Friday, October 22, 2010

Teté e o telefone


Larri e Bodinho


Meados da década de 50. semana de Gre-nal.

Os jogadores do Inter estavam concentrados nos Eucalíptos desde quarta. O técnico, Teté, o Marechal das Vitórias controlava seus pupilos: chegava até a procurar obsessivamente macumba em alguma esquina do estádio para ver se não tenha nenhuma amarração, como um sherlock do batuque.

Mais: ninguém podia falar ao telefone. Vai que alguma mala preta falante resolva combinar algo com algum.

Na sexta de tarde, o telefone tocou. Do outro lado da linha, o sujeito, que se recusava a dar o nome, queria porque queria falar com o La Paz (Florindo, Oreco, Chinesinho, Bodinho, Larri, etc), o goleiro.

— Meu amigo, o La Paz não pode atender, meu amigo — respondeu Teté — só passo recado, o que você quer falar com ele? Diz aí que eu transmito o recado.

— Mas eu preciso falar pessoalmente com ele — gemeu o sujeito do outro lado.

— É, mas não dá. disse o treinador. e bateu o telefone.

Duas horas depois, o telefone toca. É a mesma voz, o cara queria falar com o La Paz.

— Mas quem raios é o senhor, o que o senhor quer tanto falar com ele — indignou-se Teté.

— È...bem...eu sou um amigo. É que, olha só, este é um assunto particular, sócom ele mesmo...

— E o telefone não parava. O sujeito talvez quisesse que outra pessoa que não Teté atendese e ele conseguisse falar com o La Paz. Chamadas caiam por toda a noite de sexta e o sábado. quando atendia, era sempre a mesma coisa, e o sujeito não queria se identificar de jeito nenhum.

Domingo de manhã: a mesma coisa. Dirigentes do Inter estavam começando a trocar olhares significativos. O que estava acontecendo?

— Mas eu preciso falar como La Paz! Eu preciso falar com ele! — dizia o angustiado interlocutor de Teté.

— Eu dou o recado — respondeu Teté, com uma paciência insuportável.

— Poxa, mas tem que ser com ele mesmo. É particular! Olha só, é o Teté, né? seu Teté, não tem como o senhor me fazer esse favor e arrumar um jeitinho? Pelo amor de Deus, seu Teté, faça isso por mim! Por favor! Olha só, eu, ele nem tem que sair dos Eucaliptos, é só ir até o portão da Silveiro, eu falo bem rápido com ele e aí o La Paz pode voltar para a concentração, não tem problema nenhum!

Meio-dia, toca o telefone. Teté inexpugnavelmente bloqueia o sujeito.

Vencido, ele diz:

— Tá bom.... Mas o senhor me promete que vai dar o recado para ele, seu Teté?

— Prometo. Fala aí, rapaz.


— Então....então diz prá ele que já tá tudo acertado, conforme o combinado, viu? Tá tudo OK. Tchau!

Monday, October 18, 2010

A Velha Contrabandista


Oi amgs



Essa história é meio Luma de Oliveira, é OLD but GOLD.

Todo dia a velhinha passava pelos guardas da fronteira com uma mochila enorme, montada numa lambreta. Sorria, acenava para eles e passava,feliz da vida.

Passou um mês, o guarda, macaco velho, começou a desconfiar. Essa velha tem esquema, só pode. "Não é porque é velha que é santa", pensava.

Um dia, ele parou a velha. "Boa tarde, o que o que tem na mochila?" Ela: "areia". Ele: "deixa ver". Ela "OK'. Ela abriu a mochila e — surpresa — só tinha areia.

E lá foi ela, sorridente. O guarda ficou perplexo: porra, em 30 anos dessa indústria vital eu nunca vi isso. Todo dia o fiscal achava areia...

Um dia, ele foi sincero:

— Olha vovó, eu tenho que ser sincerocom a senhora. Eu sou fiscal de alfândega há trinta anos, manjo o esquema e tenho certeza que a senhora é contrabandista!

— Mas só tem areia na mochila — murmurava a santa senhora.

O fiscal, mais angustiado que barata de ponta cabeça, propôs:

— Olha vovó, eu lhe deixo passar. Não apreendo nem dou parte, não conto nada a ninguém, mas a senhora TEM, PELO AMOR DE DELS que me dizer qual é a muamba que a senhora passa!

A velha olhou para os lados. Perguntou:

— O senhor promete que não me deda, formosinho guarda?

