Thursday, May 06, 2010

O Menino Prodígio



Era um desses meninos modelos. Desses, é modo de dizer, pois nunca existiu outro igual. O seu primeiro choque com o mundo foi com o próprio pai. Estava um dia brincando com um trenzinho, fazendo barulho, enquanto o pai lia. De repente, o pai gritou: “Pára comisso, menino”. Ele parou, olhou para o pai e disse: “Talvez, meu pai, um outro menino da minha idade perguntasse por que o senhor dá essa ordem, eu não, obedeço e pronto”.

Outra feita, subiu numa escada-de-mão para tirar mangas de uma mangueira. A escada escorregou no tronco da érvore mlhada e lá veio ele ao chão, num tombo perigoso. Ficou caído,todo machucado, enquanto a mãe se aproximava, chorando e gritando. Levantou-se e disse: “minha mãe, espero que isso me sirva de lição”.
Às visitas, ele se apresentava rapidamente sempre que sua mãe o chamava.

Para não embaraçá-las, dizia logo: “realmente estou muito crescido, não estou? Agora posso retirar-me para brincar láfora e não perturbar a conversa das senhoras”.
Certa vez saía de casa para ir ao cinema. Sua mãe ajeitou-lhe o laço do sapato. Ele disse, olhando a expressão do rosto dela: “realmente a gente tem um filho, cria-o com tanto carinho e logo ele tem atitudes e vontades próprias. Isso é muito triste, a senhora não acha?”.

Quando falavam qualquer coisa de mais sérioou picante na frente dele, ele se levantava, pedia licança para se retirar: “os senhores sabem; eu ainda não tenho idade para ouvir certas coisas."

Quando o pai lhe dava dinheiro para comprar livros ou divertir-se, comentava invariavelmente: “na minha idade o senhor já ganhava vida sozinho".

Se surpreeendia com a mãe trabalhando fora de hora, não se esquecia de dizer: “Oh, a senhora trabalha como uma escrava para sustentar-me e a verdade é que eu nunca vou reconhecer isso".

Quando se esquecia e discutia um problema, voltava logo a si e ordenava-se: “Bem, e agora crio que a senhora não quer ouvir mais nenhuma palavra sobre esse assunto".

Se errava, dizia ao pai: “na verdade, não sei o que está acontecendo com os meninos da minha idade. No seu tempo não era assim".

Ou então: “realmente já não tenho idade para fazer isso".

Ou ainda: “nunca serei nada na vida se continuar assim".

Quando entrou para a faculdade disse aopai: “o senhor nunca teve as oportunidades que está me dando”. Quando teve o seu primeiro amor falou a ambos, pai e mãe: “acho que estou numa idade crítica".

Quis casar cedo, mas reconheceu-o diante da progenitora: “sim senhora, depois de todos os sacrifícios que a senhora fez por mim".


Era um cínico ou era um sábio.

Millôr Fernandes. In: Lições de um Ignorante, 1963.