Wednesday, March 30, 2011

Os enredos mentais de Josué Guimarães


Josué


Josué Guimarães foi um escritor singular: antes, porém, foi jornalista por meio século e, assim como sucedeu ao compositor belga Cesar Franck, floresceu a plena madureza de sua arte já em idade avançada. O debut literário viria apenas em 1972. Ou seja, sua fase como autor durou apenas quatorze dos seus sessenta e cinco anos.


É como se todo o período em que Josué militou na imprensa fosse uma espécie de preparação para a literatura. E o mais peculiar nisso é que o jornalismo lhe franqueou o engenho e a arte necessários para a sua técnica de criação literária.

Segundo Nídia Guimarães, sua companheira de muitos anos, ele tinha a obsessão em escrever enredos mentais: se por acaso ele tivesse uma história na cabeça, descrevia tudo aos seus amigos mais chegados.

Enquanto ele contava, ia resolvendo a trama a cada bate-papo; e a cada vez que ele discursava seu fluxo de consciência, mais elaborada a prosa ia ficando. Ao mesmo tempo, ia resolvendo questões de tempo e espaço na história ou criava novos personagens.

De acordo com Nídia, só depois que ele maturava a coisa toda é que ele sentava diante a máquina de escrever e se punha a passar tudo para o papel.

Um exemplo é Camilo Mortágua. A obra, que compreende mais de 300 páginas fora escrito em apenas dois meses; Os Tambores Silenciosos, por sua vez, Guimarães o completou em apenas 28 dias. Já o excepcional e emocionante É Tarde para Saber, uma semana.

Por conta disso, ao contrário da maioria dos escritores, Josué não fazia anotações, originais ou rascunhos. Ao tocante ao seu estilo, com efeito, não há nada e tão anormal nisso: apenas e justamente fruto de seu vício de jornalista.

A celeridade de ser instantâneo ao escrever com um deadline pendendo sobre sua cabeça como a espada de Damocles o fazia metralhar a máquina, sem tempo para voltar atrás. O texto, mesmo assim e por conta disso mesmo, saia escorreito; ao contrário se seu amigo, Erico Verissimo, que trabalhava em cima de originais, sempre em espço três - a fim de correções ou ilustrações, Josué entregava o texto pronto direto para o prelo.

Aliás, por conta de seu trabalho como redator vocacional (ele também trabalho em rádio) e pelo fato de se lançar como autor já em idade provecta, Guimarães nunca se considerou um escritor de verdade. Muito menos de se sustentar como tal, assim como aconteceu a Verissimo, que foi certamente o primeiro a viver estritamente de ganhos com vendas de livros.

Além disso, havia a falta de tempo e a militância política desde o começo. É aquela história: todo jornalista deve ter um livro cravado dentro de si, como o menino dentro do adulto. Por essas e outras, e mais a falsa modéstia, ele levou muito tempo até se convencer de que era realmente um homem de letras.


Um episódio que ilustra bem o processo de criação de Josué foi contado, certa feita, pelo idealizador da LPM, Ivan Pinheiro Machado. Ivan disse que, num domingo de verão de 79, o autor de Dona Anja o convidou para jantar na Churrascaria Santo Antônio, na Dr. Timóteo.

Então Josué disse: "estou com uma história na cabeça, queres ouvir?". Dada a largada, ele começou a desenrolar o enredo a partir da história de um curioso sobrado que ficava na esquina da 24 de Outubro com a Nova Iorque, na Auxiliadora (perto dali).

Ia do geral (o sobrado) para o particular (os personagens). O garçom trouxe o jantar, clientes entravam e saíam, e Josué desembuchava. Pagaram a ceia, saírama caminhar, e a payada seguia. Subiram a Dr. Timóteo, ganharam a 24 e chegaram até o Parcão. Horas depois a catarse terminou: era Camilo Mortágua.

Ivan disse que, com exceção de A Ferro e Fogo, ele foi testemunha dos enredos mentais de Josué, inclusive alguns que não chegaram ao prelo. Um deles se chamaria Fresta na Janela, e seria a história de uma matricarca que morre às vésperas do casamento da filha e retornaria em segredo ao mundo dos vivos para presenciar as bodas.

Pinheiro Machado porém não ouviu o que seria o terceiro volume de A Ferro e Fogo, Tempo de Angústia. Contudo, Dona Nídia, guardou por anos o começo da história, que restou inacabada na quadragésima lauda. Seria a saga dos Muckers. A história dos santarrões do Ferrabrás o fascinava. Com a morte do autor, coube a Luiz Antônio Assis Brasil a tarefa e contá-la, no Videiras de Cristal — aliás, dedicado à Josué.

Lendo o Josué escritor, havia também o Josué político, sendo que o segundo positivamente habitava no segundo. Afinal de contas, sua obra literária é uma reflexão de todo o contexto político dos anos 70. Sua luta e seu combate acabariam justificando a perseguição da ditadura contra ele, que era trabalhista dos tempos de Jango e Brizola e opositor ao governo revolucionário de 64, ele foi perseguido e preso pelo regime, até que optou pelo exílio em Portugal, one escreveu o excelente livro-reportagem, chamado Lisboa Urgente, sobre a Revolução dos Cravos, de 1975.


Existe uma história curiosa dos seus tempos de clandestino, que Nídia contava. Depois do Golpe, Guimarães vendia apólices do Montepio da Família Militar, (MPM) sob o falso nome de Samuel Ortiz (um nome que ele usava como pseudônimo desde a Legalidade).

Um dia, estava ele em Santos como Samuel, o vendedor de apólices, explicando o plano a um grupo de oficiai quando um deles, de repente, ficou a observá-lo de soslaio. Quando o "subversivo" ia saindo, o milico disse: "eu sei quem é você" (Josué era conhecido como diretor da Agência Nacional antes de 64 e amigo pessoal de Jango). Sem saída, nosso herói apenas disse: "bem, então estou em suas mãos". O coronel, de maneira surpreendente, respondeu: "eu não irei denunciá-lo. Estou vendo que o senhor está lutando e trabalhando para sobreviver". E não o entregou.

O episódio foi contado ao Otto Lara Resende, mais tarde seu colega de redação da Folha de São Paulo, que foi quem reproduziu essa passagem, numa de suas últimas colunas antes de morrer, em 1990.

Por conta do contexto da repressão, foi dentro do Realismo Fantástico, subproduto típico daqueles anos políticos, que mostrava de forma arquétpica e singular as cordilheiras desabando sobre as flores (como diz a música da Simone) e a esperança do povo sob a repressão instiucionalizada e a violência policial como norma vigente.

Isso era algo tão explícito, pulsante e evidente em sua obra, mergulhada naquela conjuntura adversa, que É Tarde Para Saber foi recusada pela José Olympio, a sua editora. Coube então à LPM, então nascente (foi o primeiro romance da editora), lançá-lo, com grande sucesso, em meados dos 70...

Porém, ao contrário do outro Josué, o do Velho Testamento (e mais como um Moisés), ele não foi escolhido de Deus para destruir Jericó e chegar à Terra Prometida da democracia brasileira. Josué Guimarães morreu de câncer, em 23 de março de 1986 — há 25 anos atrás.

Saturday, March 26, 2011

É hoje!

Essa música com a Elis Regina é bem rara, saiu por uma coleção de canções do sul lançada pela Marcus Pereira, nos anos 70.



