Tuesday, March 26, 2013

A Guerra de Porto Alegre


O Mapa da cidade


Estava lendo os jornais de hoje e estava agora olhando um conhecido mapa de Porto Alegre dos tempos do Dr. Ross e do Rum Creosotado e é curioso ver que a cidade no croqui tinha como limite sul a Venâncio Aires que ia apenas da Lima e Silva até a João Pessoa, com uma estrada até o arraial do Menino Deus. Ao leste, a capital morria na Indepéndência; o resto, como se sabe, ficava como se fosse uma cidadela intramuros.

....


E isso é sintomático: acho que Porto Alegre ainda carrega esse atavismo da cidade que vive à margem do rio, e psicologicamente intramuros (isso sem contar o Muro da Mauá, que rigorosamente nos privou do contato com o Guaíba na região "central". Uso aspas na palavra porque acho que, quanto mais a gente a usa, mais a gente demonstra esse atavismo centralista.

Porto Alegre é o centro e, como se fala em Moinhos de Vento, Bonfim e demais bairros superestimados em tempo de aniversário de Porto ALegre, é a cidade olhando para o Centro. Acho que Porto Alegre e sua gente vive essa doença fértil. É uma cidade neurastênica e sem horizontes. Na verdade eles existem e todos sabem que eles existam, mas as pessoas acham que vêem mas estão olhando para um simulacro.

Imagine que Belém Velho existe como um arraial desde 1830. Agora, imagine o que representava uma viagem do antigo limite da cidade até lá. Digo isso porque, dia desses, a gente estava entrevistando uma senhora que tem um cabelereiro lá na Estrada São Francisco e ela soltou o ato falho: "ah, de vez em quando eu vou à Porto Alegre comprar mantimentos para o salão". Estranho que, na Vila 1º de Maio, na Cascata, uma moça falou, esses dias: "bah, aqui choveu horrores. Mas lá em Porto Alegre até estourou aquele cano".

Tava pensando porque ontem eu fiz um trajeto que foi do Centro até o loteamento Timbaúva, no limite de Alvorada. Lá, desde a Baltazar até o fim da Estrada Antônio Severino, é tomado por invasões. Semana passada eu fiz o grajeto de ônibus e levei duas horas. Depois, fomos até o bairro Lageado, na estrada da Extrema, antes descendo por Ipanema, Juca, Edgar Pires de Castro, Restinga, Lami, Estrada da Extrema, depois Costa Gama, Afonso Lourenço Mariante, São Francisco, João de Oliveira Remião, Bento, Ipiranga até o colégio Protásio Alves, onde desci.

No fim a gente rodou Porto Alegre de ponta a ponta. Fora quando fazemos mapeamento cruzado em outras áreas, e conhecemos principalmente vilas e favelas da cidade, como a Nararé, Vila Pinto, Chácara da Fumaça, corremos da polícia e dos bandidos na Maria da Conceição, Vila dos Sargentos e atrás dos morros da cidade. E quem vive no intramuros não sabe, mas Porto Alegre tem muitas favelas, e diga-se de passagem, muita gente mora, vive, nasce e morre nelas, e o Centro é apenas uma abstração que eles vêem na TV.

.....


Com o tempo, você começa a perder os parâmetros do que é Porto Alegre, que é uma cidade sem fim, acaba convivendo com a gente e com os modos desse pessoal dos arrabaldes. No fim da Estrada das Quirinas, existia um conjunto de chalés, que é a única área urbanizada no entroncamento norte do Lageado, e que é setor de pesquisa. Tirando as casas de beira de estrada (de chão), é tudo chácara. A gente faz pesquisa e volta prá casa com a viatura cheira de frutas, abóbora, losna, ovo de codorna.
Fora que a primeira vez que a gente sai dos limites da "cidade", se sente em outro lugar. Cadê o Santa Teresa, o Morro Santana, o Morro da Embratel? A Restinga é outra cidade. Eu imagino, no futuro (só na minha cabeça),


....


Então finalmente aconteceu. Aquele 26 de março não seria como os outros em Porto Alegre. Uma senha deflagrada por um exército nacionalista voluntário decretou a independência da Vila Cruzeiro, tomando o Postão de assalto e fixando uma bandeira na Moab Caldas. A Vila, agora transformada em Comuna, se fixa mantendo limites entre o Santa Teresa e o Alto Teresópolis, abocanhando também o Barra Shopping Sul. Cedo, outros movimentos separatistas latentes eclodiriam por toda Porto Alegre nos meses seguintes. Para evitar a fuga de populares, os cruzeiristas (nçao confundir com os torcedores do clube, que se mudou para Alvorada) ergueram, da noite para o dia, um muro no meio da Moab Caldas, que se chamaria Tronco Mauer (Muro da Tronco), impedindo as obras da Copa.