Ele, crispado de curiosidade e emoção: "Sim, Juro"! Ela: "jura mesmo"?

Então a velha sorriu seu sorriso de batom torto e disse:

— É lambreta AOPKSPAOSKOPAKOPKSPAOSKOPAK Õ/

Friday, October 15, 2010

A Última loucura de Kerouac


Hit the road, JK

Eu acredito que não fui o único, mas confesso que fiquei profundidissimamente (como diria Augusto dos Anjos) perturbado depois de ler o incensado On The Road, porque eu me projetei ao infinito no idealismo dos personagens, e uma forma livre de viver, integrada ao ambiente e sempre em movimento, vendo gente e mais gente, é algo incomensurável, é a vida que sopra no seu rosto.

Curioso é que depois eu li a biografia dele (a escrita pelo Yves Buin), e ele era uma pessoa diferente do Sal Paradise: parece que quando ele finalmente conseguiu a notoriedade que ele tanto perseguiu, ele virou nada mais, nada menos do que um cadáver adiado (como diria Pessoa). Não havia lido nada de novo dele, depois que sua obra foi finalmente recolocada em catálogo, embora não tivesse mais tanto interesse pela literatura beat como antes.

Claro que, pelo exercício da escrita, ou como fetiche de escrever, eu sempre releia trechos e trechos (& trechos & trechos & trechos & mais trechos) do Kerouac – até porque o exercício da releitura é algo interessante e ligeiramente subestimado pela imensa maioria dos leitores – mas não era bem isso o que eu estava prestes a dizer.

Li tudo o que me caiu em mãos até o Big Sur (LPM Editores, 192 páginas). Este livro é o testamento final (de vida e literário, já que a partir dali, seus textos foram perdendo todo o vigor de outrora) do Kerouac real, não é o jovem idealista a la Rousseau, alguém entronizado num santo vagabundo, em alguém transcendente. Era um bêbado chato e decadente de meia idade como qualquer um, que não conseguiu, mesmo depois do sucesso, encontrar uma finalidade para a vida. E também confesso que, conhecendo o idealismo ardente de sua obra máxima, como leitor de Ti Jean, foi doloroso ler isso.

Jack poderia se estabilizar como qualquer pessoa normal, ele tinha nome, poderia arranjar um emprego permanente de correspondente para qualquer jornal, mas a instabilidade emocional e a sensação de que a virtude foi morar nos puídos aposentos de sua proustiana memória o venceu.

Era alguém que entregou a vida em sua obra máxima, isso fora o fato de que a doença dele fez com que ele se tornasse uma pessoa perdida, reclusa, anti-social, dependente.Enfim, não existe felicidade no Big Sur, é o On The Road de cabeça para baixo, nada de glamour, nada de feliz, nenhuma paz, enfim, além de noitadas e bebedeiras.



A vida essencialmente calcada no desregramento que eu achava que era a essência da literatura beat não foi o que eu achei na aventura de Sal e Dean, por isso que eu idealizei e me projetei de verdade no livro. Aquilo não aspira uma eterna juventude; pelo contrário, aquilo é exatamente o que eu via de negativo, infelizmente relacionado ao Kerouac real. Buin escreveu que o discurso final do livro era quase uma descrição clínica de um delírium tremens — e de fato, talvez seja oexemplo mais notório de algo do tipo na literatura.

Quem realmente sabe que ele era uma esponja que absorvia quantidades colossais de vinho licorado, sabe perfeitamente que, naquele estágio da vida, aquele consumo ia enlouquecer qualquer cidadão. Por isso eu fiquei com a impressão de Big Sur como alguém que chegou no limite para o fim. Basta ver aquele trecho em que ele tenta carona e não consegue, tenta realizar uma marcha a pé da barraca do Lawrence Ferlingheti nos despenhadeiros do sul da Califórnia e não consegue, sendo obrigado a fazer algo que ele raramente fazia nas suas antigas viagens, pegar um ônibus...

Aliás, o próprio Cassady, que no On The Road é praticamente a espinha dorsal de qualquer movimento dentro do livro, que é uma ode ao velho santo vagabundo Dean, no Big Sur é uma figura apagada, ele e Jack não demonstram mais nenhuma afinidade, não amigos pela memória, contudo não demonstravam qualquer vitalidade, qualquer intimidade entre si.