Mas a gente sabe que muitos asçorianos estavam locados no Desterro, e vieram a duras penas para cá, e acabaram ficando num lugar que era considerado a parte mais inóspita da sesmaria do tropeiro Joerônimo de Ornellas, que era então o todo poderoso senhor dos Campos de Viamão.

Os portugueses acabaram se fixando num lugar adverso: era pantanoso e cheio de bugres. Pior, havia aqui tiranossauros, dinossauros eoutros bichos primitivos, além dos Slistacks. Mas como os açorianos chegaram aqui munidos de armas laser, todos os dinossauros foram exterminados, e enfim eles puderam se fixar no Centro. Então construíram o Edifício da GBOEX, o Rua da Praia Shopping e depois eles inventaram o charque, a chimarrita, o Gauchinho Neugbauer, o Esporte Clube São José, a Feira do Livro, o engarrafamento na Ipiranga às seis da tarde e o Studio Pampa.


Parabéns, Porto Alegre!

Thursday, March 24, 2011

Que fim levou Trini Lopez?




Tava sem Internet e sem meus Mp3 nesses dias por conta de um computador queimado, aí comecei a cavocar a minha discoteca, e achei o Trini Lopez no PJ, que eu achei que nem o tivesse mais.

Trini Lopez foi descoberto pelo Don Costa, arranjador do Sinatra na Reprise. Costa tinha assissito a uma performance dele num inferninho em Los Angeles chamado PJ's. Ele quis que o Trini gravasse em disco o pocket show dele, que era composto de covers de canções tradicionais, medleys e versões de músicas de protesto que faziam sucesso na época, como This Land Is Your Land e If I Had a Hammer.

If I Had a Hammer foi um sucesso extraordiário, chegou ao primeiro lugar nas paradas de sucesso de 36 países. Ao mesmo tempo, ele retomaria uma linha que iria desaguar no latin rockpop (depois junto com Herb Alpert, que também valeria um post), muito embora o Trini tenha largado a imagem de crooner de boate para tentar uma carreira de cantor romântico pop.

Por sua veia latina, ele fez muito sucesso no Brasil, especialmente com o Latin album, de 1964, certamente o seu disco mais conhecido, e que eu achei aqui em casa também. Tanto o PJ's quanto o Latin ganharam sequências respectivamente em disco, mas sem o mesmo sucesso dos originais.



Trini ainda vive, recentemente lançou um disco.

Monday, March 21, 2011

O Outono chegou



A gente sempre morre um pouquinho quando o Outono chega.

Thursday, March 17, 2011

A Cadeira de Chico Viola


O Gambrinus (crédito da imagem: Jana Jan's Fotolog)


Esses dias eu estava relendo a biografia definitiva do Noel Rosa, escrita pelo Carlos Didier e o João Máximo pela UNB, há algum tempo. E me lembrei da famosa passagem dos Ases do Samba por Porto Alegre, em 1932.

Um ano antes, Francisco Alves fazia enorme sucesso com Mário Reis (que rivalizaram com outra dupla, Castro Barbosa e Jonjoca). Com a parceria do Poeta da Vila, eles emplacaram Fita Amarela, e com Ismael Silva e Nílton Bastos, se Você Jurar.


Em 32, eles decidiram formar um escrete de bambas: com Ismael, Nonô, Mário, Chico e Noel e Peri Cunha, eles fundaram os Ases do Samba. O sucesso no Rio de janeiro foi gigantesco: juntos, o conjunto fazia uma espécie de teatro de revista em formato pocket, amalgamando números musicais com números falados.

Naquele mesmo ano, Chico Viola, um capitão de indústria da música brasileira avant la lettre, resolveu fazer uma turnê pelo sul do Brasil. Os Ases iam se apresentar em Porto Alegre.

Na capital gaúcha, Chico Alves ficou no antigo Grande Hotel, hoje o edifício do Imperial. a temporada, prevista para durar uma semana, acabou chegando a quase um mês, principalmente pelo lado pândego da turma. Fazendo canjas em bares, os ases descobriram o jovem Lupicínio Rodrigues, então soldado no antigo quartel da André da Rocha (então o Beco do Oitavo): noitadas, bebedeiras e certamente infidelidade...

Lupi apresentou-lhes a boemia da Ilhota e alguns sambas que ele compôs. Mais tarde, o autor de Vingança iria firmar parceria com Chico Viola (na verdade, alves encampou-o, assim como fizara com Ismael e Noel), e despontaria para o estrelato na Capital Federal.

Chico Viola costumava descer o Centro e almoçar no Mercado Público. Ia no Treviso, no fim da Siqueira Campos, ou no Gambrinus que, naquele tempo, ainda era um estabelecimento voltado para a culinária alemã (como o Chalé da Praça XV).

O Treviso fechou nos anos 70, e a cadeira cativa que Francisco Alves (ou a réplica) costumava usar foi doada aos donos do Gambrinus, que fica defronte ao Paço dos Açorianos, mais conhecida como a Prefeitura Velha.

O Gambrinus existe até hoje, e a cadeira está hoje suspensa na entrada, como recordação da passagem do Rei da Voz por Porto Alegre.

Chico e Mário ficavam no Grande Hotel e o Poeta da Vila, por sua vez, ficou numa pensão famélica na Sete de Setembro, próxima à Praça da Alfândega. em pouco tempo, enrabichou-se de uma menina que morava logo em frente.

O idílio não durou muito. No último encontro, debaixo de uma bruta chuva, Noel teria pedido á ela para que partisse de vapor com ele para o Rio. Alguém a chamou para dentro de casa. Ela apenas disse: "até amanhã...". E sumiu na escuridão do longo corredor do cortiço.

E a saudade fez um samba (como diria o Carlinhos Lyra): Até Amanhã, que seria sucesso no Carnaval de 1933, interpretada por João Petra de Barros:

Wednesday, March 16, 2011

Uma Fábula


O Coelho Branco




De repente alguém soltou a notícia:

— Acharam o Compadre Coelho!

Encontraram, porém, o seu cadáver; seu corpo virado de borco, lambido mansamente pelas ondas do mar, em mangas de camisa e de ceroulas. Alguém reparou que os seus olhos estavam brancos, como se tivessem sido acometidos de catarata; e de seu olhar esgazeado parecia vazar luz.

No escritório onde o Compadre Coelho trabalhava, todos se perguntavam, perplexos: "Mas como pode, logo o Compadre Coelho, um sujeito tão cheio de vida, tão engraçado e mulherengo incorrígível...".

Então o Compadre Castor desembuchou: "e ele estava noivo. Noivo! Ia casar!". Isso ninguém ali sabia. sabiam apenas de sua vida pregressa de solteiro: parecia ter uma amásia em cada rua, em cada esquina, em cada janela. Era o conquistador inveterado, um donjuanesco caixeiro-viajante.

Diz-se que foi quando o Compadre Coelho caiu de arrufos por uma linda coelha. Disse o Compadre Castor: "ele me disse, em choque, meu Deus meu Deus, eu estou amando de verdade. Pela primeira vez na vida, eu estou amando! Pela primeira e derradeira vez, amo".

E dizia isso sem dissimulação alguma. Era, pela primeira e única vez na sua vida, sincero da palheta às alparcas. E revelava isso sem medo nenhum. Falava isso como se tal sentimento o libertasse e o jogasse num inefável turbilhão de sensações.
então veio o inevitável. Teve que pedir a mão da moça.