Em quatro dias, havia uma multidão de repórteres fazendo uma inédita cobertura internacional do que seria conhecido como a Guerra de Porto Alegre. Um processo irredentista sem precedentes na capital dos gaúchos.

Cada região vai procurar a sua respectiva nacionalidade, ou irá se unir de acordo com aspiração nacionalista.
A Restinga vai se independizar, e vai virar o Estado Maior da Restinga. A Pitinga vai ser reivindicada pelo Império Lomba-Pinheirístico, que irá do Beco do David na Agronomia até a Parada 30, e será governada pela Dinastia Remião. A Restinga vai também reivindicar a Pitinha alegando semelhança linguística.

Ao mesmo tempo, o Lami vai se tornar protetorado de Porto Alegre - esta, por sua vez, alegando o espaço vital até Viamão pelos sudetos de Itapuã, muito embora a população local quira a independência, alegando interesses ultramarinos. Porto Alegre vai declarar guerra à Restinga e vencerá, com apoio federal e banho de sangue.
Belém Velho ira se transformar num feudo típico da ALta Idade Média, com elementos de capitalismo e trabalho servil e economia baseada na agricultura: os donos de chácaras serão a nobreza, os servos os camponeses e o claro o pároco a capela do Belém Novo. Também será formada uma guarda medieval municipal, a fim de evitar as invasões bárbaras do Império Lomba-Pinheirístico ao norte e da Iugocavalhada ao leste. O burgo principal será a praça da capela, na Marechal Tito, onde você poderá trocar uma abóbora por uma dúzia de ovos, por exemplo.

Aproveitando o vazio político, a PUCRS vai se independizar também, criando os Estados Pontifícios Maristas. Os estudantes irão fechar a Ipiranga em protesto mas serão duramente massacrados pela Guarda do Irmão Clotet e será instaurado o regime do Terror, com direito as guilhotina no pórtico da Universidade.

Para se ver livres de insurreições, agentes do IBGE e do IPTU do prefeito, bairros de classe média-alta se concentrarão em conjuntos de entidades políticas diversas, porém de interesses mútuos. As maiores irão capitanear as demais como estados-satélite. Um exemplo: a Iugocavalhada, que alinhará Tristeza e Camaquã.

Junto com o Moinhos de Vento, bairros nobres ao noite deste se transformarão num vasto estado imperialista e niilista, resultante das nobrezas aristocráticas de cada um deles, por conta de uma nova Carta, que conterá um resumo jurídico do movimento das nacionalidades-chic, delimitadas no Tratado de Sheraton.

O Moinhos irá anexar a parte alta da Floresta alegando interesse pela fauna e flora do Ricaldone e o Zaffari da Cristóvão e as aulas de culinária da Rosaura Fraga.


Para se auto-sustentar, o Império novo vai criar um sistema rotativo para o governo, para os bairros-estados (Auxiliadora, Mont Serrat, Bela Vista e Boa Vista) não ficarem insatisfeitas, que consistirá na indicação do presidente a cada período ser feito por cada bairro.

Existirão as republiquetas aristocráticas: Petrópolis, a sede administrativa será no Barranco e a Câmara de Vereadores na Caverna do Ratão.

Teresópolis terá a sede administrativa no Tênis Clue e também encampará a Pampa, no Alto Teresópolis (reivindicada por conta de uma suposta unidade bairrística), que se tornaria a rede estatal da nova cidade-estado. Contudo, a anexação da Tristeza por parte de Teresópolis (buscando uma saída para o mar, digo, Guaíba, definindo como como "espaço vital" na figura dos sudetos do Cristal fez com que a Glória (na verdade, uma espécie de Vichy de Teresópolis) decretasse guerra à Tristeza, que duraria por semanas em batalhas de posição até a assinatura de um armistício onde o Cristal permaneceria sob domínio da Tristeza mediante indenização á Glória e a promessa da construção de uma estrada, a Transgloriosa, ligando o Nonoai até a Wenceslau, já que a Faixa Preta também foi tomada pelos cruzeirenses.


Navegantes e o restante da Floresta, como se sabe, fazem parte da Grande São Geraldo, cuja sede será no Gondoleiros. Uma república de terceiro mundo, de características pós suburbanas e com direito a golpes de estado e governos fantoches e o primeiro-mandatário desfilando pela Roosvelt de farda e quepe.

