Saturday, June 08, 2013

Trinta Anos Esta Noite


O compacto


Primeiro compacto que eu comprei na vida não era de alguma grande banda de classic rock. Foi o do Ritche, tinha Menina Veneno e Voo de Coração - há exatos 30 anos.

O curioso nisso tudo é que ele se tornou rapidamente um sucesso gigantesco de vendas, bem no começo do BRock, mas que teve uma carreira mainstream meio efêmera.

Lembro de ter o disco nas minhas coisas por muito tempo e confesso dizer que eu passei a nutrir um insidioso desprezo por ele. Posso até dizer que eu tinha vergonha de possuir o álbum e, certa feita, não pensei duas vezes quando uma tia me pediu emprestado: "não precisa devolver!", foi o que eu disse.

Nunca fui nostálgico - pelo menos com relação ao rock brasileiro produzido na década de 80.
Por isso, não sei explicar por que motivos eu passei a, em plena era digital, passei a coletar material sobre aquelas bandas (algumas, com efeito, naturalmente continuam na ativa) e, de repente, me despertou o interesse pelo tal disco do Ritchie, mas por uma razão curiosa: sempre entendi que a veneração ao cantor inglês (da terra do Frampton, diga-se d epassagem) radicalizado no Brasil, a partir de 1972, tinha a ver com um perfil de cantor ´pop brasileiro que eu chamaria insdicriminadamente de brega.

Na verdade, sempre entendi o Ritche do Voo de Coração como algo vinculado àquilo que passava nas tardes de sábado no Chacrinha. Era uma veneração de macacas de auditório. Não parecia que existia uma ligação entre ele e o rock que foi produzido naquela época (1983).

Eu, por essas estranhas associações, o entendia como um Carlos Alexandre com um visual moderno e look de artista estrangeiro. Mas, na verdade, nada daquilo me enganava.



Mesmo assim eu assumo que era fã do Ritchie. Não tinha como não ser, pelo menos naquele tempo. Ele pôs todo o disco nas paradas. Clipes e programas sobre ele eram produzidos na TV. Depois do compacto, que eu ganhei no meio do ano, finalmente pus as garras no disco.

Olhando em retrospectiva, hoje, eu noto que minha associação dele com o intérprete de Feiticeira era um tanto exagerada. Mas não há como culpar ninguém; todos eram reféns da produção comercial dos barões da indústria cultural dos anos 80. E, de fato, Ritchie era roqueiro progressivo, com carreira de músico em bandas como o Vímana, que ninguém ouviu (e nem o faz hoje, mesmo com o advento da Internet). Eu não conhecia a trajetória do cara por detrás de uma canção como Menina Veneno.

O curioso é que o primeiro disco dele pode ser incluído na história do rock brasileiro. A começar pela produção e os músicos de estúdio: Mayrton Bahia, Liminha (que ele conheceu com os Mutantes, ainda em Londres), Lobão, Zé Luiz (da Blitz) e Steve Hackett.
A história da produção do primeiro álbum é curiosa. Com essa turma, ele havia gravado uma demo na Warner, que foi parar nas mãos de um executivo da CBS, que queria alguém para concorrer com a já supracitada Blitz. O conteúdo entusiasmou os produtores da gravadora.

O primeiro compacto do disco saiu em fevereiro de 1983. Estourou primeiro no Nordeste, com alguma divulgação, No entanto, para o lançamento do disco, em junho, foi realizada uma campanha publicitária em torno de "A Vida tem Dessas Coisas". Em pouco tempo, o álbum de estréia do ex-Vímana atingia a marca de 700 mil cópias vendidas.

E, de fato, todas as músicas eram legais. De Casanova (que teve clipe produzido pelo Fantástico), Voo de Coração, Casanova, Menina Veneno e Pelo Interfone e Tudo Que Quero, que tem uma melodia genial. E eu sempre viajava quando ele falava, em Voo de Coração, "escrevendo memórias num velho computador", numa época em que os microcomputadores tinham uma tecnologia de cauculadora de bolso Dismac, movida à vela. Se computador de mesa era ainda um luxo, imagine um "velho computador"...

Durante pelo um ano, não s falava em outra coisa a não ser em Ritchie.

Nem o maior cantor da CBS, Roberto Carlos. Sobre isso, Arthur Dapieve conta uma história - espalhada por Tim Maia, de que o cantor foi defenestrado do selo pelo compositor de Detalhes. Em 1983, Roberto vendeu muito menos do que Ritchie que, ainda por cima, amealhou o Troféu Imprensa de melhor cantor do ano. Lembrando que quem sempre ganhava esse prêmio era Roberto Carlos.

