Thursday, February 14, 2013

Música & Lugares

Ainda de volta com a série, para animar o blog: Going Back to Big Sur, canção do compositor e cantor Johnny Rivers de 1968, lançada no disco Realization. O álbum, pós aquela fase dos inferninhos da Sunset Strip que o guindaram à parada de sucessos - e diverso da linha musical dos primeiros discos, aqui o encontramos em meio ao desbunde do flower-power, deixando a música ligeira em favor de um blend mais psicodélico. Desse mesmo disco sairia o grande sucesso de Rivers "Summer Rain".

Todavia, a música em questão é Going Back To Big Sur. A letra fala de um local além da Baixa Califórnia, onde a costa é recortada por gigantescos desfiladeiros de falésias, que assomam o cenário profundo. Mostra também mostra um pouco da vida de quem quer ficar longe da cidade grande, num lugar tão belo quanto inóspito. Citado por Jack Kerouac em livro homônimo (o escritor viveu um mês na casa de férias do seu amigo, Lawrence Ferlinghetti para embalde tentar se livrar da bebida), o lugar virou uma vivenda campestre para outros hippies também desbundados a viver em contato com a natureza selvagem de Big Sur.


Vista aérea do Bixby Canion, onde as pontes driblam as escarpas



Não perca os demais posts da série, nos arquivos do blog :)

Monday, February 11, 2013

Prá não dizer que não falei do livro


Verdade Tropical, de 1997

Li com nada menos que quinze anos de atraso o livro Verdade Tropical, do Caetano Veloso.

Ou seja, depois de tanto tempo, creio que não exista muito a acrescentar ou discutir sobre o assunto MPB e Tropicalismo, isso sem contar com as inúmeras publicações e teses a respeito dos dois assuntos.

Mas, ocorre que ao mesmo tempo em que eu avançava no livro, achei no Youtube uma entrevista exclusiva do repórter Geneton Neto com o Geraldo Vandré.

Na tal entrevista, Vandré explica que abandonou o showbiz ao retornar do exílio. Explica que foi porque a Indústria Cultural (bem, ele não falou exatamente nesses termos) havia massificado a música brasileira, e ele não se via à vontade para retomar sua carreira de cantor.

No livro do Caetano, o que mais assombra ao leitor que desconece o contexto histórico-musical da segunda metade dos anos 60 é a divisão sectária que havia entre músicos que defendiam um nacionalismo musical explicitamente autóctone (hoje quem daria bola para isso?). Na mesma medida, eles defendiam esse ideário na mídia, mais precisamente em programas de tevê, no teatro participativo e de esquerda e, principalmente, nos festivais.

Vandré, que começou como intérprete de baladas como Samba em Prelúdio (com Ana Lúcia), no ambiente de festival decidiu tomar a cabo um projeto de fazer música de protesto (rótulo que, na entrevista ao repórter, ele não endossa). Ou seja, para ele, quando escolheu Jair Rodrigues para defender Disparada, ele queria que ela, com efeito, fosse uma Marselhesa. E foi.

Fato é que nem foi apenas Caetano quem notara que, naquela conjuntura adversa (estávamos em pleno governo militar, instaurado a partir de 1964), os festivais (Excelsior, depois Record e Globo) viraram palco de manifestações de protesto ao regime). Vendo com os olhos da época, aquela posição extremista de defesa do nacionalismo da MPB contra tudo o que fosse considerado estrangeiro, colonizado ou qualquer adjetivo que o velha hoje soa tão estúpida quanto ingênua - mas que era defendida com unha e dentes pelos aiatolás da MPB.

A situação chegou ao seu paroxismo quando a própria tevê, na figura de Paulo Machado de Carvalho, então diretor da Excelsior, queria fazer cartaz em cima dessa rivalidade, com vistas a aumentar a audiência de sua emissora por conta dessa polêmica.

Primeiro, foi a guerra da MPB com a Jovem Guarda. Essa, capitaneada pelo programa homônimo, apresentado por Roberto Carlos, era rival direto primeiro do Fino da Bossa e, depois, da Frente Ùnica da MPB.

Para se ter uma idéia da coisa, se alguém aparecesse nas hostes jovem guardistas não poderia colocar os pés novamente no palco do Fino. Foi o caso de gente insuspeita como Jorge Ben - defendido por Caetano por ser o verdadeiro músico de vanguarda no sentido de "linha evolutiva" (expressão cunhada por Augusto de Campos para o Tropicalismo e citada por Caetano ao longo do livro) da MPB.