Sustentava aquele pudico namoro como pôde, durante meses, e aquilo era um novo mundo para ele. Compadre Coelho flanava por entre mesas e cadeiras, perdido como uma criança numa loja de departamentos, fulminado de amor.

Foi quando o sogro quis forçar o noivado a todo o custo. E ele, que sequer havia cogitado qualquer compromisso sério, de tão perdido e confuso, agora estava num brete. Seu amor de ópera virou a Noiva de Lammermoor.

Um dia, num bar, estavam ele eo Compadre Castor. Depois de várias garrafas de cerveja, ele contou o seu dilema ao amigo e confidente:

— Compadre, eu amo ela como se ela fosse uma Santa Tereza. Só que quando eu amo uma mulher, esse amor é para sempre, entrendeu? Para sempre! quando eu amo-la, eu sou incapaz de desejá-la.

— Peraí — interpelou o Compadre Castor. — Nem beijá-la você beijou ela?
— Nunca.

Então o Compadre Coelho pegou o amigo pela gravata (ao fundo, um pianeiro desafinava o Duas Contas, do Garoto, em versão de beguine, dando um ar diáfano àquela cena patética) e falou:

- O negócio é o seguinte: eu posso deflorar qualquer uma, posso querer possuir todas as vadias dessa cidade, menos ela. Ela, não!

Preocupoado com seu amigo, o Copmpadre castor mandou ele procurar assistência médica. Sugeriu que ele fosse se consultar com o famoso Dr. Texugo.

O Dr. Texugo ouviu toda a desesperada explanação do paciente. No fim, Compadre Coelho, dispinéico, pediu um diagnóstico.

— E então, Dr. Texugo? É grave? O que eu tenho? O que eu faço? Qual é a cura? Me diga, por favor!

Dr. Texugo olhou longamente para a cara do Compadre Coelho. O silêncio do médico o exasperava. Compadre Coelho estava esperando certamente que o psicólogo fosse diagnosticar uma grave moléstia, talvez a própria lepra, receitar-lhe o degredo em Moçambique, as masmorras, o Inferno pintado pelo Gustave Doré, o diabo!

— Me salve, doutor! — gemia o paciente. — Eu não sei mais o que fazer, doutor! Eu não sei, doutor!!!

E começar a chorar grosso, sem ter pudor sequer de esconder o rosto e as lágrimas. Era o choro dos embriagados das inconfessáveis confissões de botoco de três da manhã. E como é triste o choro de paus d'água de botecos de três da manhã.

— Não tenho nada prá lhe receitar, compadre Coelho. — respondeu o Dr. Texugo, meio chocado. — Você está apenas apaixonado. É assim mesmo, o senhor precisa ter coragem e esperar. O tempo vai lhe dar as respostas, viva agora apenas as perguntas. Não existe nenhuma panacéia que possa servir-lhe de lenitivo. Não existe mágica. Isso pode ser passageiro, só provoca esse tipo de confusão no começo. Com o tempo, op senhor vai aprender com a experiência.


Compadre Coelho saiu doi consultório, aturdido. Chegou à conclusão de que devia amá-la eternamente como um devoto a uma santa, um relicário, um jardim misterioso, uma rosa dentro de uma redoma.

Na última vez em que beberam juntos, Compadre Coelho disse ao Compadre Castor:

— O velho me pôs no cadafalso. É o fim. Terei agora que oficializar o noivado.
O amigo sorriu:
— Você vai casar? Meus parabéns!

Compadre Coleho não disse nada. encheu um copo de Parati e sorveu a bebida como se fosse groselha, numa sede brutal. Suspirou fundo enquanto assimilava a massiva quantidade de destilado no estômago e disse:

— Compadre Castor, me diga: o que eu vou dizer á ela na Lua de Mel? Como vou explicar meu pudor para ela? O que a família dela vai pensar? E a minha? É o fim.

Compadre Castor passou a madrugada tentando consolá-lo, mas foi em vão. Viu no relógio que era tarde e despediu-se do amigo. Compadre Coelho ficou bebendo até amanhecer.

Foi à beira da praia e se sentou. Viu um pescador solitário e distante, ao longe. Quando a barra vermelha do primeiro sol despontou no horizonte, ele tirou o terno, os sapatos e as meias.

Em mangas de camisa e ceroulas, entrou no mar. Deu dois mergulhos para se acostumar com a água gelada. Marchou em direção ao nascente até desaparecer na espuma das águas.



MORAL DA HISTÓRIA: Todo amor é eterno e todo desejo é vil.

Monday, March 14, 2011

As 100 Músicas gaúchas de todos os tempos (2)


Leopoldo Rassier

Aqui vai a minha vista das 100 músicas gaúchas de todos os tempos. A ordem das canções não é arbitrária mas fiz questão de colocar Veterano no topo. O Paulo Coelho compositor de Alto da Bronze foi um pianista e arranjador que trabalhou durante anos nas rádios Farroupilha e Difusora, em Porto Alegre. Pedro Raymundo, todos sabem, era catarinense, mas como Santa Catarina é a nossa eterna República Juliana, então está tudo em casa. O Nando D'Ávila foi um compositor de São Leopoldo, muito talentoso e que morreu muito jovem. Cenair Maicá também desaparercido, foi um excelente cantor e compositor nativista.


Veterano - Leopoldo Rassier
Sopa de Letrinhas - Engenheiros do Hawaii
Prá Viajar no Cosmos - Nei Lisboa
Loucos de Cara - Vitor Ramil
Vitor Ramil - Sapatos em Copacabana
Impressões Digitais - Liverpool
Festa Punk - Replicantes
Vento Negro - José Fogaça
Eu Já Sei - Garotos da Rua



Tão Longe de Mim - Liverpool
Quando o Amor Bater na Porta - Os Brasas
Estrela, Estrela - Vitor Ramil
Coração de Luto - Teixeirinha
Pára Pedro - José Mendes
Por Favor Sucesso - Liverpool
A Marchinha Psicótica de Dr. Soup - Júpiter Maçã
Rockinho - Taranatiriça
Adeus Mariana - Pedro Raymundo
Águias - Nelson Coelho de Castro
Alto da Bronze - Paulo Coelho
Ultramen - Dívida
Xote da Amizade - Saracura
Canto Alegretense - Antônio Augusto e Bagre Fagundes
Não me mande Flores - De Falla
Lobo da Estepe - Cascavelletes
Um Lugar do Caralho - Flávio Basso
Menstruada - Cascavelettes



Bebendo Vinho - Wander Wildner
Não Aperta Aparício - José Mendes
Desgarrados - Leopoldo Rassier
Beatle George - Júpiter Maçã
Oh de Casa - Os Serranos
Obrigado Patrão Velho - Garotos de Ouro
Gauchinha Bem Querer - Conjunto Farroupilha
Eu Sei - Papas da Língua
Blue Haway - Liverpool
Os Homens de Preto - Tradicional
Tango da Independência - Vitor Ramil e Paulo Seben
Mais Uma Canção - Bebeto Alves
Campo Minado - Taranatiriça
Sabe Moço - Leopoldo Rassier
Canto dos Livres - Cenair Maicá
Romance do Pala Velho - Noel Guarany
Payador, Pampa, Guitarra Jayme Caetano Braun e Noel Guarany
Guri - Cesar Passarinho
Olhai os Lirios do Campo - Liverpool
Baile de Candeeiro - Albino Manque
Nuvem Passageira - Hermes Aquino
Jornais - Nenhum de Nós
Bochinchando - Cenair Maicá
Júlio Reny - Não Chores Lola
Oh Deby - TNT