Não se sabe a história real, mas a verdade é que o furacão em torno de Ritchie não chegou no segundo disco. Talvez por conta do fato de que era quase impossível superar a marca atingida com o disco de estréia. Ou quem sabe por causa da superexposição do artista. Fato é que, de A Vida Continua em diante, que vendeu pouco mais de 100 mil cópias, nada foi como antes.
Se sentindo abandonado pela CBS, ele pediu a rescisão do contrato com o selo, que ainda previa a gravação de mais um bolachão. No entanto, a gravadora não se importou com o prejuízo. Isso fez com que muitos passassem a acreditar na lenda da puxada de tapete do Rei em Ritchie.



O cantor inglês seguiu a carreira, embora eu já não a acompanhasse. Como eu disse antes, a pecha de cantor das empregadas high-tech engessou a imagem de Ritchie. Suas músicas tocavam em rádios populares, embora ele mesmo fosse capaz de encher o Canecão em três noites seguidas, como o fez.

Creio que o tempo cuidou de assentar as coisas. Mesmo sem a visibilidade de antes, conhecendo o contexto histórico de sua carreira como músico, é possível notar que ele tem uma ligação com o rock e suas vertentes ao longo do tempo. Ou seja, mesmo que estereotipado, Ritchie não virou um Carlos Alexandre. E seu primeiro disco, Voo de Coração trinta anos depois, pode ser considerado um clássico do rock brasileiro.

Até acho vou pedir meu disco do Ritchie de volta para a minha tia.

Vargas e a Gravata Colorada


Getúlio Vargas

O amigo leitor sabe o que é a gravata colorada? Para quem não conhece o termo gauchesco, é como se chamava a degola por aqui, mais ou menos nos tempos da Revolução Federalista, de 1893.

No levante farroupilha houve degolas, mas na Federalista, esse terrível expediente foi largamente utilizado. O historiador Décio Freitas diz que ela foi a mais cruenta de todas as guerras civis no continente sul-americano. Os quase três anos de luta deixaram um saldo de 10 mil mortos.

Um episódio foi exemplares: em Hulha Negra´, a vinte quilômetros de Bagé, mais de 300 homens rendidos foram degolados friamente numa mangueira. O chamado Massacre do Boi Preto lançou o mito do coronel maragato Adão Latorre. Com uma adaga de quinze centímetros, ele foi o executor. Entre as vítimas, estavam o oficial chimango Manoel Pedroso - acusado de ter mandado matar a família de Latorre em Bagé, meses antes.

Quatro meses depois, os Legalistas devolveram o banho de sangue, matando, à base de faca 370 maragatos, capturados numa emboscada, em Palmeira das Missões.

A guerra deixou marcas e um rastro de ódio que levou anos para se apagar, e respingou na outra revolução, a de 23, dos maragatos partidários de Assis Brasil, contra os desmandos do chimango Borges de Medeiros.

Na época, vivia se a era dos coronéis provisórios. Sesmeiros em geral, eles controlavam pequenas comunidades e tinham em séquito de centauros à sua disposição que, na maioria das vezes, lutavam por seus chefes políticos respectivamente, que se dividiam filosoficamente entre os governistas e os oposicionistas, ou seja, entre chimangos e maragatos. Era o atavismo de 93.

Na refrega de 23, mesmo em menor escala, a degola ainda campereava pelos pampas. O famoso coronel provisório Vazulmiro Dutra, de Palmeira das Missões, tinha os pés-no-chão sob sua chefia. Chimango, ele sempre foi acusado por assisistas de ser degolador. Ele, por sua vez, não se importava com a pecha que acabou ganhando. Pior: Dutra inclusive gostava de ser chamado como tal.

Pois numa das viagens do então presidente do Brasil, Getúlio Vargas (isso durante o Estado Novo), alguns coronéis e pecuaristas resolveram homenagear o ditador com um grande churrascada no Country Club. Nessas idas e vindas um tanto fisiológicas, uma década depois, o chefete agora fora nomeado delegado regional do Instituto Nacional do Mate.