Porém, pela qualidade literária que ainda restava na mente do Jack, é possível vislumbrar ecos de sua escrita meticulosa e fluída,e a capacidade em caracterizar personagens e descrever ambientes. Ou seja, o valor literário permanece porque a mente do Kerouac ainda funcionava O discurso final do livro é exuberante,mas é algo sombrio e lancinante, de alguém que como poucos, soube escrever como um Proust sobre a sua loucura final.

Thursday, October 14, 2010

O Jogo do Século


O Rolo Compressor

Uma vez eu estava esperando o ônibus para Porto Alegre, vindo do interior. No café, eu vi um gaucho todo altaneiro contando causos para o pessoal do balcão - na verdade, verdadeiras atochadas: era uma história mais absurda do que a outra.

Aliás, isso aqui é muito comum - a prática de atochar, ou "queimar campo", ou contar histórias inverossímeis em primeira pessoa, por puro histrionismo - uma espécie de mentira muito bem contada. E não tem balcão de rodoviária do interior que não tenha o seu atochador de plantão.

Um atochador, nessas rodoviárias da vida, certa feita um coronelão me (nos) contava (atochava) que houve uma seca terrível em Bagé, e a gadaria dele via aquele mato amarelado e não queria pastar. Eis que ele ouviu pelo rádio que a Polícia Federal ia leiloar material que ela havia retido na fronteira com a Argentina.

Entre eles, havia um contrabando de óculos Ray-Ban — e era daqueles esverdeados. Ele não pensou duas vezes. Mandou um ordenança dele lá em Livramento arrematar o lote. Depois, o coronel mandou que um peão 'instalasse' os Ray-Ban nas vacas. "Elas passaram e ver o mato todo verde, e voltaram a pastar", disse.

Um sujeito tava fantasiado de gaúcho com um sacolão de roupas e uma mala de garupa, bicando um copo de café preto. E dizia que era atirador. E falava da vez em que ele ia tentar acertar a cabeça de uma sucuri que vinha em sua direção:

- Pues escuitem, uma vez se sucedeu assim: eu levantei a minha winchester com todo o cuidado do mundo, fiz a pontaria, descansei bem devagarinho o dedo no gatilho da arma...

No meio da conversa, tocou o celular dele. ele pediu um momento, e foi para um canto chasquear. Dez minutos depois, lá estava o gaúcho de volta:

— Onde é que eu tava, mesmo? — perguntou, coçando o chapéu.

— O senhor ia apertar o gatilho da Winchester — respondi.

Ele:

— Mas bah, tchê! pues eu nunca errei uma — exclamou. — Quando eu dei o tiro naquela saracura fiadaputa, foi pena prá tudo quanto é lado!


....

Mas a mais pitoresca foi essa. Um atochador de rodoviária lá em Passo Fundo disse que o pai (tio oui avô, não me lembro bem) dele tinha sido presidente de futebol de um clube de lá.

Ele contou da vez que o famoso Rolo Compressor do Internacional dos anos 40 foi jogar em Passo Fundo. Como aquela equipe do Tesourinha e do Carlitos era conhecido por todas as partes como o maior time de todos os tempos - e que era capaz de aplicar goleadas mitológicas em qualquer escrete do planeta. Pios quando o colorado aceitou o convite para um amistoso lá no Planalto Médio, o presidente procurou a banda de música da cidade.

Ele chamou o maestro da banda e disse: "Passo Fundo vai assistir ao jogo do século no domingo, então queremos que o senhor toque para nós durante toda a partida, o senhor estaria interessado?."

O maestro aceitou, mas — segundo o sujeito — pediu um valor exorbitante pelo serviço. Como não havia outra banda, ele tentou regatear com os músicos. Então ficou decidido que a banda iria tocar apenas na abertura e quando ocorresse gol.

Aí ele contou:

— E então eles toparam. E o Rolo chegou. Contra todas as previsões, porém, o Inter pegou a bola e então não largou mais, ia de pé em pé e inapelavelmente direto para as metas do nosso goleiro. Tava uma hora que já tava uns sessenta a zero para eles. O Carlitos pegou a bola sozinho, o Carlitos era atarracado e baixinho, mas o chute daquele cara era uma bala de canhão! Tava uma hora que ele ficou pela milésima vez na cara do golo e o keeper saiu correndo do meio dos arcos cagado de medo da pontaria mortífera do Carlitos, e o Carlitos disse: "porra, home, tu é homem ou tu é um rato?". O keeper respondeu "que nada, quem, toma cinquenta, toma cinquenta e um - e tomou um balaço. Então começou a chover tanto gol, mas tanto gol, mas tanto gol, mas tanto gol que, a aí, no fim do jogo, as clarinetas estavam rachadas, os bumbos e tambores furados! Os metais de sopro estavam em brasa; para resfriá-los, tiveram que pular o muro e fazer fila, a fim de trazer água em baldes, direto de uma casa vizinha. O coitado do sujeito da corneta, então? O pobre diabo criou papada de tanto assoprar, o maestro ficou de braço duro de tanta cãibra e viveram que levar o cara da tuba direto para um balão de oxigênio. O mais engraçado foi o que aconteceu com o tocador de pratos: pegou resfriado de tanto vento que apanhou.

Wednesday, October 13, 2010

A Culpa Original


"Comerás o teu pão..."


E disse o Senhor: “Maldita a tua terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos. Passarás oito anos estudando um monte de coisas das quais nunca tirarás proveito por conta da profissão que seguirás farás um segundo grau Monteiro Lobato para conseguir concorrer a um vestibular de merda concorrido de 20 vagas por candidato depois ficarás boiando num curso que escolheste e te arrependerás dele mas por pressão da família já que todos os teus irmãos e primos seguirão tenência na vida & terão carro do ano e terão uma vida estável com casa própria e casa na praia e serão sócios do Clube do Comércio e tu maldito que tu serás vergonha da família solteiro & pobre por conta de tua maldita vocação nunca jamais terás concluirás a duras penas graças a um crédito educativo pelo qual jamais terá condições de pagar irás colar grau e ficarás sem saber o que fazer da vida sem condições de fazer uma pós tendo água batendo nas barbas não terás dinheiro nem para uma rodade de chope como s amigos no Dona Neuza nem xis com batata frita do Cavanhas ou happy-hour no Pedrini nem ROLLET na Cidade Baixa nem almoço de negócios no Dado Grill nem putaria no Carmen's Club & tendo que arranjar um curso Senac de qualquer coisa para poder arrumar um emprego qualquer via CDL ou SINE de estoquista ou balconista ou vendedor ou atendente de telemarketing da NET porque tentarás arranjar uma vaga em algum concurso qualquer de Ensino Médio já que concursos de curso superior são de 4782 candidatos por vaga e você a essa altura do campeonato já terás esquecido tudo o que estudou no primeiro grau e no Monteiro Lobato e pobre e endividado não terás cabeça nem dinheiro para encarar uma apostila da Caixa Federal ou do Tribunal até que de tanto vagar como um gauche na vida até que mais por insistência do que por força de vontade tu maldito arranjarás um emprego fuleiro qualquer de auxiliar de limpeza na Petiskeira do Iguatemi ou vendedor ganhando aproximadamente R$ 499 por mês tirando o vale-transporte e o vale-refeição trabalhando de segunda a domingo exceto feriados porém tendo direito a um dia de folga para teres direito a morares numa vila a mais de 50 quilômetros do centro da cidade numa rua que atende por um número com direito a uma tevê com rede aberta porque a NET não chega lá e direito a um gato de luz e outro de orelhão”. E expulsou-o: e colocou ao oriente do Éden querubins armados de espadas flamejantes a fim de guardar para sempre o caminho da Árvore da Vida.

Tuesday, October 12, 2010

Essas crianças....


Debret

Falando em Dia das Crianças, eu me lembrei hoje de uma história que a minha avó materna me contou (aliás, devota de Nossa Senhora Aparecida) há muito tempo, e que aconteceu no tempo em que ela vivia na Estância da Quinta, lá no Alegrete — isso há priscas eras...escutem.


Ela foi visitar uma amiga comum de sua irmã, em outra estância, a Tia Iaiá. Essa amiga foi com um menino de uns oito, nove anos, que era amiguinho do filho dessa senhora. Eles iam passar a tarde de sábado lá, num bucólico sarau vespertino lá...


Quando eles chegarm lá, a Tia Iaiá estava fazendo goiabada na enorme cozinha. Absorto na tarefa de sua mãe, o seu menino (uns nove anos, também) perguntou que paçoca era aquela que ela estava enlatando.

— Isso é veneno para ratos — disse a mãe — se você abrir, vai se intoxicar, moleque. Isso mata, hein? Nem chegue perto, senão tu vais ver o que é bom para a tosse.