Pode parecer brincadeira, mas esse tipo de disensão era levada às últimas consequências. É aí que entram os tropicalistas.

Ao misturarem a cultura popular sem excluir a cultura de massas (Chacrinha, Roberto Carlos, Carmen Miranda, samba-canção e demais ritmos que form fadados ao índex pelos aiatolás da bossa nova) e signos e referências "alienígenas" como o rock, mesmo que tratando de forma crítica e criativa esses temas em sua ideologia, os tropicalistas foram rejeitados primeiro pelo público engajado, depois pela MPB participante, pelas esquerdas (já que os tropicalistas, segundo Caetano, eram a "esquerda da esquerda") e, por fim, pelos militares.

A despeito de tudo, Caetano e Gil conseguiram conquistar espaço na mídia, venderam o tropicalismo, granjearam inimigos e viraram bola da vez: agora o mote para dar ibope era Caetano versus Chico.

É aí que o Vandré volta à baila. Para Caetano Veloso, o rival em questão de sua pessoa era, justamnte, o autor de Fica Mal Com Deus. A diferença era que a múdia (leia-se também Paulo Machado de Carvalho) achava que pôr ele e Chico no mesmo ringue dava mais audiência. O compositor baiano, no entanto, tinha uma teoria: Depois de Chico, e depois de Disparada e Aroeira, Vandré queria ser o número 1. Sua ambição gigantesca o colocou acima de tudo e de todos. Para ele, sua vida (na visão de Caetano, não nessas mesma palavras) dependia do festival de 1968. Ali ele depositara todas as suas fichas.

Gil e Caetano entraram no FIC para transformar tudo num happening. O primeiro foi desclassificado por sua pastichização de Hendrix em Questão de Ordem. Caetano fez um discurso contra a pretensa burrice da platéia, que havia politizado da forma mais tacanha o festival. Insultou o júri e implorou para ser desclassificado.

A batalha final se deu entre, quem diria, Chico (com Tom Jobim) e Vandré. O público, em hordas, queria Vandré, mas o júri preferiu Chico.

Esse episódio foi comentado por Nelson Rodrigues em suas crônicas do Globo da forma mais peculir possível. Nelson assistiu perplexo à capitulação de Vandré depois do resultado, pedindo que o público respeitasse, se não a escolha dos jurados, a importância de Chico e Tom para e MPB e blá,blá-blá. Nelson, que não topava nem Caetano nem Vandré pela arte deles, achou que Caetano desmascarou a hipocrisia da platéia em seu discurso furibundo no TUCA (não há dúvidas que o escritor pernambucano se identificou com o gesto de Veloso na sua lide como o pobre diabo pregando no deserto em favor de suas peças interditas).

Na mesma medida, com efeito, achou que Vandré, como o Moisés da esquerda festiva, se falsificou ao infinito ao não defender sua canção. Ao contrário, pediu que a platéia aceitasse o estado das coisas (Tom chorava ao lado de Cylene e Cynara, ao recdeber o prêmio, dada a vaia esmagadora e estúpida do Maracanazinho). Ainda mais quando Vandré bradou: "a vida não se resume a festivais".

Volto ao livro Verdade Tropical. Ali, Caetano narra um episódio em que Vandré destratou Gal quando ela mostrou Baby a ele, taxando a música de "uma merda". A declaração mostra duas coisas: Vandré havia perdido a noção do certo e do errado em sua escalada em defesa do seu nacionalismo musical. Geraldo Vandré esqueceu até sua parceria com Gil em Rancho da Rosa Encarnada. Agora, Gil era inimigo seu.

Outra: a verdadeira briga era dele contra Caetano, e não contra Chico. Caetano achava que Chico não era nem contra e nem a favor do Tropicalismo, ao passo que Vandré via o movimento como uma ameaça à soberania nacional.

O problema é que os militares também achavam isso. No fim das contas, quem foi preso foi Caetano e não Vandré. Os happenings e declarações tropicalistas causaram muito mais espécia ao governo militar do que a letra de Prá não dizer que não falei das flores. No fim, foram ambos exilados: Vandré para a França e Caetano para a Inglaterra.

Mas fiquei com a imagem de Vandré na tevê, na entrevista. Parecia óbvio que o desencanto dele era e é muito maior do que a tal "massificação" da MPB. Afinal, o compositor paraibano parece ser o único que pensa dessa maneira. No fim, acho que, na verdade, desde aquela fatídica final do FIC de 1968, ele está ainda tentando falar não para a platéia, e tentando aceitar essa sua verdade: "a vida não se resume a festivais".