Monday, May 16, 2016

A Epifania Final




Pet Sounds faz 50 anos. A minha relação com o álbum é obtusa. Eu acho que ele sintetizou tudo o que se poderia esperar em matéria de pop nos anos 60, porém em detrimento da própria reputação dos Beach Boys como banda.

É importante salientar que eu só fui conhecê-los a fundo depois de velho. Mas comecei a ouvi-los naquele sentido de pegar o disco e pôr na vitrola (é a partir dessa experiência que você conhece um artista de verdade, e não ouvindo por tabela no rádio) justamente com o Pet Sounds.

A verdade é que eu só consegui ter a epifania final a respeito da obra da banda de Brian Wilson tendo a comprensão total do processo de produção ao álbum, desde suas influências até o processo de gravação.

Wilson tinha um ouvido apurado, cuja paleta ia de do-wop até Phil Spector. Todo o seu delírio foi levar esse processo ao extremo, tanto em termos de poética quanto de excelência musical. Por incrível que pareça, seu wit é exemplar, e não encontra cognato na história da indústria fonográfica.

Brian entendeu perfeitamente toda a concepção musical de Spector. Contudo, enquanto este concebia seu trabalho apenas e tão somente a compactos, algo que era típico do mercado americano do começo dos anos 60 — Wilson queria ampliar este mesmo conceito para o formato long-play.

Esse talvez seja o grande turning point da produção de música jovem nos anos 60: foi o momento em que os artistas pop passaram a entender — Keith Richards fala disso em Life — que suas vidas dependiam de ampliar o trabalho para o disco, mesmo que as gravadoras entendessem que os jovens não fossem lá grandes compradores de discos. Mesmo assim, os Beatles haviam aberto as comportas.

Eles estavam certos. O trabalho deles, naquele ponto, não iria perpetuar-se num punhado de compactos. O jazz dos anos 50 já havia pavimentado esses espaços. a diferença é que, ao contrário de Blue Mitchells e Coltranes, as bandas de rock resolveram tomar de assalto os seus respectivos estúdios de gravação e pirar.

É claro que poucos tiveram essa chance. Os Beatles conseguiram acabar com o rígido horário de gravações em Abbey Road. Já os Beach Boys, capitaneados por Brian, arrendavam o Gold Star, em Los Angeles — uma cidade que tinha a vantagem de ser o local onde você poderia encontrar um oboísta num sábado de madrugada.

Assim como os Beatles, Brian fez como Chaplin: quando começou a vender milhões, teve carta branca e decidiu ser o produtor. A partir de agora, sou eu quem dá as cartas. Como Dennis Wilson disse, certa vez: os Beach Boys são Brian.

Olhando em retrospectiva, a grande aventura dos anos 60 foi assistir a uma espécie de Renascença do pop sem precedentes. Pet Sounds certamente é o ápice desse processo, cujo paroxismo é o Sgt. Pepper's. enfim, tudo já foi dito a respeito da intertextualidade entre Beatles e Beach Boys.

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50 anos depois, o disco é um clássico. No entanto, na época, foi mal compreendido, especialmente pela gravadora deles, a Capitol. Ao mesmo tempo em que Brian tentou ir além com suas asas de Ícaro. Depois de solenemente desdenhar Monterey, o quinteto acabou sendo relegado a um progressivo ostracismo. Ao mesmo tempo, mesmo com idas e vindas, eles não seriam mais os mesmos. Alguma coisa se perdeu ali.

Digo que minha relação com o Pet Sounds é obtusa. Acontece que eu tenho uma visão idília do que foi a fase do California Sound. Sempre ficava entre o Endless Summer e sua cinquentenária masterpiece, e sempre acabo voltando para os primeiros discos deles. É como se, em algum momento, aqueles primeiros trabalhos dos Beach Boys fossem uma preparação para um álbum que representou a ladeira abaixo deles.

Acho que quem criou uma excelente metáfora do fim da Californa Sound foi Olver Stone, no roteiro do filme The Doors. Ele começa com uma cena em Venice, ao som dos Rivieras. de repente, Jim e Ray começam a conversar pela orla da praia e, de repente, aquela paisagem ensolarada e cheia de corpos ensolarados começa a transformar-se numa noite imensa — que coincide com as visões dioniíacas das letras de Morrison. A partir dali, é como se fosse a queda sagrada daquele ambiente idílico da California — cuja música dos Beach Boys eram a mais perfeita imagem do sunshine pop em favor de um ambiente delirante e soturno.

Pet Sounds acabou virando uma aventura espiritual que não chegou aos delírios nietzcheanos dos Doors, que representava "o outro lado", a estética da contracultura. Aliás, uma vigileatura espiritual particular de Brian, emoldurada pelas tessituras musicais spectorianas — e que, por seu turno, era o seu adeus particular a toda aquela temática ensolarada do California Sound. Pensando bem, era difícil chegar ali e simplesmente ficar, para onde ir?


Para o bem ou para o mal, todos aqueles garotos — americanos e ingleses — conseguiram empurrar essa concepção quase elementar a que estava relegada o formato de long-play ao status de midcult, ao mesmo tempo que foram na contramão da instituição secular do Tim Pam Alley. eram eles, aqueles pobres garotos, quem compunham e produziam suas próprias músicas. Hoje, em termos de estética, a música já voltou aos velhos tempos, como uma espécie de nostalgia da burrice. Mas discos como o Pet Sounds mostram até onde a criatividade e imaginação humana foi capaz de palmilhar. Cabe ousar.