Vingança - Lupicínio Rodrigues
Fronteiras - Raul Elwanger
Que se Pasa - Bebeto Alves
Água Benta - Nando D' Ávila
Deu Prá Ti - Kleiton e Kledir
Gavião - Os Serranos
Pelos - José Cláudio Machado e Porca Véia
Prece ao Negrinho - Gaúcho da Fronteira
Batando Água - Luiz Marenco
Nicotina - Replicantes
Você é tudo o que eu Quero - Garotos da Rua
Maria da Paz - Carlinhos Hartlieb
A Irmã do Dr. Robert - TNT
Roda de Chimarrão - Os Mirins
Chofer de Taxi - Teixirinha
Milonga para as Missões - Renato Borghetti
A Revolta dos Dândis - Engenheiros do Havaii
Purpurina - Jerônimo Jardim
Céu, Sol, Sul - Leonardo
Baiaozinho - Geraldo Flach
Camila, Camila - Nenhum de Nós
Meu Coração Já não Suporta Mais - Garotos da Rua
Nunca mais Voltar - TNT
Gaúcho de Passo Fundo - Teixeirinha
Ela disse-me Assim - Lupicínio Rodrigues
Tordilho Negro - Os Serranos
Esses Moços - Lupicínio Rodrigues
Me Leva prá Casa - Taranatiriça
Amigo Punk - Graforréia Xilarmônica
Felicidade - Lupicínio Rodrigues
Tertúlia - Leonardo



Um Abraço em Brian Jones - Bixo da Seda
Nervos de Aço - Lupicínio Rodrigues
Querência Amada - Teixeirinha
Infinita Highway - Engenheiros do Havaii
Canção da Meia-Noite - Os Almôndegas
Vira Virou - Kleitor e Kledir
Não me Mandem Flores - De Falla
Cachorro Louco - TNT
Surfista Calhorda - Replicantes
Não Podemo se Entregar pros home - Leopoldo Rassier
Bixo da Seda - Bixo da Seda
Aves Daninhas - Lupicínio Rodrigues
Campo Minado - Fughetti Luz
Quando eu Chegar - Bebeto Alves
Quem Há de Dizer - Lupicínio Rodrigues
Sem Rei - Cláudio Vera Cruz
Rasa Calamidade - Nelson Coelho de Castro
Carecas da Jamaica - Nei Lisboa
Piquete do Caveira - Os Almôndegas
Navega Coração - Kleiton e Kledir
Princípio do Nada - Replicantes
Fonte da Saudade - Kleiton e Kledir

O Homerm Nu


Figueroa parou o Gauchão de 73


Abril de 1973. Causa escândalo de proporções consideráveis uma foto publicada na coluna diária do chargista Marco Aurélio, do jornal Zero Hora. Na imagem, o jogador Elias Figueroa, do Internacional, aparecia num vestiário do clube se pesando. Em outra, o zagueiro chileno aparecia passeando pelo recinto só de toalha, nu da cintura para cima. Imagens que reportavem um incidente semelhante, ocorrido com Jaqueline Kennedy, que foi flagrada por paparazzi tomando bano de sol numa ilha grega como veio ao mundo, nuinha, nuinha.

O escândalo ganhou as ruas, numa progressão fulminante. A diretoria colorada decidiu divulgar nota cendenando veementemente a atitude dos editores do jornal em publicar as fotos clandestinas, tiradas (inexplicavelmente) através de alguma basculante da concentração dos Eucaliptos. Pior: o então presidente da Federação Gaúcha de Futebol, (FGF) mandou cancelar todas as rodadas dos campeonatos da entidade no fim de semana seguinte. Ao parar o Gauchão, Hoffmeister conseguiu colocar mais fogo na fogueira. O episódio agora ganhara proporções continentais.

A Loteria Esportiva repudiou o ato da Federação. O jogo Internacional e Aimoré constava na loteca. A entidade também decidiu excluir os clubes gaúchos das próximas apostas. A história agora repercutia nos prtincipais órgãos de imprensa de todo o país. Até a revista Veja pautou entrevista com Marco Aurélio. Em poucos dias, as nádegas de Figueroa se tornaram as mais famosas do Brasil. E a partida foi à sorteio.

O ex-centroavante Claudiomiro, que integrava a equipe do Internacional naquele tempo, se recorda da história. "O cara tava se fardando para o treinamento, e claro que tava todo mundo no vestiário, era muito acanhado, e todo mundo tirava foto, e o cara foi lá e tirou", relembra. "É o tipo de coisa que mudou depois do Beira-Rio, porque aqui não teria esse tipo de coisa". Ele também condena a ousadia do fotógrafo: "eu achei aquela coisa meio ridícula, porque a pessoa tem que ser preservada, hoje tá tudo liberado, mas naquela época não, e até o campeonato parou. O cara tava se vestindo para ir trabalhar, e aí acontece uma coisa dessas...".

Já outro ex-companheiro de Figueroa e hoje treinador Cláudio Duarte, entende que tudo não passou de "armação" e que contaria com a conivência do próprio zagueiro colorado. "Na época que ele chegou, ele era considerado bonito, galã, e todos sabiam que a gente treinava não no Beira-Rio,mas os Eucaliptos. E a janelinha do vestiário tinha vista para tudo¿, diz. Claudião afirma que era tudo "armação do gringo". "O gringo era bom de mídia, declamava Neruda, metido a bonitão, tudo, e na cabeça da gente, ninguém deu bola". Duarte diz que eles conheciam vários fotografos da imprensa de Porto Alegre, e o trânsito livre facilitava esse tipo de "assédio". "Só estava ele, e ele saiu antes. Então, acho que deixaram que deixaram a janela aberta, foi combinado que um ia entrar, e todos nós desconfiávamos disso, não se sabe disso, mas na nossa cabeça, o parecer era esse".

O artífice da brincadeira, Marco Aurélio, explica a história. "A Jacqueline Kennedy Onassis havia sido flagrada nua por paparazzi em uma ilha grega. O escândalo foi total. Eu resolvi tentar o mesmo estardalhaço por aqui", diz. "Combinei com o então fotógrafo de ZH Hipólito Pereira: vamos fazer o mesmo com o Figueroa. Fomos os dois para o Beira-Rio, mas eles estavam nos Eucaliptos. O segurança não nos deixou entrar. Esperamos o final do treino e nos esgueiramos até uma janela basculante do vestiário. Eu dei o pé para o Hipólito subir. E ainda assim ele foi obrigado a erguer a máquina e disparar, nem viu direito o que estava acontecendo no vestiário".

Marco Aurélio revela que Porto Alegre inteira se solidarizou com Figueroa: "Ele ligou para contar que estava recebendo ligações de autoridades, de dirigentes da dupla Gre-Nal, de gente da Igreja, enfim, não houve quem não lhe prestasse apoio naquele momento. Para todos eles, o Figueroa se mostrava indignado com a situação", conta. Porém, o chargista salienta que era amigo do zagueiro chieleno e que ele não o criticou pelas fotos e nunca exigiu os negativos.

- Ele era meu amigo. Nunca se queixou com rancor.