Claro que ao dizer que o tal "produto" era perigoso, Tia Iaiá estava espertamente (à maneira dela) se precavendo de que o filho da puta do moleque mantesse distância e não comesse tudo. E guardou as latas na dispensa da cozinha — aquelas de armário embutido, onde cabem duas pessoas dentro, e com folga.

Imagina.

Então chegaram as visitas. enquanto as senhoras fofocavam na sala de estar trincando suas chávenas de chá, os dois garotos, entediados, resolveram abrir uma enciclopédia, que estava na estanta da sala. No livro, eles então acharam várias daquelas gravuras do Debret, o famoso pintor da Missão Francesa, que fez aqueles desenhos do Brasil do começo do Século XIX.

Mas a gravura que mais os impressionou foi a de um grupo de escravos que iam sendo tocados estrada afora, com os calcanhares presos por uma corrente. Ficaram bestas de tão maravilhados de ver aquele monte de gente andando com o pé direito amarrado um no outro, como se fossem animais, com um sujeito de chapéu, bigodões e botas descendo o chicote no lombo deles.

Foi quando o garoto da Tia Iaiá teve a brilhante idéia: e se eles pegassem um rolo de barbante e fizesse com os pintinhos do galinheiro a mesma coisa?

E lá foram os dois moleques. Pegaram dez deles, puxaram o barbante e foram amarrando a corda nos tornozelos dos pobres bichos. Quando o décimo ficou atado ao liame, eles pegaram a pequena tropa e puseram os coitadinhos para caminhar no meio do quintal.

Enquanto os pequenos animais iam tentando caminhar em marcha numa mesma direção, trôpegos e confusos, os dois moleques rolavam de rir da cena. Riam feito dois fedelhos desprezíveis sádicos ante àquela cena dantesca.

Mas algo estava por vir.

No meio das gargalhadas, enquanto os pintinhos tentavam chegar ao galinheiro, um gavião que, no alto de uma árvore do quintal assistia friamente a tudo, deu um rasante estilo Red Baron e agarrou o primeiro da fila. Alçou voo e, condoreiramente, deu meia volta, se postou no galho mais alto da árvore.

Então começou a devorá-los, um por um — ajudado, é claro, pelo barbante.

Perplexos, os dois garotos entraram em parafuso. Estavam metidos numa bela encrenca. O gavião dizimou a prole da galinha da Tia Iaiá. Agora quem ia sentir o amargo sabor do chicote eram aqueles dois fedelhos desprezíveis.

Passou-se uma hora. As impávidas senhoras coneçaram a estranhar: aqueles dois moleques do barulho estavam quietos demais. O que havia acontecido com eles?

Levantaram suas respectivas ancas gordas do canapé e saíram casa a fora atrás da dupla. Nada deles. Começaram então a buscá-los nos locais mais improváveis. Foi quando Tia Iaiá resolveu abrir a dispensa.

Abriu as portas e lá estavam nossos heróis, ao lado das duas latas de goiabada já quase no fim, de barriga para cima, com ar mareado...

— Mas que porra é essa? — quis saber a ilustre senhora.


— Foi quando seu filho, num último suspiro de vida, replicou:


— O gavião comeu todos os pintinhos e nós decidimos cometer suicídio. Desculpa, mamãe.

Monday, October 11, 2010

A Violinista


Quartier Latin

A Cris é a mais linda flor do meu jardim. Ela é uma força da natureza: relampeja, sopra, chove, arde.

Alta, insinuante e tinha (tem) uma bunda linda. É recatada e discreta, mas sabe se insinuar. Detesta a solidão, mas vive cercada do seu clã dos Verdurin: ela é a minha musa proustiana, é o prólogo, o meio e o fim dos meus pobres devaneios. Linda, louca e inatingível. E superior a tudo e a todos. e desesperadamente linda.

Se irrita fácil, rejeita sem nenhum puder mas não gosta de se sentir rejeitada. Ela pode te esquecer por meses, mas ai de quem esquecer dela! Às vezes me dava um olhar. Eu via o tempo parar e vivia eternamente aquele momento fugaz.

Com seus quatorze anos ela parecia uma moça de vinte e quatro. Com vinte e quatro ela tem todas as galas de uma garota de vinte e oito; com trinta e um, ela vai ser a mulher mais linda do mundo, mas no entanto voltará a ter toda a pureza dos treze, na infinita pureza de um primeiro amor.

