Saturday, November 19, 2011

Canta, Maysa!


A cantora

Em 1973, Maysa havia largado o show business e negava-se a gravar um novo disco. Sequer cogitava em cantar em público.

Nessa época, a cantora de Meu Mundo Caiu foi escolhida para reintegrar o júri do famoso programa Flávio Cavalcanti. Como ela precisava de dinheiro, topava apenas pelo cachê. Ia de Maricá até o Rio especialmente para o show.

Porém, sempre que aparecia na tevê, vinha a pergunta: por que Maysa não canta?

Enfática, ela respondia: “não quero entrar no esquema. Não aceito cantar o que me impõem”.

Flávio resolveu investir na idéia. Com a produção do programa, instigava a audiência a mandar cartas pedindo a volta de Maysa aos palcos. Mais do que isso, conseguia vídeo-tapes de gente famosa que implorava à eterna musa de O Barquinho que voltasse a gravar.

Toda noite, o auditório de Flávio clamava:

- Canta, Maysa!

Ela, contudo, não dava trégua. Cavalcante se empertigava: tirava e punha os óculos. Soltava um “nossos comerciais, por favor!”. Todo mundo achava que era uma jogada orquestrada de ambos, mas tanto ele quando o pessoal da produção garantia que aquilo surgira de repente - e com efeito da própria decisão da cantora em parar de cantar.

Quando o assunto já não parecia ir a parte alguma, Flávio sempre saía com alguma forma de requentar a querela.

Eis que, num programa em que Maysa estava no júri, Cavalcanti anunciou um quadro novo. Nele, os telespectadores eram escolhidos por sorteio e fariam um grande deseja a ser atendido pela produção, no estilo do futuro “porta da Esperança”, do Sílvio Santos.

Apareceram dois candidatos, que não tiveram seus desejos atendidos. Quando o terceiro candidato foi chamado ao palco, apareceu ninguém mais, ninguém menos que Cauby Peixoto!

Flávio corria a vista por detrás de seus óculos de aro grosso e lentes idem, a fim de entende o que estava acontecendo. Será que não havia nada de errado, era isso mesmo? Cauby Peixoto?

Era. Flávio perguntou qual era o grande desejo do cantor de Conceição no quadro A Sua Chance de Pedir.

- Canta Maysa!

E começou a cantar: “se for preciso eu vou botar meu bloco na rua, pedindo prá você cantar...”. O auditório entoava a canção junto com Cauby. Todo mundo se comoveu. Jurados abraçavam a nervosíssima Maysa que, àquela altura dos acontecimentos nem tinha onde se esconder. “Canta, Maysa, o canto que a gente precisa...”.

- Canta agora, Maysa? – desafiava Flávio.

Em soluços, ela meneava a cabeça, dizendo que não.

Flávio então soltou a sua última cartada:

- E se você cantasse uma música que você gostava de cantar quando era menina junto com o Sílvio Caldas, lá na casa dos seus pais?

Deu certo. Ou melhor, não tinha como não dar certo quando o próprio cantor de Chão de Estrelas adentrou o palco do programa Flávio Cavalcanti. A orquestra atacou impiedosamente os primeiros acordes de Barracão.

Sílvio começou a cantar:

Ai, barracão
Pendurado no morro
E pedindo socorro
À cidade a seus pés
Ai, barracão
Tua voz eu escuto
Não te esqueço um minuto
Porque sei
Que tu és
Barracão de zinco


Maysa não agüentou. O golpe foi como de florete, sutil e fatal. Trôpega, com a maquiagem escorrendo em lágrimas pelo rosto, ela saiu de seu reinado de gelo e foi até o palco, com o Caboclinho

Tradição do meu país
Barracão de zinco
Pobretão infeliz...
Ai, barracão
Pendurado no morro
E pedindo socorro
Ai, a cidade
A seus pés
Barracão de zinco
Barracão de zinco.

Menos de um mês depois, Maysa anunciaria sua volta aos palcos.

Enquanto cantava com Sílvio naquele momento, ela nem sonharia que tanto o programa A Sua Chance de Pedir quanto a participação de Cauby ou até mesmo o canto da platéia (que recebera antes do programa a letra da música, em papel) na canção fora tudo idéia do diretor do programa, José Messias, e que o mote dos saraus na casa do seu Alcebíades Monjardim, pai da cantora, fora sugestão de um de seus frequentadores, Brício de Abreu.