O jornalista explica que a repercussão foi gigantesca: "Concedi dezenas de entrevistas. O Flávio Cavalcanti, a revista Veja e as agências nacionais e internacionais me ligaram, queriam saber como foi possível fazer a foto nua de um dos zagueiros mais famosos do mundo". Contudo, revela que foi ameaçado pelos torcedores do Inter. Ele conta que, em desagravo, o jogador cogitou deixar o clube. "Para eles, eu era o culpado pela decisão do Figueroa de deixar o Inter. Os caras me ameaçaram bater em restaurantes, no trânsito e na rua". Marco também diz que, apesar dos inúmeros pedidos de agências de notícias, o jornal decidiu não ceder o material".

- O Maurício Sirotsky (fundador da RBS) não permitiu a venda. Como prova de que a foto havia sido apenas uma iniciativa jornalística, mandou que entregássemos o filme ao Figueroa.

Se todos condenaram as fotos, houve quem gostasse da interdição do Campeonato Gaúcho. O seu nome era Dino Sani, treinador do Internacional. Disse que a paralisação do certame permitiu que o tempo permitiu que o Departamento Médico recuperasse o exército de jogadores lesionados. O Colorado retomou o Gauchão voando em campo,e conquistou naquele ano o Pentacampeonato. Depois do título, Sani foi procurar Marco Aurélio. Em segredo, lhe confessou:

- Você venceu o campeonato para nós - disse.

E o zagueiro, que quase saiu do clube, começou a gostar da coisa. Para fugir do bulício do episódio do ¿jogador pelado", ele convidou sua esposa, Marcela, para almoçar longe de Porto Alegre, mais precisamente em Novo Hamburgo. Não conseguiu. Todos lhe apontavam o dedo e vinham falar com ele, dizendo: "é o jogador pelado! É o jogador pelado! É o jogador pelado!".

As 100 Músicas gaúchas de todos os tempos


Lupicínio Rodrigues


Nildo Machado, nosso intrépido e valoroso contínuo aqui da redação do Pato Macho e também jornalista nas horas vagas, propôs o seguinte desafio: que listássemos as 100 maiores canções gaúchas de todos os tempos. Aí me mandou a lista dele por correio eletrônico, a fim que nosso linotipista a publicase no jornal.

Só que Carmela é uma ópera, Nildo. Te explica aí cara.

Ainda estou na tarefa de chegar a cem; no entanto, como o nosso contínuo Nildo já nos mandou a lista dele, vejam vacês como ficou.

Quem tiver mais sugestões, que poste nos comentários. Ou não poste nada.

Araújo Viana - Carmela
Bebeto Alves: Notícia Urgente
Lupicinio Rodrigues - Castigo
Felicidade
Nervos de Aço

Esses Moços
Cadeira Vazia
Judiaria
Se Acaso Você Chegasse
Volta
Cevando o Amargo
Teixeirinha - Coração de Luto
Querência Amada
Tordilho Negro
Gaúcho de Passo Fundo
Gildo de Freitas - Eu reconheço que sou um grosso

Antônio e Bagre Fagundes - Canto Alegretense
José Mendes - Não aperta, Aparício
Para, Pedro
Leonardo - Céu, sol, sul, terra e cor
Tertúlia
Mário Barbará - Desgarrados
Barbosa Lessa - Negrinho do Pastoreio
Me dá um mate
Edson Otto - Esquilador
João Batista Machado e Júlio Machado da Silva Filho - Guri
Zé Caradípia - Asa Morena
Engenheiros do Havaí - Infinita Highway
Pra ser sincero
Kleyton e Kledir - Deu pra ti
Maria Fumaça
Vira Virou
Vitor Ramil - Estrela estrela
Joquim
Loucos de Cara
Semeadura
Nenhum de Nós - Camila Camila
Austronauta de Mármore
De Falla - Não me mande flores
It's Fucking Boring to Death


Repelente
TNT - Cachorro Louco
Ana Banana
Entra Nessa
Replicantes - Surfista Calhorda
Boy do subterrâneo
Festa Punk
Hippie-punk-rajneesh
Nicotina
Nei Lisboa - Pra Viajar No Cosmos Não Precisa Gasolina
Berlim, Bonfim
Deixa o bicho
Paisagem Campestre
Verdes Anos
Taranatiriça - Rockinho
Fazê um bolo
Liverpool - Por Favor Sucesso
Os Eles - Silicone
Cinema Mudo
Bandaliera - Campo Minado
Banda de Banda - Xis Galinha
Hermes Aquino - Nuvem Passageira
Bidê ou Balde - Melissa
Garotos da Rua - Tô de saco Cheio
Você é tudo o que eu quero
Sabe o que acontece comigo?
Julio Reny - Amor e morte
Maomé
Não chores, Lola
Graforreia Xilarmônica - Amigo Punk
Jimi Joe - Sandina
Ultramen - Dívida
Peleia
Bico de Luz
Cascaveletes - Banana Split
Sob um céu de blues
Minissaia sem calcinha
Antonio Villeroy - Garganta
Bebeto Aleves - Pegadas
Flávio Bicca Rocha - Horizontes
Armando Amorim Albuquerque e Athos Damasceno Ferreira - Alto da Bronze
Papas da Língua - Blusinha Branca
Garotas do Brasil
Eu sei
Lua Cheia
Luis Vagner - Camisa 10
Guitarreiro
Comunidade Ninjitsu - Detetive
Merda de Bar
Cachorro Grande - Lunático
Sexperienced
Dia Perfeito
Almondegas - Sombra Fresca e Rock no Quintal
Canção da meia-noite

Daisy, My Love
Vento Negro
Haragana
Saracura - Xote da Amizade
Gaúcho da Fronteira - A utilidade do dedo
Nheco Vari Nheco Fum
Gildo Campos e Berenice Azambuja - É Disso Que O Velho Gosta

Saturday, March 12, 2011

O Aragano


Flores da Cunha

Setembro de 1930. A Aliança Liberal, capitaneada pelo intrépido Oswaldo Aranha (e Getúlio Vargas), conspirava subterraneamente contra o Governo Federal que, com a eleição de Júlio Prestes, queria manter a velha política café com leite no Brasil.

Junto com ele, havia também um certo senador Flores da Cunha, seu colega dos tempos de provisórios, em 1923. Pois Flores estava jogando põquer no então afamado Club dos Caçadores (que ficava na Rua Nova, hoje a Andrade Neves). Reza a lenda que, numa daquelas noites de primavera, sentou-se também à mesa de jogo um paulista.

O sujeito, lá de seus trinta anos, no entanto, era matreiro: só entrava nas boas. e vivia reclamando das regras do carteado. Em meia hora, ele já havia granjeado toda a antipatia dos participantes. O mais impaciente de todos era, justamente, o General.

Num ponto do jogo, quem mais apostava às ganhas mesmo eram Flores e o jovem paulista. Foi quando o altaneiro visitante conseguiu uma sequência de cartas. Viu que nenhuma das que o General mostrava combinavam entre si.

Fez menção de pegar as fichas quando Flores o interpelou:

- Quem ganhou fui eu. eu tenho um Aragano.

O paulista fez cara de desentendido. O senador então completou:

- O Aragano acontece justamente quando nenhuma das cartas combina, entendeu? Aqui no Rio Grande do Sul, o aragano mata sequência e perde para full hand.