Ela é uma espécie de Ava Gardner da roça, mas já singrou seu Allstar branco pelo Quartier-Latin...

Não contei como isso aconteceu.

Ela era uma menina como todas as outras, misteriosa e perdida em si mesmo, e que não precisava ocupar a adolescência preocupada como eleitorado. Ela aprendeu música, gostava de dançar e aprendeu espanhol através de letras de tango. Foi uma surpresa para todos (eu, inclusive e tudo o que aconteceu depois, até hoje), quando ela resolveu aprender violino.

Ficava insuportáveis horas a fio decifrando os capricci do Paganini. Manejava o arco com a destreza de uma amazona – só Deus sabe como ela aprendera tanto em tão pouco tempo. Foi quando ela disse que queria ir à Paris para estudar num conservatório.

Todos tentaram convencê-la a desistir da idéia. Quanto mais insistiam, mais aquilo fermentava em sua pequena cabeça louquinha. Quando Cris bota uma idéia na cabeça, nem os deuses conseguem demovê-la. Ela é do tipo que faz as malas duas semanas antes de viajar. Eu achava graça naquilo, como se ela forçasse a Primavera a florescer mais cedo, por seu puro e simples capricho de desejar algo.

Custou tempo, mas ela conseguiu o dinheiro. Disse que ia se virar quando chegar lá (me esqueci de dizer que ela sabia francês, acho que aprendeu na Aliança ou no Julinho. Ou nos dois).

Então ela foi para Paris. Ficou quatro anos lá. Nesse meio tempo, quase não chegou a se comunicar conosco. De repente, sem qualquer aviso, ela voltou.

Ela chegou toda de preto, como uma George Sand e com um xale, também preto, por debaixo do pélago dos seus longos cabelos negros. Estava mudada, era uma mulher de verdade. Era a Ava Gardner mais linda que a Ava Gardner, porém com uma discreta indecifrável elegância. Também havia abandonado seus Allstar brancos. Trouxe também um menino.

- Este é meu filho, Enrico.

E, voltando-se para o menino, ela disse:

- Conheça a vovó e o vovô, Enrico.

Ele pôs os olhos gulosos nas órbitas dos velhos (coisa de criança), que choravam de alegria e perplexidade.

E deixando os três a só, foi rever o seu vetusto e pequeno quarto, nos fundos do corredor. Sem dizer palavra abriu as janelas e, espanou a poeira dos seus aposentos e entrou na vida. Aquela menina cheia de poesia não existe mais.




Violino. Aqui, ó!

Saturday, October 09, 2010

John e o leão-de-chácara


John fanfarrão

John Lennon tava saindo lá do Cavern Club com a guitarra depois de um show, quase de manhã. Passou pelo leão-de-chácara — isso lá por 61.

Olhou de soslaio para o sujeito, metido num casacão estilo Otto Von Bismarck. Ele meteu a mão no bolso do cara e disse: "toma aí, chucrute (kraut), isso aqui é para tu tomar um uísque depois do expediente". E foi embora.

Comovido, o porteiro sorriu e bateu continência para o guitarista dos Beatles, que ganhou a rua e sumiu na névoa da manhã. Então ele meteu a mão no bolso e achou três pedrinhas de gelo.

Tuesday, October 05, 2010

O Câmera do Leão


Walmor Bergesch, fundador da TV Gaúcha. Ao lado, uma das famosas câmeras do Canal 5


Outro dia, um operador de áudio me contou uma história muito engraçada, lá dos tempos dos primórdios da televisão aqui no Rio Grande do Sul.

Foi assim: uma vez, a TV Gaúcha fez um teleteatro da Paixão, era O Manto Sagrado - foram, ao todo, três capítulos de uma hora cada, isso em 1963, quando a TV Gaúcha não era da hoje RBS.

A novidade era que, dessa vez, eles iam, pioneirísticamente, fazer externas, loucura de um famoso diretor da época, o Nelson Vaccari. Por exemplo, a filmagem passada na história na ilha de Creta foi feita aqui na Ilha do Presídio. A atriz tinha que saltar de uma altura de quase dez metros (tinha uma equipe de resgate, claro) e não sabia nadar, imagine. Tiveram que fazer seguro de vida para ela, era a Rosa Maria, então esposa do radialista Pedro Amaro.

Até a Elis Regina fez uma ponta como uma hebréia, cantando, a cena foi filmada na praia de Ipanema (a de Porto Alegre, lógico).