O Partenon, como o nome sugere, vai virar uma cidade-estado um tanto conflagrada e corporativista estilo D'Anuzzio, porém um estado com duas nacionalidades em seu Estatutoi de Autonomia: a Maria Degolada e o Morro da Cruz. A proclamação dos direitos de nacionalidade surgiu com a Renascença Partenônica, que foi o início das reivindicações, dadas as peculiaridades diversas entre São José e a Maria da Conceição, na verdade, bairros dentro do Partenon, sustentado mormente pela suas respectivas economias, baseadas no trabalho corporativo (sem aspas) e do comércio informal.

Leopoldina será reivindicada pela República Popular da Rubem Berta e pelo Município de Alvorada, e o bairro Mário QUintana vai ser uma espécie de Caxemira gaúcha, disputado por ambos, com direito a guerras de guerrilha e muita lavagem étnica.
As reduções suburbanas na Afonso Lourenço depois do Lixão até a Estrada Costa Gama ficarão em disputa entre o Imério Lomba-Pinheirístico e a Cascata. Disputa essa que nunca vai ter fim, pois ela é formada por refugiados do Belém Velho, ou seja, é de todos e de ninguém.

....

E Porto Alegre? Vai voltar a ser como era no Império. Pequena e lúgubre como uma aldeia, onde todo mundo se conhece e idealizando uma feira de livros. Vai ficar com só com a Cidade Baixa (até a Venâncio) e, com efeito, vai reerguer seus muros na altura da Santa Casa, tristes e cinzentos como a da Mauá e as linhas de ônibus se limitarão aos circulares. Aliás, a passagem vai subir 50% todo mês mas ninguém vai precisar pagar, já que só os isentos andarão de transporte público. Quem viver, verá.

Friday, March 15, 2013

Necrofilia


Hendrix

O disco People, Hell and Angels, lançamento póstumo de Jimi Hendrix, lançado no último dia 5, subiu ao topo das paradas da Billboard em apenas uma semana. O álbum chegou a segunda posição, chegando a 72 mil cópias. Desempenho excelente para um artista desaparecido há mais de quarenta anos.

O problema reside nessa peculiaridade. Hendrix hoje rende, aos detentores dos direitos sobre o espólio do guitarrista morto em 1970, mais do que rendia ao seu vampiresco empresário, também falecido, Michael Jeffrey. Ou seja, a família do autor de Purple Haze ganha muito mais do que qualquer picareta que se montou nas costas do guitarrista de Seattle em todos os tempos. Isso porque, segundo o ex-produtor do músico, Eddie Kramer, há mais discos na fila a serem lançados pela Legacy, que detém os direitos de comercialização da obra de Jimi.

Hendrix tinha controle e autonomia em tudo o que ele fazia em estúdio. Quando morreu, havia deixado horas e horas de ensaios, esboços e improvisos em tape - desde pré-produção, ensaios aleatórios e sessões de gravação, como a do que seria o seu quarto disco, First Rays of New Rising Sun. Parte disso saiu oficialmente como Cry of Love.

O resto, depois da morte do músico, capitaneado por um produtor, Alan Douglas, saiu espremido em doses homeopáticas em álbuns editados ao longo dos anos 70, em seleções com capas de mau gosto e mixagem idem, a fim de satisfazer à súcia dos seus empedernidos fãs. Os discos saíam como novidade, sem nenhum contexto aparente, como se Hendrix estivesse vivo.

Em 1997, décadas depois que a discografia hendrixiana estava esgotada e fora de catálogo, a família do músico conseguiu pôr as mãos na obra de Jimi para relançamento. Foi quando começou o reembalsamamento do trabalho do guitarrista norte-americano. Embora lançada de forma coerente, em edições críticas e coordenadas pelo próprio Eddie Kramer, a picaretagem continua.

Se formos ver, o material de três dos últimos discos de estúdio lançados em CD, South Saturn Delta, Valleys of Neptune e People Hells And Angels é composto de sobras de estúdio que, musicalmente, não vão a parte nenhuma. Isso sem falar de músicas que aparecem com nomes diversos mas, na primeira audição, nos damos conta de que são as mesmas de sempre.

Para vocês verem: Lullaby for The Summer é Ezy Rider; Crash Landing é Freedom. O outtake de Little Wing é Angel instrumental; Hey Gypsy Boy é Hey Baby (New Rising Sun); Mr. Bad Luck e Look Over Yonder e Easy Blues e My Friend. É tudo sobra do último disco dele, porém relançado pela Legacy de forma menos obtusa. Mas não menos oportunista. As tais faixas inéditas são versões alternativas do First Rays

A despeito de toda a produção, a excelência desse impressionante desempenho reside no talento do próprio Hendrix, já que tudo o que ele fazia virava ouro. Mas o melhor do músico Jimi Hendrix está nos seus discos oficiais.