Mesmo demonstrando contrariedade, o paulista deixou passar - afinal de contas, ele era o forasteiro e ninguém contestou a afirmação do general.

Quatro rodadas depois, eis que ocorre o inverso: o paulista conseguiu um "Aragano", percebeu que o maior jogo dos demais era trinca, e puxou as apostas. Flores novamente o interpelou:

- A trinca venceu.

O forasteiro se exasperou:

- Mas como, se eu tenho um Aragano?

- Fica vacê sabendo - respondeu Flores, de maneira enfática, com o charuto entredentes - acontece que o Aragano vale apenas uma vez por jogo. E ficou olhando nos olhos do paulista, seríssimo.

Silêncio total. Os dois se olhavam fixamente. então Flores explode numa gargalhada. entre baforadas de charuto, larga as cartas na mesa e diz:

- Meu amigo, o Aragano não existe. Esse jogo aqui já foi para o brejo, ninguém perde nem ganha, acabou, melou. Isso aqui é só para lembrar para vocês que, aqui no Brasil, daqui a pouco, quem vai cagar regras nesse país vai ser gaúcho.


E não era chiste. Dia 3 de outubro eclodia a Revolução de 30.

Friday, March 11, 2011

Dois braços

Então caminhávamos juntos; perdidos entre nogueiras e flamboyants no campus da PUC, mas tão próximos dos céus.

Confesso que esperei tanto por aquele dia. Foi um dia qualquer, era apenas o nosso encontro.

Você me arrastou até o Mercado. Tirou fotos de artistas mambembes como uma turista desvairada que via Porto Alegre pela primeira vez e devorava a paisagem com teus olhos de criança.

No ônibus, disse que não imaginava que fosse se apaixonar de novo. Eu dei um suspiro. Eu estava pensando nisso noites a fio. E nos calamos.

De repente, conversávamos como se só existissem duas pessoas: você e eu. Você me perguntou eu estava me atrapalhando com aquela correria toda pela cidade.
Eu encolhi os ombros. Não tinha palavras para descrever o que se desfilava diante dos meus olhos. Você parecia diferente a cada momento. Encantadora como sempre.

Olhamos livros; me lembro de quando você me parou diante de uma vitrine com costumes crianças, e disse que queria ter um filho. E depois me perguntou:"você não gostaria de ter um filho, Marcelo?" Nem me lembro o que eu respondi, fiquei meio perplexo com a pergunta. Mas não era positivamente uma indireta. Não me lembro: disse que sim.

Depois tomamos café no Rodobar antes de você partir. Eu escrevia dedicatórias surrealistas nos livros que você comprou. Tua reação era indescritível. Você lia minhas garatujas, cobria o rosto com o livro aberto e caía na gargalhada. E eu, que estava profundidíssimamente comovido, queria pensar em algo bonito para escrever mas resolvi fazer chiste com a situação, que nem era lá muito formal...

Então você pegou o ônibus e se foi. Peguei um táxi para casa. Cheguei em casa e não sabia o que fazer. supliquei, em tom de brincadeira: "não vá!". Ela disse: "Não posso".

Fiquei uns três dias meio perplexo num quarto escuro procurando o que fazer da vida. queria guardar comigo todas aquelas momentos.

Às vezes, eu acabo tendo de passar por todos aqueles lugares em que estivemos. sinto um misto de alegria e de tristeza; tristeza de tantas saudades. E alegria porque é como eu sentisse a tua presença comigo novamente enquanto o vento passa.

Me lembrei daquele derradeiro abraço de adeus, de dois braços que abraçam como se protegessem. Braços que cruzaram a elevada da rodoviária e a esquina daquela nostálgica quinta-feira, e se foram pela estrada afora, apenas indo para outros braços.

Thursday, March 10, 2011

Cara e Coroa

Cara: Rossini era o maior operista do seu tempo, mas largou o trabalho aos 38 anos porque opera era algo maçante demais..
Coroa: Espiritismo
Cara: Oito minutos de acréscimo, isso é um escândalo!
Coroa: Gauchão Coca-Cola.
Cara: A praia de Capão estava lotada de veranistas hoje, tinha gente até no lustre
Coroa: Milho a cinco reais.
Cara: Vou pendurar o casaco na cadeira no serviço e a gente se encontra no Haiti prá tomar um chope, até lá!
Coroa: Sinecura.
Cara: Meu tio saiu prá veranear e levou tudo: malas, barraca, guarda-sol, isopor,cadeiras, papagaio, mas esqueceu a vovó em casa!
Coroa: Mal de Alzheimer.
Cara: Comprei uma mistura de pinga com limão mas, pelo que eu vi, era apenas uma cachaça ordinária aguada envasada numa garrafa de plástico!
Coroa: Suco prá pedreiro.
Cara: Alô, Ester, sou eu, o Eustáquio. Quero apenas avisar que eu vou chegar um pouco mais tarde porque chegaram uns executivos de fora aqui na empresa e eles vão apresentar um projeto revolucionário para o nosso produto!
Coroa: La Rosa.
Cara: Meu Deus, olha essa coitada dessa Ísis Valverde, que farsesca! Não passa de uma guria comum sem nenhum talento, enfim, totalmente comum.
Coroa: Lambisgóia despeitada.
Cara: Com a derrota napoleônica de 1814, as forças coligadas se reuniram em Viena a fim de reorganizar o mapa político da Europa, alteradoo pelas campanhas francesas.
Coroa: Fisiologismo.
Cara: Minha vida era um palco iluminado, eu vivia vestido de dourado, palhaço das perdidas ilusões...
Coroa: Sílvio Caldas.
Cara: Eu não tenho nenhum vício, mas sou capaz de atravessar sete bairros em plena madrugada para encontrar uma barra de chocolate...
Coroa: Gorda.
Cara: Depois de lançar três discos mais experimentais, nós agora resolvemos voltar às raízes e destilar o puro rock dos velhos tempos.
Coroa: Jabá
Cara: O maluco se impacientou e varreu os ciclistas rua abaixo, como se fossem pinos de boliche...
Coroa: Pateta no trânsito.
Cara: Porto Alegre é uma cidade linda, limpa, hospitaleira e tem o pôr-do-sol mais bonito do mundo.
Coroa: Cidade Viva
Cara: Quero ser casto, mas ainda não
Coroa: Santo Agostinho
Cara: Meu personagem é bem parecido comigo; é forte, impetuosa, sabe o que quer, vai em busca dos seus sonhos e ama muito a vida e a família.
Coroa: Vídeo Show.
Cara: Sábado vamos honrar a camisa colorada e garantir o terceiro lugar nesta importante competição! Todos sabemos qual é o devido lugar do Inter!
Coroa: Celso Roth.

Friday, March 04, 2011

O Homem que Inventou a Marchinha *


Lamartine Babo

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1931, nove horas da noite. Músicos e cantores tropeçam entre si, todos apertados dentro do estúdio da RCA Victor. O diretor musical havia marcado a gravação de dois discos. Na ordem, gravariam primeiro Carmen Miranda e Murilo Caldas. O acompanhamento seria feito pelo grupo da Guarda Velha, sob a batuta de Pixinguinha. Todos tomam seus lugares diante do microfone. Em dupla, Carmen e Murilo gravam “Isola, Isola” e, sozinho com a Guarda Velha, Murilo Caldas interpreta “Doquinha”, de André Filho.