Mas as histórias de bastidores são folclóricas.

Um ator que fazia o Demetrius foi manejar um arco e flecha e quase matou o cinegrafista. Para a cena da orgia de Herodes, eles puseram uma equipe de prostitutas. Eles haviam recrutado menininhas inocentes que, sob o olhar zeloso das mães, não podiam mostrar pernocas, decotes, nada. Então foram chamar umas garotas lá no Beco do Oitavo. Quase acabou em putaria.


Contudo, a melhor foi uma cena em que os cristãos são cruelmente atirados às feras, num circo em Roma. Era o ápice. Tipo, uma liliputiana tevê do extremo sul do Brasil querendo dar uma de Cecil B de Mille. Eles gravaram tudo no antigo campo do Cruzeiro de Porto Alegre, na rua Natal.

E fizeram todo o cenário de época comme il faut, cobrindo os alambrados para fazer de conta que era uma muralha de pedra, colocaram a multidão, devidamente fantasiada. Também destacaram uma tropa da Brigada Militar para servir de legionários. O 'povo' ficava naquela arquibancada que ainda existe, hoje na subida do cemitério João 23.

Mas faltava o leão, né. Aí acharam um, num circo do interior. Botaram ele camuflado atrás das "pedras" dentro da jaula, e soltaram no "circo romano" vazio com um cameraman instalado num buraco no chão, pra filmar o leão "atacando" os cristãos em contra-plongée (num ângulo de baixo para cima), com o objetivo de imprimir mais veracidade à cena...

O câmera ficava escondidinho num buraco camuflado com madeira e serragem por cima, com um furo no forro só para a lente captar a cena e o leão. Foi quando soltaram o nosso intrépido rei das selvas que, ao invés de passar batido por cima do cameraman, ele escorregou e caiu de cara justamente no buraco.

Tipo, o leão ficou enterrado no buraco com a bunda de fora. Foi um cagaço geral na equipe, o camera simplesmente se borrou todo e desmaiou. Não foi devorado pelo bicho acho que por falta de espaço. E não ia conseguir sair sozinho.

Aí a equipe foi puxar o animal pelo rabo. Quando ele saiu, ele ficou putíssimo da cara, saiu correndo e, no auge do seu leonino estresse, foi atrás de todo mundo, deu uma patada violenta numa escada, desmontou a escada, depois foi tentar entrar na jaula e errou o buraco da "mureta de pedra" e desmanchou o alambrado do estádio.

Prá quê.

Porra, imagine, o público ali viu o bicho e saiu correndo, eles bateram todos os recordes de salto em altura, em distância, salto com vara, pentatlo moderno, imagina, os caras escalando aquela mureta de merda de tão íngreme.

Depois ele voltou para o campo, e só um diretor e mais um "legionário" conseguiram acalmar a fera já ronrronante, de barriga para cima, com duas "lanças" de cabo de vassoura.

Esse camera depois foi trabalhar na Globo, essa história foi bastante difundida por anos e o rapaz na câmera, o James, ganhou para sempre o apelido de "o câmera do leão".

Saturday, October 02, 2010

Boca de Urna

Bem amigos, já que o homem é um animal político, como diria a bicha estagirita do Aristóteles e que o pior analfabeto é o analfabeto político, como diria Pepino, o Breve, este humilde redator que, com efeito, não é nenhum filho de chocadeira, SIM, tem candidato para esta eleição e - pasmem - vai abrir o seu voto.

Sem maiores delongas, chega de intermediários, no dia 3 de outubro, vote 99: CECÍLIA MEIRELES NA CABEÇA.


Uma fábula


Oi amgs

Era uma vez um jumento falante, orelhudo e ligeiramente cinza. Ele puxava pelas ruas uma carroça de carretos. Um dia, um homem viu o jumento rezingando:

"Ai de mim, ai de mim, mas que droga de vida que eu vivo, faça chuva ou faça sol, eu puxando carretos". O homem ficou surpreso, e perguntou:

"Meu amigo jumento, se você pode falar, por que você não se rebela, não fala que você está sendo explorado dessa maneira lamentável e lastimável, meu amigo jumento?".

O jumento respondeu: "meu amigo ser humano, se esse celerado do meu dono descobre que eu falo ele ainda vai me mandar gritar OLHA O CARRETOOOOO".


MORAL DA HISTÓRIA: Não tem moral nenhuma, vão dormir todos vocês