Por coincidência, o coronel estava ao lado de Vargas na imponente mesa quando trouxeram o espeto com a costela para servir o presidente. Aproveitando a ocasião, Vazulmiro puxou da cintura um facão enorme, oferecendo-se para servi-lo. Getúlio, ao ver de quem se tratava, fitou o coronel com uma cara marota - que entendeu perfeitamente a brincadeira. E respondeu, entre risos gerais:

- Calma dr. Getúlio, essa faca o senhor não precisa se preocupar não foi usada ainda.










Thursday, June 06, 2013

Morte e Vida Gauchesca


Simões Lopes Neto




Uma colega de trabalho me pediu se eu não tinha o Contos Gauchescos, do Simões Lopes Neto, para emprestar ao filho dela. Eu não apenas cedi a obra para ele como ofereci-lhe o meu já calejado exemplar.

Mesmo que o garoto tenha que ler as páginas do autor de Casos do Romualdo porque ele é sugerido para o Vestibular da UFRGS, é incrível encontrar gente nova conhecendo um autor que remanesceu esquecido por vários anos. Não sei se vocês conhecem a história. Pois bem.

Carlos Reverbel era secretário de redação da revista Província de São Pedro. Editada pela Globo, em 1945, ela foi o pontapé inicial no grande projeto intelectual ao jornalista de Quaraí. Grande pesquisador e memorialista, a partir daquele momento, ele decidiu se debruçar diante de um escritor morto e esquecido, como um Bach dos pampas: o pelotense Simões Lopes Neto.

Junto com Erico Verissimo e Henrique Bertaso, eles decidiram republicar os seus Contos Gauchescos, que havia sido lançado originalmente em 1912, e cujos direitos pertenciam à obscura Enchenique de Pelotas. A editora, por sua vez, havia conseguido os tais direitos da viúva de Lopes e por uma quantia ínfima. A Globo comprou os originais, entregando à Maurício Rosenblatt e a Aurélio Buarque de Hollanda de adicionar uma fortuna crítica e um glossário.

A publicação d'Os Contos, que foram antes reeditados numa edição canhestra, em 1928, ficou tão obscura quanto a primeira. Tanto que a maioria dos estudos regionalistas sobre literatura ficavam, em sua maioria, restritos ainda à obra de Alcides Maya. Mais tarde, depois de amplas negociações com a mulher de Lopes, Reverbel conseguiu os originais dos Casos do Romualdo, também editada pela Globo.

No livro Um Certo Henrique Bertaso, Verissimo conta que o editor da Globo teve um belo gesto: devolveu à viúva de Simões os direitos autorais sobre essa edição do "seu ilustre marido".

Falando na Globo, é interessante ver que, justamente naquele momento da redescoberta do autor pelotense em nossas letras, havia um movimento (que não era orquestrado como tal, mas era algo do tipo), como bem observa Flávio Loureiro Chaves no artigo "As Buscas de Reverbel".

Segundo ele, em 1945, além do Província de São Pedro, o Rio Grande viva um momento "de atualização de atualização da vida cultural: Cyro Martins lançara o ciclo narrativo do Gaúcho à Pé, João Pinto da Silva apresentava a primeira visão histórica da literatura gaúcha. "Augusto Meyer abria uma perspectiva transdisciplinar nos ensaios reunidos em Prosa dos Pagos", Darcy Azambuja concluía a coletânea de contos intitulada No Galpão. E, em 1949, a Globo lançava o primeiro volume da trilogia O Tempo e o Vento.

Falando em Erico, é notável perceber o quanto o personagem Fandango, de O Continente, tem sua persona inspirada no vate que cantam as estradas reais dos Contos de Simões Lopes Neto. Blau, como Fandango, parece ser o gaúcho típico que introduz uma forma peciliar de rapsodo dos pampas: à margem dos acontecimentos, mas sempre com uma ponta de sabedoria em seus ditos. Ora ele é quem conta; ora ele é o personagem. Fandango, com seu estilo de gaúcho largado, com o seu saber empírico de homem do campo e figura coadjuvante em o Continente, não existiria sem Blau Nunes.

À guisa de pósfácio, na edição da Globo de 1945 escreveu o esboço de uma biografia, mais tarde laçada em separado em Um Capitão da Guarda Nacional, de 1981. Ali estava o grande gesto de Carlos Reverbel - e da Globo. Numa curiosa incursão editorial, umas das grandes aventuras típicas de Bertaso e Erico no comando da Globo, que se criou a grande glória póstuma do escritor pelotense, num momento histórico no curso de nossa literatura no ramo regionalista, e isso muito antes do achado de Grande Sertão: Veredas.