Após breve pausa, o diretor combina com a Pequena Notável e Caldas a gravação seguinte, que seria interpretada por Castro Barbosa — famoso por ter voz parecida com a de Francisco Alves e por fazer dupla com Jonjoca naquela época. Nesta gravação eles deveriam entrar no coro, juntamente com o compositor, um rapaz magro, feio e engraçado, além de mais três cantores de estúdio, que estavam no local.

Músicos e cantores se posicionam na frente do captador (um cone parecido com o do gramofone, porém maior, para captar todo o som ambiente). Como a gravação era registrada toda ao vivo, sem edição, num acetato em cera, nada poderia sair errado. A função do diretor, por sua vez, era evidenciar as vozes na frente do cone e colocar instrumentos de sopro no fundo do estúdio, para não se sobreporem aos vocais. Cantores na frente, orquestra atrás, o diretor dá o sinal para a técnica, que acena para um atento Pixinginha, que levanta os braços e dá a introdução que o autor havia concebido para “O Teu Cabelo Não Nega”, cuja fanfarra foi criada pelo próprio maestro. Castro Barbosa, com sua voz característica, junto com o coro, entoa, pela primeira vez:

O teu cabelo
Não nega, mulata,
Porque és mulata na cor
Mas como a cor
Não pega, mulata,
Mulata eu quero o teu amor...

Assim nasceu o maior sucesso carnavalesco de todos os tempos, e uma das dez gravações mais importantes de todos os tempos, na história da música popular brasileira. O disco seria lançado no suplemento de janeiro de 1932 da RCA, e se tornaria desde então tema característico das festas de Momo em terras brasileiras. Porém, esta seria apenas uma gota dentro do oceano musical daquele que seria imortalizado pelo inventor da marchinha carnavalesca, o carioca Lamartine Babo (1904-1963).

Contudo, Lamartine levou anos para fazer sucesso da noite para o dia. Nasceu em um ambiente musical, mas teve que sustentar a família na juventude, após a morte do pai, em 1917. Foi office-boy da Light e da Companhia Internacional de Seguros. Sua facilidade em fazer versos e seu desregrado bom-humor lhe abriram as portas da revista Dom Quixote, onde colaborava com poemas e sátiras aos costumes da época. Em 1924, largou o trabalho e descobriu o teatro musicado, que então vivia o seu auge, com paródias e quadros carnavalescos. Em um ano, já era um assíduo colaborador das chamadas revistas musicais.

Mas não seria o teatro de revista o seu caminho. Eduardo Souto, proprietário da Casa Carlos Gomes, financiava batalhas de confetes que antecediam o Carnaval, divulgando assim suas músicas. Entusiasmado, Lamartine quis compor também. A partir de então, criou temas para os ranchos carnavalescos da época, entre eles o Ameno Resedá (exato, aquele mesmo, da música do Ernesto Nazaré). Em 1927, encontramos Lamartine no bloco do Careca, que era tricampeão dos carnavais de 1920, 22 e 24. Ali, ele criou seu primeiro êxito carnavalesco, Os Calças-Largas, que seria a coqueluche do Carnaval de 1928.

As coisas só mudariam na década de 30. Agora o cinema era falado e a música migrou para o espaço das emissoras de rádio, que se expandiam de forma vertiginosa. Não era mais preciso divulgar blocos para lançar música, como os pregoeiros do começo do século, ou vender partitura de porta em porta. A coisa toda nascia com a divulgação de discos. Mais do que isso, havia também a revolução do rádio, que era capaz de criar conceitos e mudar opiniões. O sucesso nascia nos estúdios, e ganhava as ruas numa progressão fulminante. Aqui, cantores e compositores se tornavam notórios da noite para o dia, de uma forma nunca vista até então. A música carnavalesca mantinha um padrão, e compositores que estavam habituados a lançar canções nessa época do ano, desde os tempos do “Abre Alas”, de Chiquinha Gonzaga, agora descobriam o imenso filão.

Antes de “O Teu Cabelo Não Nega”, Lamartine Babo já havia ganhado um concurso da revista O Cruzeiro com a marcha “Bota o Feijão No Fogo”. Em 1931, ganhou outro certame, desta vez, promovido pela Casa Edson (a antiga EMI), com “Bonde Errado” e fez sucesso com “Lua Cor-de-Prata”, “Minha Cabrocha” e “O Barbado foi-se”. A partir de 1932, Lamartine orientava o Carnaval com a citada “O Teu Cabelo Não Nega”, “Só Dando Com Uma Pedra Nela” e AEIOU, em parceria com Noel Rosa:

A-E-I-O-U
Dabliú
Dabliú
Na Cartilha da Juju
Juju


Mas a verdade é que o compositor carioca teve que repartir a taça com “O Teu Cabelo Não Nega”. Na verdade, se tratava de uma composição original dos irmãos Valença. Eles eram pernambucanos,e haviam enviado a canção para a Victor, com o nome de “Mulata”. Lamartine apenas adaptou a cantiga regional, deu-lhe a introdução, mudou-lhe o ritmo, e não teve responsabilidade quando o selo dizia “motivo do norte, adaptado por L. Babo”. Os compositores ganharam a questão na Justiça e, desde então, aparecem com seus nomes mencionados ao lado de Lamartine...

Com o tempo, Lamartine Babo se transformava em motivo de expectativa. Quando o Carnaval ia chegar, todos se entreolhavam em bares, cafés, gravadoras e rádios: que será que ele vai apresentar este ano? As respostas eram várias, mudavam no título e no tema, mas eram sempre os mesmos com relação ao acolhimento do público. Por exemplo, em 1933, os foliões cantavam e gritavam:

Linda Morena
Morena
Morena que me faz penar
A lua cheia
Que tanto brilha
Não brilha tanto como o teu olhar


Ou então:

A tua vida
É um segredo
É um romance
E tem enredo!


Lamartine tinha já os seus intérpretes característicos, como a jovem Carmen Miranda, que quanto mais desafinava, mais engraçada deixava a música, e Mário Reis, que ia na contramão dos cantores de dó maior e fazia arrelia com as letras picarescas do compositor. Muitas vezes, dividia o microfone com o próprio Lamartine Babo que, assim como Noel Rosa, tinha um fiapo de voz mas era capaz de compensar com uma interpretação hilária e bastante sua, tanto em gravações próprias ou em companhia de Mário ou Carmen, como em “Moleque Indigesto”:

Esse moleque
É bom rapaz
Tem um defeito
Come demais
Como, come, não deixa resto
Oh, que moleque indigesto!


No mesmo ano, Lamartine aparecia com “Aí, Hein?”

Pensas que eu não sei?
Toma cuidado
Pois um dia
Eu fiz o mesmo
E me estrepei!


Em parceria com Paulo Valença, ele fazia todo mundo rir com “Boa Bola”

Queria bordar teu nome
Na própria gola da camisola
Ao som da Traviata
Numa vitrola
Que boa bola!


Em 1934, fazendo troça com a ópera “Paliacci”, de Leoncavallo, fez a marchinha “Ride Palhaço”, na dupla Mário Reis-Francisco Alves:

Ride, palhaço, lá, lá, lá, lá, lá, lá!
Ah, ah, ah, ah!
Eu sou
O teu pierrô
Colombina
Colombina
Reparte esse amor
Metade pra mim
Metade pro teu arlequim!


