais por conta do lançamento de discos pirata de tapes do próprio Dylan aparecendo no mercado negro), e dada a quantidade de canções gravadas e mixadas, surgiu a idéia de lançar Self Portrait.

O álbum, que veio à lume em meados de 1970, era um camoniano monstrengo, a começar pela capa - uma pintura feita às pressas pelo próprio Dylan. A concepção era a de um disco conceitual, (ou a paródia de, ou a paródia da paródia de) na tentativa de, a partir das faixas dispostas, emprestar a elas um certo contexto.

Self Portrait dividiu a crítica e o público pela inconsistência e insidioso ecletismo das músicas ou a escolha de covers como Let it Be Me e Blue Moon. Isso embora haja momentos interessantíssimos, como a sua versão para I Forgot You More, das Davis Sisters ou a bela Wigwam.

Dylan partiu em defesa do seu rebento, assim como a CBS, alegando que ele estava sendo crucificado apenas por causa dele. "se fosse os Everly Brothers ou Elvis, haveria bem menos gente chocada com isso", justificou na época.

No fim, New Morning saiu em outubro daquele mesmo ano, e foi mais bem recebido do que seu antecessor. Muitos, aliás, até alegando que esta, sim, estaria dentro da "linha evolutiva" que Dylan vinha pavimentando desde o Highway 61 Revisited. Os detratores acharam que este disco fora lançado para pôr "panos quentes" à bazófia em torno de Self Portrait. Dylan novamente se explicou, alegando que o lançamento de New Morning já estava previamente agendado.

Pois este disco, o Another Self Portrait, é uma espécie de crônica daqueles dias em forma de música. Ele também mostra que havia tanto material gravado quanto alguma certa dificuldade em dar vazão à ele. Comparando e confrontando as sobras do Botleg Series com os respectivos álbuns oficiais da época, é possível chegar a várias conjecturas.
Uma é que o Nashville Skyline poderia ser um disco maior. A outra é que as primeiras sessões do New Morning não foram tão improdutivas como se pensa. E outra é que, como aconteceria em outros momentos na carreira dele, Dylan tinha um coelho na cartola e acabou tirando outro.

Da mesma forma como ele gravou quase que duas vezes o Blood on the Tracks, o New Morning que se insurge no Another Self Portrait se mostra diverso daquele que se conhece. Por exemplo, a versão que ficou de fora de If Dogs Run Free é menos beatnik que a oficial. Time Passes Slowly soa menos improvisada que a original. E algumas faixas, como Alberta, Spanish is the Loving Tongue (ainda mais se comparada com o arranjo habanera do elepê de 73) e Days of 49 ficam melhores em versão stripped, isto é, sem uma banda inteira junto.

Como se pode acompanhar desde o primeiro Bootge Series, muita coisa muito boa ficou de fora daqueles discos, como uma ótima gravação de Only a Hobo (da sessão de 71, com Traum no mandolim), Ministrel Boy,outra sobra dos mitológicos Basement Tapes e Thristy Boots e These Hands, entre outros. Vendo a quantidade de material excelente e o que foi lançado no Self Portrait, é certo que era possível, na época, produzir algo mais "consistente" no lugar do disco duplo de 1970.

Claro que essa é apenas uma teoria, mas a impressão que fica é que o material apócrifo tinha uma linguagem mais próxima do Dylan convencional. No momento de selecionar as canções, ele fez a sua escolha. Em muitos casos é claro que foi na mosca, como em If Not For You - cuja versão do Another não se compara ao arranjo comercial da que todos conhecem.

Tudo isso sem contar com a apresentação completa de Bob Dylan com a The Band na Ilha de Wight, em 31 de agosto de 1969. Outra material que, não se sabe o porquê, levou tanto tempo para aparecer em formato oficial> O show, que dura pouco mais de uma hora, tem momentos muito bons, como ele ao violão entoando Wild Mountain Theme, uma versão adorável de I'll Be Your Baby Tonight e Minstrel Boy com a The Band, dando uma vaga idéia do que foi a alquimia musical em Woodstock, naquela casa cor-de-rosa...


Bob Dylan - The Bootleg Series Vol. 10 – Another Self Portrait (1969–1971)
Lançamento Columbia Sony