Com Ari Barroso, fez “Grau Dez”

A vitória de ser tua, tua, tua
Moreninha prosa
Lá no Céu a própria Lua, Lua, Lua
Não é mais formosa
Rainha da cabeça aos pés
Morena, eu te dou grau dez!


Em contraste, Lamartine quis mostrar o lado melancólico e efêmero do Carnaval, em “Rasguei a Minha Fantasia”, interpretada por Mário Reis:

Rasguei a minha fantasia
O meu palhaço
Cheio de laço e balão
Rasguei a minha fantasia
Guardei os guizos no meu coração


“TUDO CHEIRA A CARNAVAL ” — Em 1935, a coisa não estava muito boa. Sem promoção e sem dinheiro, Lamartine conseguiu um polpudo financiamento de uma fábrica de sabonetes. A forma de fazer propaganda sem ferir as regras da arte foi vender o produto de forma subliminar. Assim nasceu “Senhorita Carnaval”, cuja fanfarra de abertura se tornaria característica nos bailes, a partir de então. O refrão era todo feito em superlativos, e cantada, com todo o acinte, pelo próprio Lamartine, para chorar de rir:

Carioquíssima!
Animadíssima!
Renovadíssima!
Nacionalíssima!
Amabilíssima!
Valiosíssima!
Assanhadíssima!
Luxuosíssima! Há!


Oh, que dama divinal,
Ela se chama senhorita Carnaval!

O sabonete se chamava Carnaval, e cada letra inicial dos superlativos, se somada, uma a uma, dá exatamente “Carnaval”. Talvez tenha sido a primeira propaganda subliminar na história...

Em 1936, Lamartine aparecia com “Marchinha do Grande Galo”

Cocococococoricó
Cocococococoricó
O galo
Tem saudades
Da galinha Carijó


Prolífico, ele fazia paródia com o nonsense e o lúdico da poesia modernista em “AB Surdo”. Na marchinha, completamente sem sentido, o compositor dizia:

Nasci na praia do Zumbi 86
Vai fazer um mês
Vai fazer um mês
Que a minha tia me emprestou Cinco mil Réis
Pra comprar pastéis
Pra comprar pastéis
É futurismo, menina, É futurismo
Isso não é marcha,
Nem aqui, nem lá na China


Noutra feita, Lamartine fez uma versão bem sua para o conhecido tango Yira Yira, de Enrique Discépolo, que passou a se chamar “A Família Orangotango”. O refrão ficou mais ou menos assim:

Um rapagão de traquejo,
Queijo! Queijo!

Lamartine Babo ia além, a cada Carnaval. As marchinhas se acumulavam, muitas delas reapareciam com mais intensidade a cada festa de Momo, outras já nasciam clássicas, e caiam na boca do povo. Muitas restariam na memória, outras, porém, são lembradas por poucos.“Vou cantar a noite inteira/Rancheira/ Vou dançar pela fonética/Estética” (“Babo...seira”); “Só danço valsa nos salões/Tango com bandoneões/Yo me rompo todo assim/ Arlequim, arlequim (De...cadência de pierrô”); “Teus braços/Meu bem/Com tanto sinal/Fazem lembrar a Central/ E lá na Central/Tem teu namorado, menina/ Fugiu com a Leopoldina”.

No Carnaval de 1934, nasceu da impagável pena de Lamartine a sua versão da “História do Brasil” e que, como sempre, era uma janela aberta a prospecções filosóficas sobre o pensamento antropológico do brasileiro sem-culotes que, como dizia aquela epígrafe de um conhecido jornal carioca, questionava que não queria saber quem descobriu o Brasil mas, sim, “quem põe água no leite”. Nesse sentido, e mais tropicalista do que nunca, “Lalá” entendia que Cabral descobriu o Brasil dois meses “depois do Carnaval”. Nada mais sugestivo. De qualquer maneira, tudo começa depois da festa. Inclusive, segundo consta, essa marchinha também fez muito galego sambar lá na terra de Camões:

Quem foi que
inventou o Brasil?
Foi seu Cabral
Foi seu Cabral!
No dia 21 de abril
Dois meses depois
Do Carnaval!

Depois
Ceci amou Peri
Peri beijou Ceci
Ao som
Ao som do Guarani...



Em 1936, a vencedora foi “Mamãe eu Quero”, de Vicente Paiva e Jararaca. No ano seguinte, a ameaça do fascismo e a ditadura do Estado Novo enfraqueceram o espírito carnavalesco, que sempre foi crítico, cáustico e irreverente. Os tempos estavam mudando. Por outro lado, a disputa se tornara desleal, com o advento do “jabá” e a censura do recém-instituído Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A folia estava perdendo para a censura. O destino de Lamartine foi o rádio, onde trabalhou em programas de humor até 1955, com a morte de seu grande amigo, Héber de Bôscoli.

Claro que, durante todo esse tempo, Lamartine não seria apenas um compositor carnavalesco: fez sucesso com pérolas como a lírica “Serra da Boa Esperança” (que foi grande sucesso cna voz de Francisco Alves), a inesquecível “Eu Sonhei que Tu Estavas Tão Linda”, a junina “Chegou a Hora da Fogueira” e a antológica “No Rancho Fundo”, em parceria com Ari Barroso. Mesmo com a qualidade das suas composições de “meio da ano”, Lamartine ficou conhecido pelo seu lado folião. Também se tornou conhecido por ser o autor de quase todos os hinos de times do futebol carioca, entre eles, o do Flamengo, do Fluminense e do seu time do coração, o América.

RESSURREIÇÃO — O seu ostracismo foi inversamente proporcional à profissionalização do Carnaval. Lamartine não podia competir com a crescente indústria da folia, que era capaz de eleger sucessos em detrimento da saudável competição dos tempos da Era do Rádio. Agora, por mais perfeitas que fossem as canções, elas não estavam livres do trabalho de caitituagem, que sempre impediu a divulgação de autores não comprometidos com a indústria carnavalesca ou acostumados com os fins e os meios dos meios de comunicação. Definitivamente afastado das festas de Momo, Lamartine virou membro da União Brasileira dos Compositores (UBC). Voltou em 1959, com uma criação especialmente composta para um rancho carnavalesco. Nostálgico, viria às cargas dois anos depois, com “Ressurreição dos Velhos Carnavais”, que se caracteriza pelo tocante saudosismo de seu poeta: “vem arlequim, que a tua sina/ Era adorar a Colombina/Dos carnavais que não voltam mais”.

Em 1963, o produtor musical Carlos Machado montava um espetáculo no Copacabana Palace com as marchinhas de Lamartine Babo. O compositor chegou a assistir aos ensaios. Estava frustrado porque sua última canção, “Seja lá o que Deus Quiser”, foi abafado pelo jabá das escolas de samba. Agora ele tinha um show completamente seu, em sua homenagem. Ao assistir aos primeiros ensaios, Lamartine se comoveu profundamente. Reviver daquela forma seus velhos sucessos foi demais para ele. Lamartine recém havia se recuperado de um enfarte, em fevereiro daquele ano. Faleceu dia 16 de junho daquele mesmo ano. Um mês depois, as portas do “Copa” exibiam cartazes anunciando o grande show “O Teu Cabelo Não Nega”, que se tornou numa justa homenagem (póstuma) ao homem que inventou a marchinha.

E, neste Carnaval, foliões e orquestras certamente irão relembrar a alegria da música de Lamartine Babo.



* Texto publicado originalmente por este escriba no extinto site Rabisco, em 2004.